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Placa vermelha ou cinza? Apoiar o PL 130/2019 ou manter tudo como está? Nada disso é a saída para os entregadores de app
Bianca Rozalia Junius
Equipe do podcast Peão 4.0 e militante do MRT
Pedro Sodré
Nicolle Gonçalves

No texto buscamos explicar o PL nº 130/2019, um Projeto de Lei que pretende regular o serviço de entregas de aplicativo por motocicleta na Cidade de São Paulo. O Projeto de Lei pretende, dentre outras coisas, a exigência de placa vermelha e a aplicação de responsabilidade solidária. Mesmo sendo combatido pelas patronais, pelos apps e defensores do absurdo “Desburocratiza São Paulo”, como o Partido Novo, nossa opinião é de que o PL 130 não responde às demandas centrais expressas pelo conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras. Qual é, então, a saída?

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Esse texto pretende abordar os principais aspectos trazidos pelo PL nº 130/2019-SP, um Projeto de Lei que introduz a “placa vermelha” como uma obrigatoriedade aos entregadores de aplicativo em São Paulo. Entretanto, no nosso entendimento, o projeto não traz qualquer melhoria na vida da maioria dos entregadores de app, além de trazer disputas entre estes. Vejamos o porquê no texto.

Adverte-se, contudo, que o exame crítico do PL 130 não pode ser confundido com concordar com os que defendem um suposto “”livre mercado”, contrários a toda e qualquer regulamentação do exercício de atividades econômicas, especialmente as que criam direitos aos trabalhadores e deveres aos patrões. O que buscamos realizar a seguir é um exame do Projeto de Lei à luz das obrigações e vantagens que o PL 130/2019 pretende fixar, em sua relação com as demais regras aplicadas no direito brasileiro.

Pesquisa realizada com entregadores de aplicativo no dia 1º de julho, pelo Observatório da Precarização do Trabalho e da Reestruturação Produtiva do Esquerda Diário, expõe a dura realidade de quem está longe de ser “seu próprio patrão”: em relação às condições de trabalho, 77% dos entrevistados apontaram que trabalham mais de 10 horas por dia. Em relação à remuneração, 59% declara que ganha até R$ 2.000,00, ou cerca de 2 salários mínimos, enquanto 21% declara que ganha menos de R$ 1.000,00 (bruto, sem contar os gastos com os quais têm que arcar). Além disso, cerca de 51% dos entrevistados declararam ter sofrido acidentes durante sua jornada de trabalho.
Ou seja, não há como defender que nada mude, como pretende Janaína Lima, do Partido Novo, que em vídeo fala contra a PL 130/2019, mas não para apresentar uma outra alternativa mais coerente, pelo contrário: quer que os aplicativos sigam explorando os entregadores como sempre fizeram.

Mas diante desse contexto social concreto é que devem ser examinadas as regras do PL nº 130/2019-SP, isto é, refletidas a partir da finalidade que expressam ter e quais as vantagens que representam para o conjunto dos entregadores, enquanto parcela da classe trabalhadora. Noutras palavras, perguntamos se o PL 130/2019 consegue realmente melhorar a situação dos trabalhadores e trabalhadoras.

O Projeto de Lei nº 130/2019-SP

Tem-se ouvido aqui e ali muito sobre projetos de lei que seriam promovidos em favor das e dos entregadores por aplicativo (principalmente após os atos de 1º de julho). Podemos citar, por exemplo, os PLs nº 578/2019 e 130/2019, que instituem a placa vermelha como obrigatória, dentre outras medidas previstas. Falaremos nessa oportunidade do PL nº 130, de autoria do vereador Camilo Cristófaro e defendido pela AMABR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil), que se encontra em tramitação avançada na Câmara Municipal de São Paulo, tendo sido levado a plenário para votação na data de 26 de agosto de 2020, e aprovado em 1ª discussão (assim como o PL 578/2019, votado e aprovado em 1ª discussão em 9 de setembro de 2020).

O PL 130/2019 foi apresentado em março de 2019. Em agosto do mesmo ano foi realizada uma tumultuada audiência pública pela Comissão de Trânsito, Transporte e Atividade Econômica da Câmara Municipal para tratar do projeto. Em setembro de 2019, os vereadores da referida Comissão apresentaram o PL 578/2019, defendido pelo SINDIMOTO-SP (Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas e Mototaxistas Intermunicipal do estado de São Paulo). No fim do mesmo mês de setembro de 2019, ambos os projetos foram apensados para tramitação conjunta.

E nada mais aconteceu até julho de 2020, quando se iniciou uma pressão para andar com o PL 130/2019. Será que havia a pretensão de que este Projeto de Lei fosse uma resposta às paralisações feitas pelos entregadores, especialmente após o breque dos apps de 1° de julho de 2020? Mesmo que a resposta seja sim, o PL 130/2019 não é capaz de cumprir essa função. Como abordaremos adiante, o projeto não responde a nenhuma das pautas reivindicadas nessas paralisações.

Veja-se a justificativa para a apresentação do PL 130/2019:
"A atividade de transporte de pequenas cargas denominado motofrete foi regulamentada no Município de São Paulo pela Lei n° 14.491, de 27 de julho de 2007. Passados 12 anos, a lei precisa de uma atualização aos novos tempos, para nela incluir o microempreendedor individual, as plataformas digitais de agenciamento e intermediação de frete os aplicativos de entrega.
No mesmo sentido, a exigência da contratação em carteira para a validade da licença concedida a mais de um condutor, para o mesmo veículo da frota da empresa. Por outro lado, estabelecemos um prazo de 180 dias para a entrada em vigor das alterações, a fim de dar tempo às empresas para a sua adaptação à nova lei.”

Na mencionada audiência pública, realizada em 7 de agosto de 2019 pela Comissão de Trânsito, Transporte e Atividade Econômica da Câmara Municipal de São Paulo, o representante da AMABR disse, dentre outras coisas, o seguinte:

“O que eu quero dizer a vocês, apesar do tempo curto, é que o PL é praticamente o seguinte: todas as empresas de aplicativos devem ser obrigadas a cadastrar o motofretista placa vermelha. Como é uma alteração de lei, precisa de um tempo para adaptação. Então, é necessário, no mínimo, seis meses e, no máximo, um ano, como está descrito lá. [...] Quero deixar uma coisa bem clara aqui: a gente gosta do sistema de aplicativos, a forma de pegar o serviço, de entregar e a possibilidade de trabalhar em vários, mas queremos ser remunerados por isso. Os aplicativos se aproveitam do fato de a grande maioria de nós não ter como fazer esse estudo profundo necessário para saber dos gastos de um veículo, os custos envolvidos, porque, geralmente, a gente só coloca pneu, óleo e gasolina, mas os custos envolvem mais do que isso, como depreciação da moto, equipamentos usados, almoço, convênio médico.”

Feita essa breve apresentação do PL 130/2019 e destacadas suas justificativas e tramitação na Câmara Municipal de São Paulo até o presente, passamos a examinar o conteúdo do projeto de lei.

O que pretende o PL nº 130/2019-SP?

O PL 130/2019 busca alterar alguns artigos de uma lei já existente, a Lei Municipal nº 14.491/2007, que regulamentou a atividade de motofrete em São Paulo. Essa lei se insere em um quadro legislativo maior, que regulamenta o trabalho do motociclista profissional e que compreende a Lei Federal nº 12.009/2009, e as Resoluções n° 356/2010 e 410/2012, do CONTRAN, além dos decretos da Prefeitura de São Paulo e das Portarias da Secretaria Municipal de Transportes, expedidos em regulamentação da Lei Municipal nº 14.491/2007. Também vale registro a Lei Federal nº 12.436/2011, que proíbe a utilização de práticas que estimulem o aumento de velocidade por motociclistas profissionais.

Em resumo, o PL 130/2019 deve ser visto, essencialmente, como uma atualização da Lei 14.491/2007, que regulamentou a atividade de transporte de pequenas cargas, denominado motofrete, na cidade de São Paulo. Trata-se, assim, de um projeto que pressupõe a distinção entre motociclistas com placa vermelha e motociclistas com placa cinza, sejam eles empregados ou autônomos.

Quais são as principais inclusões do PL nº 130/2019-SP na Lei Municipal nº 14.491/2007?

Um primeiro aspecto importante é a inclusão do microempreendedor individual (MEI) no rol de prestadores autônomos motofretistas. Isso, por si só, não implica maior segurança ou mais direitos aos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos de entrega, pois já não havia qualquer impedimento à inscrição como MEI do motofretista não empregado.

O MEI é um mecanismo de formalização de atividades profissionais exercidas normalmente de modo individual, que possibilita a arrecadação de impostos e concede alguns benefícios administrados pelo INSS, tais como aposentadoria por idade, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, salário-maternidade, e pensão por morte e auxílio-reclusão, ambos temporários, observadas as regras da previdência social para a concessão desses benefícios (como carência, idade mínima, renda etc.).

O PL 130/2019 também introduz a figura do aplicativo de entrega e da plataforma digital na Lei 14.491/2007, equiparando-os às associações e cooperativas. Tais aplicativos, portanto, devem se valer exclusivamente do serviço de prestadores autônomos registrados e licenciados (com a placa vermelha, portanto) e/ou de entregadores que possuam o vínculo empregatício (celetista). Veja-se a nova redação dada ao artigo 6º da Lei de 2007:

“As cooperativas, as associações, plataformas digitais de agenciamento e/ou intermediação de frete e aplicativos de entrega deverão ser constituídas exclusivamente por profissionais autônomos, portadores de licença para o serviço de motofrete, profissionais e veículos devidamente regulamentados pelo Município, salvo os profissionais celetistas”.

Ou seja, aprovado o PL 130/2019 e vigentes suas regras após o período de adaptação, na cidade de São Paulo somente poderão trabalhar em entregas por motocicleta os profissionais habilitados com CONDUMOTO e placa vermelha, sejam empregados ou profissionais autônomos.

Quais as regras que deverão ser seguidas por todos os entregadores de aplicativo?

O PL 130/2019 deixa intocada as partes da Lei Municipal nº 14.491/2007 que tratam dos requisitos formais para que os condutores possam operar no serviço de motofrete. Logo, os trabalhadores e trabalhadoras de entregas em motocicletas deverão se submeter ao seguinte regramento:
Em relação ao condutor:
1. Inscrição no Cadastro Municipal de Condutores (CONDUMOTO) da Secretaria Municipal de Transportes (SMT);
2. Para a inscrição no CONDUMOTO, devem apresentar:
a) CNH, categoria A, válida e expedida há pelo menos 1 ano;
b) prontuário de condutor expedido pelo DETRAN, com extrato de pontuação por infrações de trânsito (não pode ultrapassar 20 pontos);
c) certidão de antecedentes criminais (se constar processo criminal em andamento, o CONDUMOTO será temporário)
d) certificado de conclusão de Curso Especial de Treinamento e Orientação.
3. Será negada a inscrição no CONDUMOTO se constar mandado de prisão expedido contra o interessado.
4. O CONDUMOTO é válido por até 3 anos, devendo ser renovado em 30 dias após seu vencimento, sob pena de cancelamento, devendo preencher todos os requisitos acima na renovação.

Percebe-se que não são regras simples, nem procedimentos baratos ou rápidos; pelo contrário, a medida é burocratizante e afasta, por exemplo, condutores habilitados há menos de 1 ano. O processo pode custar mais de R$1.600,00, considerando o preço de licenças, cursos e vistorias. Ademais, é importante notar que no texto do projeto não há nenhuma previsão de que esses custos ficarão a cargo dos patrões e das empresas de aplicativo. Isto é, tudo sairá do bolso do entregador, afunilando o espectro de quem vai poder trabalhar com entregas por aplicativo. Quantos e quantas são os entregadores que possuem condições financeiras de se adequar aos termos impostos pelo PL 130/2019?

Em relação à motocicleta:
1. Deverá ser aprovada pela SMT e atender aos seguintes requisitos:
a) ser original de fábrica;
b) ter no máximo 8 anos, excluído o ano de fabricação;
c) ter cilindrada mínima de 120 c.c.;
d) estar identificada e possuir os equipamentos obrigatórios;
e) ser licenciada como veículo de categoria aluguel destinado ao transporte de carga;
f) ser aprovada em vistoria anual;
g) ser dotada de compartimento fechado (baú) ou outro equipamento específico para transporte de carga;
h) ter equipamento de segurança (tipo antena);
i) ter “mata cachorro”;
j) possuir fixação superior e inferior na placa de identificação.

Quantas das motocicletas que circulam em São Paulo e que são utilizadas nos serviços para aplicativos de entregas diariamente se encaixam nos requisitos da Lei Municipal 14.491/2007, e que não foram alterados pelo PL 130/2019? As empresas de aplicativo vão fornecer recursos para que os entregadores arquem com essas alterações, ou seguirão alegando que não são responsáveis pelos prestadores de serviços, assim como negam ser empregadoras?

Por fim, é importante destacar que o PL 130/2019 altera a redação do artigo 13 da Lei Municipal 14.491/2007 e, de forma bastante confusa, parece determinar que a empresa que tem frota própria e/ou que têm empregados entregadores deve providenciar as licenças determinadas pelo projeto. Por exclusão, os profissionais autônomos, proprietários de motocicletas, deverão custear suas próprias licenças. E, de acordo com a justificativa do projeto, a regra também determina que para habilitar mais de um condutor para uma mesma motocicleta, há a necessidade de contrato de emprego. Abaixo, comparamos os dispositivos - a atual redação do artigo 13 e a redação proposta pelo PL 130/2019:

Lei 14.491/2007: “A pessoa jurídica credenciada deverá requerer à Secretaria Municipal de Transportes a expedição de licença, que poderá ser vinculada a mais de um condutor, para cada motocicleta de sua frota.”

PL 130/2019: "A pessoa jurídica credenciada com frota própria e profissionais contratados com registro celetista deverá requerer à Secretaria Municipal de Transportes a expedição de licença, que poderá ser vinculada a mais de um condutor, para cada motocicleta de sua frota."

Aplicativos de entregas não têm frota própria nem profissionais contratados sob regime da CLT. Logo, estariam dispensados de requerer licença à Secretaria Municipal de Transportes? Como a regra transcrita acima pode efetivamente beneficiar a classe trabalhadora? As plataformas de apps, não tendo frota própria, nem contando com trabalhadores celetistas em seu quadro, contarão então com profissionais autônomos com placa vermelha, uma vez aprovado projeto como se encontra e caso cumpram a lei (o que não costumam fazer). Essa é a melhor solução para o conjunto dos trabalhadores que realizam serviços de entrega com motocicletas? Não nos parece.

O que o PL nº 130/2019-SP fala sobre a empresa contratante?

O PL 130/2019 estabelece que as empresas intermediadoras e contratantes de motociclistas profissionais autônomos devem contratar e cadastrar somente aqueles motofretistas habilitados e licenciados, com o CONDUMOTO em dia, e placa vermelha, sob pena de que em caso de acidente, morte ou invalidez do entregador, a empresa de aplicativo responda junto com o causador do dano pelos prejuízos comprovados.

Ou seja, no caso de contratarem trabalhadores e trabalhadoras que não possuam a habilitação e licenciamento (de acordo com aquelas regras que tratamos acima, com a placa vermelha etc.), as empresas, em teoria, terão que pagar em caso de acidente, morte ou invalidez do motociclista, se for comprovado que o acidente, morte ou invalidez foi culpa de terceiro - porque a responsabilidade solidária, nesse caso, significa estar obrigado junto com outro. Mas a redação do PL 130/2019 dá brecha para que isso não se efetive. Veja-se que o projeto fala em “responsabilidade solidária”, em evidente referência à Lei Federal nº 12.009/2009, artigo 6º, que assim dispõe:
Art. 6o A pessoa natural ou jurídica que empregar ou firmar contrato de prestação continuada de serviço com condutor de moto-frete é responsável solidária por danos cíveis advindos do descumprimento das normas relativas ao exercício da atividade, previstas no art. 139-A da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, e ao exercício da profissão, previstas no art. 2o desta Lei.

Contudo, a Lei Municipal não pode modificar a Lei Federal naquilo que esta estabelece como regra geral. Nesse caso, a Lei Federal dispõe que a responsabilidade solidária ocorre no caso de danos cíveis comprovados, causados em situação de descumprimento à lei, para empregados ou contratados para prestação continuada. Aplicativos não têm entregadores motociclistas profissionais empregados com registro em carteira, tampouco têm contrato de prestação continuada com profissionais autônomos. Como fica, então, a aplicação dessa regra de responsabilidade solidária? Pode o Município modificar a regra prevista em Lei Federal? Com tudo isso, o PL 130/2019 abre brecha para que as empresas e plataformas de apps recorram e lancem seus exércitos de “advogados do diabo”, muito bem pagos, para refutar judicialmente a previsão legal.

E, para além disso, se o acidente ocorrer com o trabalhador ou trabalhadora devidamente licenciada, a empresa pagará indenização? Não, pois aqui nos parece que o objetivo da regra não é obrigar a empresa a indenizar trabalhadores e trabalhadoras acidentados no trânsito da cidade de São Paulo (que são pressionados pelos baixos valores das entregas e pela rapidez exigida para realizá-las, a despeito do que prevê a Lei Federal nº 12.436/2011). O objetivo parece ser na verdade o de desestimular que aplicativos e empresas que se utilizam de motociclistas profissionais cadastrem trabalhadores e trabalhadoras não licenciados, os “irregulares” aos olhos do projeto de lei.

Algum item da pauta da greve dos entregadores foi abordado pelo PL nº 130/2019-SP?

O PL 130/2019 determina que os desligamentos dos motofretistas, além de afastamentos e óbitos, deverão ser comunicados em 72h à Secretaria Municipal de Transportes.

A temática dos “desligamentos” está no centro da pauta dos trabalhadores e trabalhadoras em aplicativos de entregas, notadamente os que decorrem de penalidades aplicadas a entregadores e entregadoras sem conhecimento, prévia defesa ou nem justo motivo. Contudo, na prática, o PL 130/2019 não parece modificar essa situação de vulnerabilidade dos trabalhadores e trabalhadoras. O que será feito com essas comunicações? Haverá punição para os desligamentos injustos ou injustificados? É necessária alguma comunicação antecipada aos trabalhadores? Há direito de defesa? O PL não fala.

Noticia-se que em 2ª discussão, tanto o PL 130/2019 como o PL 578/2019 receberão diversas modificações para atender outras demandas do conjunto dos entregadores, porém até o momento não houve concretização dessas modificações no trâmite dos Projetos de Lei.

Por que as empresas estão contra o PL nº 130/2019-SP?

Duas associações ligadas às patronais já enviaram pareceres defendendo a rejeição ao PL 130/2019. Sustentam, em resumo, que em São Paulo há por volta de 9.000 motofretistas habilitados, com CONDUMOTO e placa vermelha, ao passo que existem mais de 40.000 motociclistas sem CONDUMOTO e placa vermelha atuando, na sua maioria, para as plataformas de aplicativo.

As empresas de aplicativo demonstram todos os dias, ainda mais no período de pandemia, que não estão preocupados com as vidas (ou com a qualidade de vida) dos entregadores e entregadoras. Portanto, elas se colocam contra o PL 130/2019, porque querem que a situação dos entregadores se mantenha como está. Não há desejo de melhoria para as condições de trabalho dos entregadores (e o PL nem representa isso, como já abordamos), uma vez que isso implicaria em responsabilidade social e diminuição de lucro. Para as empresas interessa a existência do maior número possível de entregadores à disposição. A multidão de mão-de-obra precarizada valoriza o negócio, reduz as taxas de entrega e disciplina com mais rigor a força de trabalho, pelo temor do desligamento sem defesa.

Contudo, o quadro de precarização e de falta de direitos não pode ser resolvido com a burocratização na entrada de trabalhadores nos aplicativos. Deve-se questionar os lucros exorbitantes das empresas de aplicativo e a sua total falta de compromisso com os trabalhadores que explora.

Conclusão

Não há saída para essa situação sem questionar o regime político e econômico de conjunto. É preciso questionar que a vida dos entregadores deve valer mais que os lucros dos aplicativos. Essas empresas são organizações capitalistas que empregam tecnologia de ponta e que recebem nomes modernos, como start-ups, fintechs, gig-economy etc, atraindo investimentos de monta e espraiando os alicerces ideológicos em torno da construção de uma “nova” forma de relação de trabalho, que dizem ser mais moderna e relevante que a relação de emprego - entretanto, nada mais é que uma nova roupagem para a extração do mais-valor a partir do trabalho subordinado e livre.

Os empresários destas plataformas são responsáveis por essa situação, além do governo, que não apresenta nenhum plano para combater o desemprego. Em vez de reverter dinheiro público para um grande plano de obras públicas que pudesse empregar milhões (além de combater a pandemia, construindo hospitais por exemplo), segue pagando religiosamente a exorbitante dívida pública, uma verdadeira “bolsa banqueiro”.

O PL 130/2019 não nos parece, portanto, buscar a proteção da classe trabalhadora, mas sim barrar a entrada de trabalhadores nos aplicativos e estabelecer um funil para a obtenção das licenças, como ocorre com serviços regulados dessa maneira, a exemplo dos taxistas.

Como expressaram alguns dos trabalhadores e das trabalhadoras envolvidos no breque dos apps, os Projetos de Lei para proteger essa fração da classe trabalhadora devem ser redigidos pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras, a partir de instituições nascidas da sua auto-organização e à luz dos seus interesses de classe, como têm discutido os entregadores argentinos. Da pauta cunhada no 1º de julho no breque dos apps, nenhum item é atendido pelo PL 130/2019, como buscamos demonstrar, e há o risco concreto e permanente de a luta ser canalizada para um debate parlamentar enviesado. O direito deve estar a reboque dos interesses da classe trabalhadora ao invés de pautá-los, sob pena de sequestrar as conquistas, ainda que breves, e transformá-las em derrotas definitivas. Esse é um perigo que deve sempre estar claro no percurso de reconhecimento de direitos.

Ademais, a insurgência dos trabalhadores precisa contemplar a categoria como um conjunto, unindo motoboys, motofretistas e ciclistas na luta para serem reconhecidos como trabalhadores destinatários de direitos. É necessário permanecerem juntos, com trabalho digno para todos, tendo como patamar mínimo a CLT, que é o padrão vigente no direito brasileiro. Mas o PL 130/2019, pelo contrário, divide a categoria ao defender a expulsão de entregadores eventuais e/ou iniciantes, sem experiência e não licenciados, chamados de “bicões”. Ou seja, defendem que entregadores que não sejam “profissionais da área” não possam mais trabalhar com isso. Em resumo, o projeto pretende agradar a um restrito setor da classe de entregadores, enquanto que deixa de fora outros milhares (os que estavam desempregados e aderiram recentemente aos apps, os que trabalham pelos aplicativos como uma forma de complementação de renda e assim por diante).

Com isso, busca-se controlar a oferta e aumentar o valor da contraprestação por meio da redução do número de entregadores nos aplicativos, mas sem resolver o problema do desemprego e do rebaixamento de renda, que são problemas estruturais do país. Isso supostamente faria a demanda aumentar para os que ficam (caso as empresas acatem a lei sem questionamentos, se aprovada, o que é bem incerto, inclusive). O resultado: um aumento de demanda para alguns, sem sequer garantia de aumento de renda, às custas da retirada da possibilidade de renda de milhares de famílias, enquanto as empresas de aplicativos seguem com sua alta margem de lucro. Por isso ressaltamos que a luta precisa ser de toda a classe entregadora contra os empresários dos aplicativos e contra a omissão do governo. Uma disputa entre os próprios trabalhadores só é capaz de trazer prejuízos à própria classe e atraso na luta por conquista e avanço de direitos.

 
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