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DOSSIÊ 28S 2020
Direito ao aborto e a necessidade da separação da Igreja do Estado
Luiza Eineck
Estudante de Serviço Social na UnB

Neste 28 de setembro somos pelo aborto legal, seguro e gratuito, contra os ataques desse governo capitalista que junto das Igrejas amarram nossos corpos, mas afinal por que Igreja e Estado devem ser assuntos separados?

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No último mês assistimos acontecimentos chocantes, fundamentalistas e religiosos tentaram parar um procedimento de aborto em uma criança estuprada, as Igrejas tiveram aprovada uma anistia de, pelo menos, 1 bilhão em dívidas tributárias, Bolsonaro nos ameçou com duas portarias que colocam novas regras nos casos de aborto por estupro e ainda teve a coragem de dizer, na última Assembleia da ONU, que no Brasil precisamos combater a “critofobia”, como se as Igrejas não tivessem regalias suficientes no Estado brasileiro. O mais emblemático disso tudo foi ver uma mulher, Sara Winter, representante dos interesses da classe dominante, cruzada com a extrema direita e com a Igreja se colocando de forma muito reacionária contra os direitos das mulheres, mostrando escancaradamente o quão esse laço, Estado e Igreja, apenas coloca obstáculos na luta das mulheres e o quão nossa luta tem um caráter de classe.

Em contrapartida a “cristofobia” de Bolsonaro, no dia 7 desse mês, o Congresso Nacional aprovou o PL 1581/2020 que prevê a isenção de dívidas tributárias das Igrejas com a Receita Federal, chegando a um valor total de R$ 1 bilhão de reais anistiados. Além de já não pagarem impostos, o PL permitiria que as igrejas não pagassem a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a contribuição previdenciária, o aval do PL foi dado, principalmente, pela bancada evangélica e [pasmem] por parlamentares do PT e PCdoB, esse último, por unanimidade em sua bancada. O projeto é de autoria de David Soares (DEM-SP), filho do dono da Igreja Internacional da Graça de Deus, igreja que teria sua dívida de R$ 37,8 milhões perdoada, apesar de Bolsonaro não ter sancionado o PL por completo, vetou a parte que isentaria as Igrejas de contribuírem com CSLL, ele manteve a parte da não contribuição previdenciária e, ainda, deixou indicado a bancada da Bíblia para derrubar o próprio veto e que faria de tudo para “estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”.

Leia também: Notas sobre o perdão da dívida às igrejas e a laicidade do Estado

Infelizmente, essa é apenas uma das nefastas expressões da relação que a Igreja mantém com o Estado capitalista, vale ressaltar, que esse laço é histórico, desde o período da colonização do Brasil, a formação do Estado brasileiro está profundamente ligado com o papel das Igrejas como forma de garantir os interesses da classe dominante e que é expressado ainda hoje. É apoiado na tradição patriarcal judaico-cristã que o Estado capitalista mantém os corpos das mulheres sob seu controle, mantendo a subvalorização da mulher e reforçando a ideia de “reprodutora” e “do lar” nos obrigando a exercer a maternidade, por exemplo, mesmo que indesejada, como ocorreu com a menina de 10 anos, no final de agosto, quando fundamentalistas e religiosos incitados por Sara Winter - que obteve os dados da criança e local de realização do aborto vazado por Damares Alves - foram na frente do hospital chamar a criança de assassina e tentar parar o aborto.

Damares Alves e Bolsonaro são as personificação do conservadorismo religioso burguês que permite, cada vez mais, a interferência da Igreja no Estado, que, no caso, só garante retrocessos nos direitos fundamentais dos setores oprimidos da sociedade. Essa promíscua relação é mais evidente desde o início desse governo reacionário, que abriu mais espaço para a extrema direita religiosa exercer poder político dentro e fora do parlamento, travando a luta das mulheres, LGBTs e negros, seja no Congresso com suas bancadas Bala, Boi e Bíblia, seja na frente de hospitais tentando impedir a realização de abortos mesmo nos casos em que são legalizado no país, garantindo, assim, o conservadorismo da classe dominante[burguesia], fazendo a manutenção de sua base.

Mesmo que afirmado na Constituição de 1988, o Estado nunca foi laico no Brasil, apesar de Bolsonaro ter aberto mais portas aos fundamentalistas e deixado mais evidente a interferência desses na política brasileira, desde o governo FHC a religião no Estado só cresceu, também não podemos esquecer que nos 13 anos do governo do PT, Lula encorajou e deu espaço ao crescimento evangélico no parlamento e Dilma publicou a “Carta ao povo de Deus” onde prometia não se estender no debate da legalização do aborto, pauta elementar para todas as mulheres, ou seja, essa demanda foi rifada em nome da governabilidade junto a bancada da Bíblia, visando os votos dos católicos e evangélicos e, inclusive, aprofundando acordos com o Vaticano, mostrou que não pretendia colocar nenhuma luta séria pelo direito ao aborto.

Toda essa manobra deu bases aos principais atores do golpe institucional, o qual Bolsonaro é o fruto podre, que marcou um avanço ao retrocesso da luta das mulheres, todo o peso que os atores políticos fundamentalistas e religiosos têm cumpriu um papel importante nesse cenário, inclusive, para garantir o poder e as decisões do judiciário machista e misógino que até hoje não pautou a descriminalização do aborto efetivamente, pois só serve para interferir nos rumos do país e passar os ataques neoliberais contra classe trabalhadora.

O marxismo e o elo entre Igreja e Estado

Percebemos, também, que o elo que a Igreja mantém com o Estado capitalista é de financiamento, é ele quem a sustenta com milhões de reais, sim, grandes quantias do dinheiro público são destinadas às Igrejas, ou seja, são verdadeiras empresas a serviço do grande capital com sede de lucro, que passam por cima das vidas da massa trabalhadora.

“Não deve haver quaisquer donativos a uma igreja de Estado, quaisquer donativos de somas do Estado a sociedades eclesiásticas e religiosas, que devem tornar-se associações absolutamente livres e independentes do poder de cidadãos que pensam da mesma maneira. Só a satisfação até ao fim destas reivindicações pode acabar com o passado vergonhoso e maldito em que a igreja se encontrava numa dependência servil em relação ao Estado e em que os cidadãos russos se encontravam numa dependência servil em relação à igreja de Estado, em que existiam e eram aplicadas leis medievais e inquisitoriais (que ainda hoje permanecem nos nossos códigos e regulamentos penais) que perseguiam pessoas pela sua crença ou descrença, que violentavam a consciência do homem, que ligavam lugarzinhos oficiais e rendimentos oficiais à distribuição de uma ou de outra droga pela igreja de Estado. Completa separação da igreja e do Estado — tal é a reivindicação que o proletariado socialista apresenta ao Estado actual e à igreja actual.”

Apesar da passagem ter sido escrita por Lênin sobre a Rússia no século passado, esses escritos nunca foram tão atuais, Lênin reforçou a necessidade da religião ser um assunto privado em relação ao Estado, em poucas palavras, toda a liberdade de religião e culto devem ser defendidas, portanto, o Estado deve ser totalmente laico, isto significa, nenhum centavo de dinheiro público para as Igrejas, isso tem de estar na ordem do dia, a separação da Igreja do Estado, além de política, também é uma questão econômica.

“O Estado não deve ter nada que ver com a religião, as sociedades religiosas não devem estar ligadas ao poder de Estado. Cada um deve ser absolutamente livre de professar qualquer religião que queira ou de não aceitar nenhuma religião, isto é, de ser ateu, coisa que todo o socialista geralmente é.”

O Estado não ter nada a ver com religião perpassa um importante passo para a liberdade política das massas, pois as Igrejas se apoderam delas, apoiadas no seu desamparo, na sua privação e incapacidade de resolver seus problemas materiais, a partir da imagem de “ajudante/acolhedora social” aproveitam para expandir seu poder material e político por meio da fé, porém vão contra os direitos sociais e econômicos da maioria, atuando, portanto, como o principal fator de estigma em relação ao aborto, e em qualquer levante de massas para a conquista de seus direitos ela é a primeira a se colocar como obstáculo na luta, como foi na Maré Verde na Argentina em 2018, onde milhares de meninas jovens e mulheres ocuparam as ruas pelo direito ao próprio corpo.

Por mais que ainda sem sucesso, o direito ao aborto, só acontecerá, dessa forma: arrancado nas ruas, é inspiradas nas mulheres russas, as primeiras a conquistar esse “triste direito”, nas palavras de Trótski, poucos anos após a Revolução de Outubro, que devemos nos unir e nos organizar para lutar por esse direito fundamental que mata todos os anos milhares de mulheres e meninas, interessante notar que o continente Americano tem o maior número de abortos comparado ao restante do mundo, na América Latina e Caribe ele é ainda maior. A cada quatro mortes por aborto no Brasil, três são de mulheres negras. No Brasil da crise capitalista, ou seja, do desemprego, da desigualdade social e da terceirização, isso significa que são as mulheres trabalhadoras, negras e pobres que mais morrem ao abortar de forma precária e clandestina e, não, de forma, segura, por mais que clandestina, como fazem as patroas em clínicas de luxo.

Por um feminismo socialista para conquistar o aborto

Assim, concluímos, que em um sistema onde a desigualdade social é premissa para existência, a superação do mesmo só pode ser feita pela própria classe trabalhadora, onde as mulheres serão linha de frente, apenas organizadas e com uma direção política de ruptura com o capitalismo será possível liquidar a religião, que cada vez mais nos amarra aos homens, nos deixando imobilizadas para conquistar o direito ao nosso próprio corpo. O “recuo estratégico”, defendido e teorizado por muitas feministas que apoiavam os governos do PT, ao invés de fortalecer nossa luta pelo direito ao aborto, levou a uma política de conciliação com as Igrejas. O que na prática significou abrir mão dos nossos direitos, enquanto a bancada da Bíblia, os fundamentalistas e os conservadores se fortaleciam até que foram capazes de dar o golpe institucional e hoje serem parte da base do bolsonarismo que ataca as mulheres, especialmente, as mulheres trabalhadoras com sua misoginia e as nefastas reformas.

É, em vista disso, que juntamente da demanda pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito precisamos levantar a urgente consigna “pela separação da Igreja do Estado, já” para libertação política de nós, mulheres, para avançarmos na conquista do direito ao aborto, na conquista da escolha, do direito ao nosso próprio corpo nos marcos da democracia burguesa, porém tendo, sempre, em perspectiva que a total emancipação das mulheres, material e espiritual, só virá com a superação do sistema econômico vigente, com uma resposta anticapitalista que supere todos os setores desse regime que apoiado nas opressões[reforçadas pelas Igrejas], tanto de gênero quanto de raça, superexplora as mulheres e os negros, que ocupam os piores postos de trabalho dessa escravidão assalariada.

Com isso, retomo a revolucionária Rosa Luxemburgo, “as enormes riquezas acumuladas pela Igreja, sem qualquer esforço da sua parte, vêm da exploração e da pobreza do povo trabalhador”, é, por isso, que nós do Pão e Rosas defendemos um feminismo socialista, sobretudo, das mulheres trabalhadoras, as que mais morrem nesse Estado de exploradores, reforçamos que esse 28 de setembro seja um dia de luta não só pelo direito ao aborto, mas também contra esse regime que descarrega a crise sobre nossas costas com as reformas, trabalhista, previdência, com ataques e portarias atentando contra todas as mulheres e setores oprimidos.

"Porque o que defende os exploradores [Igrejas, LE] é o que ajuda a prolongar este regime presente de miséria, esse é que é o inimigo mortal do proletariado, quer esteja de batina ou de uniforme de polícia”- Rosa Luxemburgo

Faremos ecoar o grito nesse dia Pela educação sexual para decidir, pelos contraceptivos para prevenir, pelo aborto legal, seguro e gratuito para não morrer! Pela separação da Igreja do Estado, já!

 
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