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ENSINO REMOTO
Fantástico romantiza a realidade precária da juventude sem acesso ao ensino remoto
Iaci Maria

No último domingo o programa Fantástico, da Globo, finalizou a edição semanal com uma matéria sobre “resistência”, como foi apresentado. O que eles embelezam como resistência eu chamo de viver no limiar da miséria do possível.

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Foto: Reprodução/Fantástico

O programa Fantástico do último domingo, 21, finalizou sua edição contando uma história, nas palavras do apresentador Tadeu Schimidt, “de resistência diante das dificuldades impostas pela pandemia”. Foi uma reportagem de cinco minutos trazendo a realidade do jovem Artur Mesquita, de 15 anos, estudante do 1º ano do ensino médio na rede pública municipal de Alenquer, no Pará. O adolescente, que mora na zona rural, precisa subir em uma árvore em seu quintal todos os dias para conseguir ter acesso à internet e poder acompanhar as aulas online.

A reportagem ainda diz que a família do estudante gastou mais de 2 mil reais instalando uma antena na casa, que não funcionou, e hoje precisa pagar um plano de internet móvel no valor de 120 reais mensais, que é quase o valor total do novo auxílio emergencial de 150 reais.

Onde está a beleza disso? Como pode ser essa uma história que nos faz sorrir, de superação? É real que há ali uma resistência por parte do jovem, mas a juventude não deveria estar construindo bancos e suportes para o celular em cima de árvores para conseguir acessar suas aulas. A juventude não quer só resistir, ela quer ter acesso ao que lhe é direito. E o direito à educação é um direito básico, que deve ser garantido a todos.

Essa realidade de Artur e milhares de jovens pelo país se mostra ainda mais escandalosa se lembrarmos que na semana passada Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei 3477, de 2020, que previa a destinação de 3,5 bilhões de reais para estados e municípios garantirem internet e tablets para alunos e professores do ensino básico na rede pública. O reacionário presidente, com apenas um veto, negou o acesso gratuito à educação para milhões de crianças e jovens pelo país, e também a possibilidade de melhorar a estrutura que dispõem os professores para garantir suas aulas. A família de Artur não deveria estar pagando por uma antena por fim inútil nem pela internet móvel, situações que a Globo romantiza, pois isso deveria ser garantido pelos governos federal, estaduais e municipais, a todos os estudantes das redes públicas do país.

A desculpa para o veto de Bolsonaro é a responsabilidade fiscal, mas sabemos que tudo é uma questão de escolhas políticas, e o ex-capitão fez as suas: na mesma semana, perdoou a dívida das igrejas no valor de 1,4 bilhões de reais, o que seria suficiente para garantir o acesso à todos os estudantes cadastrados no CadÚnico. Outra medida recente que mostra quais escolhas foram feitas é a isenção dos impostos de importação de armas, que arrecadaria cerca de 1 bilhão, mas o Executivo abriu mão. Isso falando somente das últimas ações, sem contar uma enorme diversidade de possibilidades de cortes que poderiam - ou melhor, deveriam - ser feitos para garantir o pleno acesso de todos a uma educação pública gratuita e de qualidade, como por exemplo cortar os milionários salários dos políticos, juízes e funcionários do alto escalão dos governos, garantindo-lhes o mesmo salário de uma professora. Mas os únicos cortes que vêm dos governos são nos nossos direitos, dos trabalhadores e da juventude.

A barreira encontrada e transpassada por Artur foi imposta pela pandemia sim, devido ao ensino remoto, mas a precarização da educação e a falta de acesso à internet, algo bastante básico em 2021, é ainda anterior. O Censo da Educação Básica 2020, divulgado no último janeiro, apontou que cresceu o número de escolas públicas sem acesso à internet e - pasmem - sem nem mesmo banheiro. Os dados mostram a barbárie: 3,2% das escolas não possuem banheiro; 20,5% não tem acesso à internet; e em 26,6% não há rede de esgoto. E ainda assim, seguem impondo o retorno inseguro às aulas presenciais e expondo jovens e trabalhadores da educação ao risco diário diante de 3 mil mortes diárias. Será que a Globo acha isso exemplos de superação?

O que o programa global chama de “resistência” eu chamo de viver no limiar da miséria do possível diante de um governo que desdenha da vida e dos direitos da população, em meio a um regime golpista. A Globo romantiza uma situação que expressa apenas a enorme precarização não apenas da educação pública, mas da vida em seu conjunto. Embelezam um caso que não é isolado, ocorre nacionalmente acompanhando as desigualdades regionais do país.

O mesmo Censo da Educação Básica prévio à pandemia apontou que os estados do norte do país concentram o maior número de escolas sem acesso à internet, chegando a 60% em lugares do Acre e do Amazonas. Querem nos fazer achar que é um bonito exemplo de superação, quando na realidade se trata do precário ensino remoto imposto durante a pandemia, que escancarou a falta de acesso à educação de qualidade de milhares de estudantes Brasil afora. É o mito da meritocracia gritando em rede nacional, dizendo que “basta querer”, “basta se esforçar”, diante do real esforço de um jovem que deveria acessar suas aulas de dentro de sua casa, protegido do sol, chuva e todas intempéries que podem surgir do alto de uma mangueira.

É sabido que a Globo é a emissora brasileira com maior índice de audiência no país e o Fantástico, programa dominical que costuma ter mais de 2 horas de duração e está no ar há quase 50 anos, é um dos campeões de audiência. São milhares de televisões ligadas país afora acompanhando as diversas reportagens, por diversas vezes apelativas emocionalmente, por um lado querendo fortalecer esses discursos que individualizam a responsabilidade por questões que deveriam ser direitos garantidos, mas, por outro, sempre alinhadas politicamente com o editorial da grande azul marinho, ou seja, à direita e ao lado dos empresários em prol dos lucros. Não se enganem, se hoje a emissora de Roberto Marinho fala contra Bolsonaro, no passado recente foi justamente uma das agentes golpistas que levou à sua eleição e consolidou o regime do golpe. Em um passado um pouco mais distante, foi uma grande aliada da ditadura militar brasileira.

Não há ali “história de superação” que não esconda por trás o discurso ideológico de responsabilização individual por cada fracasso ou conquista da juventude e da classe trabalhadora. Querem convencer cada um de que o destino de si cabe somente a si mesmo. Mentira. Assim seguem justificando a retirada de cada direito que foi conquistado e agora nos roubam, trabalhando para precarizar cada vez mais as condições de estudo, trabalho, de vida da população. Querem que achemos bonito quando não nos dão condições de viver, muitas vezes nem mesmo de sobreviver, pois em meio à pandemia, nos roubam até o ar.

Resistir é importante. Resistir é necessário. Resistir é urgente. Mas não apenas resistir, não pode nos caber apenas a força para aguentar apanhar mais, para burlar as péssimas condições existentes, de estudo, de trabalho, de vida. Resistir para não aceitar a miséria do possível e achar que é só o mínimo que nos cabe, e para nos fortalecer. E nos fortalecer para mais que resistir, para nos organizar para virar o jogo e derrubar esse regime do golpe que nos nega não somente o acesso à internet, mas o acesso à uma vida digna, com educação, saúde e emprego para todos. Para derrubar esse sistema capitalista que nos relega à miséria e construir todo um outro mundo, com as condições para os jovens não apenas acessarem o conhecimento já produzido, mas para que possam criar novos e construir uma vida que seja totalmente plena de sentido.

 
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