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Da Lei de Responsabilidade Fiscal à EC 95 - a destruição da educação pública e nossas tarefas
Luiz Pustiglione
Doutorando em educação pela UFSC e professor da Rede estadual de SC
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Foto: Caco Argemi / CPERS - Sindicato

É muito comum nos movimentos estudantil e sindical que as lutas se deem em torno de necessidades mais imediatamente sentidas por aqueles afetados pelas políticas nefastas dos diferentes governos de turno, afinal, os ataques não cessam. Muitas vezes, nós que militamos, acabamos nos sentido perdidos em meio a tantas pautas e ataques que até sabemos ter pontos de contato ou ligação, mas que nem sempre são visíveis.

Se é meio “óbvio”, portanto, que os ataques e arrochos são derivados das necessidades e crises do capitalismo, não é tão nítida assim a forma – no longo prazo, em especial – como se dão essas ligações e pontos de contato. É a compreensão dessa nuance, no entanto, que tornou-se determinante para entendermos as lutas que têm sido e virão a ser travadas no âmbito dos serviços públicos, em especial, no que diz respeito à educação e à saúde públicas.

Um dos elementos da realidade que pode ser pinçado para exemplificar esse problema é o orçamento público que, no âmbito federal é determinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA que antes tramita como Projeto de LOA - PLOA).

Se antes havia algum espaço para disputar fatias do orçamento público “ano a ano”, houve um movimento executado em 2016 – imediatamente após o golpe institucional – que mudou “em definitivo” essa pequena possibilidade que existia: a EC-95!

LRF e EC 95/2016 – a reconfiguração do Estado brasileiro

A Constituição Federal de 1988, em que pese não ter garantido a efetividade de uma série de previsões de direitos nela contidos, é alvo de ataques por parte das distintas frações da classe hegemônica desde os anos imediatamente seguintes à sua promulgação. Já no governo Collor foram elaboradas e tramitaram Propostas de Emendas Constitucionais que visavam destituir determinadas garantias legais dadas pelo texto oficial.

Em termos estruturais – e de propostas estruturantes do Estado – o período FHC (1995-2002) foi o mais profícuo em propor e alcançar modificações significativas, como foi o caso da primeira da série de reformas da previdência que desde então se sucederam. O grande alvo prioritário eram (e continuam a ser) os serviços públicos, em especial a oferta de educação e com ainda mais atenção para a educação superior, mas também a saúde.

Tentava-se naquele período reenquadrar os serviços e carreiras públicas em 2 tipos: os/as típicas de estado e aqueles que poderiam (ou deveriam) ser assumidas pela “sociedade civil” – leia-se privatizado! Era o começo da era das Organizações Sociais (OS’s) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s) em substituição aos servidores públicos ou contratados pelo próprio estado e à administração diretamente estatal de hospitais e que esperava-se atingir também outros setores. Na saúde esse modelo ganhou rapidamente proporções nacionais e é até hoje largamente utilizado Brasil afora, enquanto em outros setores sua implantação se deu de outras formas.

Na educação, por exemplo, as coisas precisaram se dar de forma mais sutil e em doses homeopáticas, uma vez que as grandes tentativas do governo FHC esbarraram em enormes mobilizações estudantis como foi a greve das federais de 1998, entre outras.

A intenção era criar a figura do serviço público não estatal, ofertado por entidades públicas regidas pelo direito privado. Em outras palavras: era uma engenharia complexa para não parecer o que realmente era. Privatização! Apesar de a legislação não ter vingado essa figura jurídica, a prática se perpetuou e as fundações de apoio das universidades federais e muitas estaduais estão aí para comprovar essa tese. Além das diversas fundações municipais de ensino superior que também foram criadas ou reenquadradas a partir desses mesmos esforços.

Ocorreu, nesse período, uma mudança que foi determinante para conseguir impor determinadas contenções no marco mais geral que não se conseguiu implementar nas legislações mais específicas: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa legislação significou um engessamento formal do orçamento público ao impor restrições de gastos de determinados tipos, entre os quais contratação de pessoal, investimento em instalações e materiais e outras tantas necessidades prementes em qualquer instalação que preste algum tipo de atendimento ao público. Era – e ainda é – a desculpa “perfeita” para não realização de concursos e aumento das contratações precárias além da ampliação quase irrestrita das terceirizações. O que não pode ser restringido pela LRF? As quantias generosas de fundo público utilizadas para o pagamento dos serviços da dívida pública.

Apesar da LRF, o início dos anos 2000 (com o boom das commodities e crescimento econômico do país e de todo o continente) possibilitou ao PT - que recém chegava ao governo federal – realizar concursos e repor parcialmente a mão de obra efetiva de Técnicos Administrativos e Docentes, assim como ampliar vagas e o próprio total de universidades federais e a criação da rede de Institutos Federais – a partir dos antigos CEFET’s e Escolas Agrotécnicas Federais.

É sempre importante reafirmar que, apesar desse crescimento na esfera pública, o período foi de maior bonança para o empresariado da educação que passou a receber ainda mais partes do fundo público através de ampliação de programas já existentes e a criação de outros. Ou seja, foi a situação internacional que permitiu certa margem de manobra aos governos do PT para ampliar um pouco os investimentos em áreas sociais enquanto ampliava em escala muito superior o favorecimento ao grande empresariado, incluindo os tubarões do ensino (como a gigante Kroton-Anhanguera). A crise capitalista mundial foi alterando paulatinamente esse cenário.

  • O caso da ampliação do EAD é emblemático desse período, uma vez que se olharmos o gráfico abaixo extraído de (SEKI, SOUZA e EVANGELISTA) podemos notar que o primeiro boom expansivo foi através das vagas ofertadas pelas universidades públicas. Fica muito nítido, nesse caso com muita ênfase, que o Estado cumpre o papel de induzir a criação de uma determinada demanda que o mesmo não absorverá, largando-a, obviamente, ao livre mercado enquanto cria a infraestrutura necessária para o funcionamento dessa modalidade de ensino. Enquanto a expansão do setor público subiu timidamente e foi rapidamente ultrapassada pela esfera privada, ela veio a cair, logo em seguida, enquanto os empresários da educação continuaram a ampliar a oferta:

Pode-se afirmar, então, que o período petista a frente do Estado – pelo menos até o primeiro mandato de Dilma - ficou marcado pela elevação dos números do setor público combinada com uma elevação ainda maior da fatia do fundo público destinada ao setor mercantil da educação superior. Além disso, a própria expansão do setor público se deu através da criação e oferta de cursos aligeirados, fortemente direcionados ao mercado e, por consequência, dispostos ao seu sabor e flutuações – o que fez com que uma série de cursos criados, poucos anos depois tornassem-se obsoletos e/ou sem sentido de ser/existir. Isso para não mencionar a incompatibilidade das políticas de assistência estudantil para a permanência de toda uma série de novos estudantes que passaram a ingressar nas universidades e institutos federais, em especial a partir do sistema de cotas.

Os governos do PT não apenas não alteraram o signo da mercantilização da educação, apesar de todos os esforços para aparentar que operava essa mudança, como ampliaram significativamente as condições para que a iniciativa privada nadasse de braçada no mercado educacional. O golpe institucional de 2016 veio para encerrar qualquer aparência possível – operação essa já iniciada no último ano de mandato de Dilma Roussef com os violentos cortes orçamentários, mas que veio a ser sacramentada em definitivo com a tramitação da PEC “da Morte” que tornou-se a Emenda Constitucional 95 sob o governo golpista de Michel Temer.

A LRF deu as bases e a EC 95 o acabamento de um modelo de Estado com piso e teto cada vez menos manobráveis ao favor das demandas dos trabalhadores e dos/pelos serviços públicos de qualidade e ao alcance de todos. Mais uma vez os gastos com os serviços da dívida ficaram de fora dos limites impostos por essa emenda. Pode-se, portanto, dizer que a EC 95 veio para coroar o processo de destruição dos serviços públicos que gradualmente se deu, com indas e vindas ao sabor dos ventos internacionais, ao longo da breve história do regime de 88. O golpe de 2016 é um divisor de águas nesse sentido, que acaba de vez com o ciclo lulista nas universidades públicas ao redor do país..

Agora, com a crise econômica de vento em popa, outros profundos ataque têm sido processados. A PEC da Reforma Administrativa, atualmente em tramitação, prevê uma série de remendos em determinados aspectos relacionados ao escopo da LRF e que atingiria com ainda mais profundidade os servidores públicos (atuais e futuros) e, por consequência, os serviços públicos. O conhecido e já mencionado engessamento do orçamento público para investimentos e manutenção dos serviços públicos seria elevado a um novo e insuportável patamar, impondo condições que viriam a ser rapidamente insustentáveis sequer para manter o que já se tem, “forçando” ainda mais a necessidade de mecanismos privatizantes.

Mas, se voltarmos ao que já está vigente, que é o caso da EC 95 já podemos ter a concreta dimensão do tamanho da luta que será necessária para reverter esse cenário de horror que se instalou no pós-golpe com mais ênfase: não há qualquer perspectiva de disputa por mais orçamento ou por melhorias das condições de ensino e trabalho nas universidades ou hospitais públicos que não se enfrente diretamente com esse regime do golpe que tem nessa EC um de seus marcos econômicos fundamentais (se não o principal). Qualquer menção a direitos contida na CF de 1988 se esvai diante de suas imposições, como é o caso da autonomia universitária, por exemplo.

Há um estudo de um órgão “técnico” da câmara dos deputados que indica com bastante precisão de detalhes algumas projeções orçamentárias até 2023. O documento é enfático: há determinados gastos/custos que não deixam de subir por causa da existência da EC 95, como as contas de luz, água, gás, os contratos com as empresas terceirizadas e/ou fornecedoras de todo tipo de material, entre outros. A partir disso é necessário pensar de onde é possível cortar, dado que é “obrigatório” fazê-lo. Investimentos, obras, contratações, eventos, bolsas e todo tipo de gasto que pode ser controlado serão os atingidos da vez, mais uma vez!

No caso das universidades e institutos ainda é necessário mantermo-nos atentos às movimentações em torno ao Future-se que depois de longas polêmicas desde sua primeira versão, lançada ainda em 2019, tornou-se Projeto de Lei no início do período pandêmico, mas enfraqueceu-se consideravelmente a partir da fuga do ex-ministro Abraham Weintraub, seu mais árduo defensor.

A combinação, portanto, da LRF, da EC 95, da crise econômica e das perspectivas postas pela burguesia através das propostas como o Future-se ou as novas Emendas Constitucionais a tramitar (como da Reforma Administrativa, em especial) é uma nova armadura – ou moldura – na qual as atuais formas de oferta de serviços públicos, em especial a educação e a saúde, não cabem mais. No lugar de aumentar o espaço para que caiba tudo dentro, a opção vai ser cortar pedaços que “possam” ser deixados para lá, o que no caso serão bolsas, pesquisas, cotas, investimentos e contratações, mantendo-se preservadas apenas as partes do fundo público destinadas ao infindável serviço da dívida pública brasileira.

Para dar o combate correto diante de todo esse cenário, é preciso observar como o destino da educação pública está atrelado às mudanças internacionais. Se houve crescimento nos anos 2000 isso se deu menos por uma boa vontade dos governos de então do que pela situação favorável em todo o continente a partir do boom das commodities, com destaque para a alta demanda chinesa. Essa situação internacional mudou radicalmente. A crise capitalista mundial vem afetando países de todo o mundo, agravada pela crise sanitária. As condições para maiores investimentos na área da educação, conservando a dívida pública e os favorecimentos os mega empresários, acabaram de vez. Estamos cada vez mais próximos de uma situação “são eles ou nós”.

Nesse sentido, a fim de reverter o quadro de destruição dos serviços públicos, é necessário se enfrentar com o conjunto desse regime político do golpe, fazendo com que os grandes empresários paguem pela crise. Do contrário, continuaremos pagando nós, trabalhadores, estudantes, pesquisadores, professores… é preciso atacar a dívida pública, esse bilionário mecanismo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, através da mobilização independente dos trabalhadores. Caso contrário veremos cada vez mais as universidades, escolas e institutos federais serem devastados pelos efeitos da EC 95 e dos sucessivos ataques do governo Bolsonaro, sendo a LOA cada vez mais um “detalhe” diante da magnitude de toda essa “nova” formatação do Estado que se processou e segue em curso.

A pandemia e atual crise econômica reafirmaram a importância dos serviços públicos, como no caso do SUS, da Fiocruz, do Instituto Butantan e de diversas universidades no Brasil. A luta para evitar que avance o projeto (ultra)neoliberal não pode ser confundida com a vontade de retomar patamares também precários (ainda que um pouco menos) e cercados de contradições já apontadas acima. Ao contrário, a luta deve se dar por uma universidade e escola públicas que nunca tivemos: totalmente dedicada às necessidades da classe trabalhadora e funcionando em condições plenas.

 
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