www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
Um desastre evitável: pelo menos 200.000 mortes por Coronavírus nos EUA
James Dennis Hoff

Os Estados Unidos ,agora oficialmente, registraram mais de 200.000 mortes por coronavírus, muito mais que qualquer outro país. Esse era um desastre possível de ser evitado que se tornou ainda pior por conta da busca interminável pelo lucro e pela exploração que definem o capitalismo.

Ver online

Quando epidemiologistas começaram a tomar nota do número de novas mortes por coronavírus no início de Março já se falava muito sobre a “cauda longa da pandemia”. Apesar de ser normalmente utilizada para descrever como os sintomas do vírus podem persistir em pacientes por semanas ou até mesmo meses após a infecção, o termo era inicialmente utilizado para descrever a típica curva estatística da propagação da doença dentro de uma comunidade ao longo do tempo. Na maioria das comunidades essa curva parecia um caramujo, com uma grande casca em forma de sino (indicando a subida e o pico do surto inicial) e uma cauda muito longa (indicando o declínio muito mais lento que a subida, porém constante) Nos Estados Unidos, entretanto, aquela curva parece muito pouco com um caracol, e se parece muito mais com uma grande montanha russa.

Enquanto a maior parte dos países - com algumas notáveis exceções, como o Brasil e a Índia - conseguiram lenta e continuamente diminuir e manter baixos os números de mortos e de novos casos após o surto inicial, mas os Estados Unidos foram de mal a pior. Hoje, mais de 200.000 americanos morreram e quase 7 milhões foram infectados. Enquanto isso, mais de 40.000 novos casos e quase mil novos casos são reportados todos os dias. Os Estados Unidos, tiveram mais casos e mortes do que qualquer outro país no mundo, e está no top 8 de mortes por milhão.

Seria reconfortante dizer que tal tragédia era inconcebível, que não havia maneira alguma de prever isso, ou que não havia nada que pudéssemos fazer para evitá-la, mas isso simplesmente não é verdade. Esses números de “piores cenários” foram previstos pelos Centros de Controle e Prevenção há meses atrás, e em muitos estados os passos necessários para controlar o vírus foram ignorados ou rejeitados pelos governadores e parlamentares. Em outras palavras, esse era um desastre evitável, que foi piorado pela incompetente administração de Trump, a guerra da direita contra a ciência, os problemas estruturais que se alargaram durante a pandemia e a insasciável busca pelo lucro que predomina na política dos EUA. Enquanto o coronavírus continua a depredar a economia e devastar as populações mais vulneráveis do país, particularmente os mais velhos e os trabalhadores não-brancos, vale a pena pensar sobre como chegamos aqui e para onde estamos indo.

A longa e lenta dança da morte

Depois de tantos meses de morte e perturbação, 200.000 pode parecer como apenas mais um número. Afinal de contas, há várias doenças que matam centenas de milhões todos os anos no mundo todo. Entretanto, esse número é mais que apenas um marco; ele representa a falha desastrosa da classe dominante de prover até mesmo as proteções mais básicas para a classe trabalhadora, e revela novamente as prioridades de um sistema construído sobre o lucro e a exploração. Para dizer com todas as letras, apesar de numerosos avisos, os Estados Unidos não estavam nem de longe preparados para essa pandemia. Mesmo que o presidente Obama tenha falado muito sobre se preocupar com uma epidemia nos Estados Unidos, ele fez muito pouco para preparar o país para uma. Sob as administrações de Bush e Obama, o governo gastou 100 vezes mais em anti-terrorismo do que ele gastou em preparação para uma possível pandemia. Além disso, décadas de cortes na saúde e na educação se asseguraram de que os hospitais fossem sobrecarregados durante a pandemia e que a doença se espalhasse rapidamente em asilos e nas escolas. Isso apenas exacerbou o fracasso de liderança demonstrado pelo governo Trump.

Antes que a pandemia se espalhasse pelo país, Donald Trump repetidamente minimizou a real ameaça do vírus, comparando-o com a gripe, e dizendo que um dia o vírus iria sumir “como num passe de mágica”. Ele disse que o vírus iria embora conforme o clima esquentasse (não foi); ele previu que uma vacina estaria pronta antes do fim do ano (não ficou); e ainda disse que qualquer um que quisesse um teste poderia ter um (eles não podem - mas até mesmo aqueles que podem, tem que esperar por semanas para ter os resultados, completamente quebrando o objetivo do teste). Essas afirmações não estavam apenas descoladas de qualquer fato científico, mas foram falsificações intencionais, feitas para minimizar a ameaça que o vírus representa a fim de evitar a tomada de medidas - dentre elas uma quarentena nacional logo no começo da pandemia, e uma campanha de testes massivos - que seriam necessárias para evitar o pior da pandemia. Como suas entrevistas com Bob Woodward deixaram claro, Trump e os capitalistas que ele representa sabiam o tempo todo que o vírus era pior que eles estavam falando, e após o surto inicial eles passaram a rapidamente pressionar os governadores dos estados que haviam entrado em quarentena para reabrir muito antes do que deveriam, apesar da sempre presente ameaça de uma segunda onda de surtos. Trump alegou que essas medidas eram necessárias para reviver a economia e retornar ao normal, mas não há como voltar ao normal. O governo Trump ao lado tanto dos políticos democratas locais e nacionais, intencionalmente escolheu a economia ao invés das vidas dos trabalhadores, e os resultados falam por si mesmos. Dezenas, ou até mesmo talvez centenas de milhares de vidas foram trocadas por uma economia que continua cambaleando sob o peso de um grande desemprego.

Por pior que esses números sejam, entretanto, eles representam apenas as mortes e casos que foram confirmados. O número real de novos casos e mortes é muito maior, mas basicamente impossível de apreender. De acordo com o New York Times, a marca de 200.000 pode na realidade ter sido passada a mais de um mês atrás, significando que podemos estar próximos de um quarto de milhão de mortes. Pior, esses números são só o início de uma tragédia muito maior. Após várias semanas de lento declínio, a linha de tendência de novos casos ao redor da nação está na verdade começando a subir novamente. Apenas na última semana mais de 5400 pessoas morreram de Covid-19 nos EUA e mais de 264.000 foram infectados, e não há motivo para acreditar que esses números irão cair novamente. Conforme as escolas e faculdades continuam a reabrir, novos surtos estão sendo reportados através do país quase diariamente, e muitos especialistas estão prevendo um ressurgimento de casos no outono, ao passo em que o clima esfria e as pessoas passam mais tempo em locais fechados, onde o vírus se espalha mais facilmente.

Disparidades e complicações raciais

Claro que o número de mortes por Covid-19 apenas conta uma pequena parte da história. O vírus tem um enorme impacto nas pessoas mais vulneráveis do país. Um relatório divulgado na quinta-feira, por exemplo, confirmou que um número desproporcional de mortes de crianças por Covid-19 aconteceu em comunidades não-brancas. O relatório, divulgado pelo Centro de Controle e Prevenção, mostra que das 121 mortes de pessoas abaixo de 21 anos em Julho, 78 por cento eram negros, latinos, ou americanos nativos. Enquanto isso, um relatório publicado em Agosto mostrou que as taxas de mortalidade relacionadas à Covid-19 associadas a pessoas negras e ameríndias eram o dobra das de populações brancas. Relatórios recentes mostram que as taxas de mortalidade eram três vezes mais altas entre negros, latinos e nativos americanos do que entre brancos. Esses números revelam uma dura realidade da desigualdade social e racial nos Estados Unidos, onde aqueles que realizam a maior parte do trabalho são os que estão menos hábeis a encontrar cuidados médicos (famílias trabalhadores e o povo pobre) e também são os mais expostos ao vírus.

Focar apenas no número de mortos também esconde outra tragédia em curso. Para cada morte causada por Covid, há várias, se não dúzias de pessoas que enfrentam sérias dificuldades e complicações a longo prazo decorrentes da doença. Embora ainda haja muita incerteza sobre o quão comuns são essas complicações, há cada vez mais evidências de que o vírus pode ter efeitos graves e debilitantes à saúde no longo prazo, tanto no cérebro como também no coração e nos pulmões. Os efeitos a longo prazo dessas complicações ainda são desconhecidos, mas já podem estar levando a um aumento nas taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias e até mesmo Alzheimer.

Isso significa que, além dos 200.000 que morreram da doença, provavelmente há centenas de milhares de americanos cuja saúde foi significativamente afetada por causa do Covid-19 e muitos milhares morreram de complicações não diagnosticadas por terem contraído o vírus. O preço que isso representará para o sistema de saúde dos EUA, que já está sobrecarregado, também é uma incógnita.

O capitalismo é um culto à morte

Como os dados do mundo todo mostram, esse era um desastre evitável, um que muitos países lidaram de forma muito melhor do que os Estados Unidos. Em muitos países o vírus foi quase completamente contido, graças à combinação de uma resposta centralizada, fortes precauções na saúde pública, e uma rede de segurança que permitiu que muitos trabalhadores ficassem em casa ao invés de serem forçados ao trabalho. O sistema de saúde alemão, que é grande, robusto e bem financiado, por exemplo, foi essencial para conter o surto inicial. Na Coreia do Sul, um sistema de saúde nacionalizado e uma agressiva campanha de testes, junto com um alívio econômico para a maioria dos trabalhadores, permitiu que o país evitasse um grande surto, com menos de 12.000 casos e apenas 500 mortes no país todo. Da mesma forma, o sistema de saúde público do Canadá e sua forte rede de apoio social o permitiu que evitasse uma segunda onda e eles estão tendo menos que 10 mortes por dia. Como uma consequência, esses países também conseguiram evitar casos adicionais de caos relacionado a covid, que continua a empestear a economia dos EUA. Enquanto o governo dos Estados Unidos permitiu com que o vírus se espalhasse por semanas antes de anunciar uma quarentena, muitos outros Estados implementaram as restrições da quarentena de forma mais rápida. E enquanto os EUA forneceram quase nada além de uma injeção única de 1200 dólares aumentaram temporariamente as proteções a desempregados, enquanto outros países deram aos trabalhadores uma renda suficiente para que ficassem em casa, até mesmo quando o trabalho remoto não era possível.

No entanto, em países onde o vírus está, pelo menos por enquanto, sob controle, o número de mortos ainda tem sido muito maior do que deveria. Mesmo em países com um forte sistema público de saúde, a transformação da saúde em mercadoria acaba por limitar o acesso e acaba por incentivar cortes de gastos, especialmente em tempos de crise econômica. Além do mais, a falta de um sistema público de saúde centralizado e controlado pelos trabalhadores levou a uma impossibilidade de distribuição dos equipamentos mais básicos de proteção para os trabalhadores da saúde, isso sem contar outros trabalhadores essenciais. Por causa disso, a maioria dos países não estava preparada para responder rápida e adequadamente à propagação do vírus e para lidar com um grande número de infectados pelo Covid e outras pessoas doentes ao mesmo tempo. Globalmente quase um milhão de pessoas morreram de coronavírus e mais de 31 milhões foram infectadas. E a responsabilidade dessas mortes está com certeza nos ombros do capitalismo e do imperialismo, que destruíram as redes de seguridade social, sistemas de saúde e também economias ao redor do globo, incluindo lugares como Índia e Brasil, que agora estão atrás apenas dos EUA no total de mortos em um único país.

Um sistema econômico e social verdadeiramente socialista teria sido capaz de responder aos surtos de forma muito mais eficiente que traria muito menos sofrimento econômico, emocional e psicológico para os trabalhadores, e em última análise, muito menos impactos na economia e na produção. Ao invés de forçar os trabalhadores a voltarem a trabalhar para sustentar uma economia decadente baseada em exploração, os países estariam preparados para manter a grande maioria das pessoas confortavelmente em casa por toda a duração de uma quarentena global, que potencialmente teria eliminado o vírus completamente, ou ao menos teria o contido suficientemente para a maior parte dos países continuar com uma vida normal até a vacina ser produzida. Esses argumentos são, é claro, um frio conforto em um planeta onde o capitalismo continua sendo hegemônico, mas é em tempos de crise que a necessidade de um mundo socialista se torna mais evidente. Nesse sentido, a pandemia do Coronavírus deve ser entendida como mais um episódio da crise orgânica do capitalismo que estamos vivendo, e mais um prego no caixão de sua legitimidade.

Traduzido de: https://www.leftvoice.org/an-avoidable-disaster-at-least-200000-dead-from-coronavirus-in-the-u-s

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui