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ELEIÇÕES ARGENTINAS
A esquerda e a ’independência’ frente ao segundo turno
Fernando Rosso
Octavio Crivaro

Abrimos as portas ao debate sobre as posturas frente ao segundo turno do próximo 22 de novembro. Desde os jornais, organizações políticas e sociais argumentam e expressam suas opiniões e posturas.

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As eleições do domingo, 25 de outubro, provocaram um terremoto político geral com epicentro no mundo governante.

A Frente para a Vitória ganhou na aritmética do resultado e perdeu na balança da jornada política.

O governismo estava confiante pela alegada indiferença de um conservadorismo que parecia pintar a cena da transição e por uma relativa “tranquilidade” econômica. Finalmente, chegou a noite mais obscura da “primavera kirchnerista”. Um corolário que não estava nos cálculos de nada e menos ainda dos protagonistas mais castigados. Daniel Scioli passou de ser o candidato natural a ocupar a cadeira de Rivadavia, para o incômodo posto de ter que caminhar por uma subida íngreme em direção a um segundo turno incerto.

Para começar, tem que reconhecer que o avanço do PRO-Cambiemos é uma consequência do enorme fracasso da famosa “batalha cultural” e da profunda “direitização” do kirchnerismo. Um deslocamento que o levou a elevar a posição de um menemista como Daniel Scioli a candidato da sucessão. Camuflado com a direita foi dar “luta” em seu terreno e até se apropriou de seu pessoal político. Copiou seus gestos, suas formas, seu conteúdo e grande parte do seu programa.

O kirchnerismo perdeu ao redor de 40% dos votos desde a eleição presidencial de 2011. Longe de haver perdido apoio somente na classe média “lanatista”, boa parte da perda dos votos foram da classe trabalhadora e do povo pobre. Isto foi se cozinhando, entre outras coisas, por sustentar o imposto ao salário (e a acusação de privilegiados que sofrem descontos), atacar sistematicamente aos docentes, pela precarização do trabalho e a deterioração da situação econômica em geral. As greves gerais foram expressando e, ao mesmo tempo, incentivando esse processo.

A candidatura de Martín Insaurralde, com a que - ainda por cima- o peronismo perdeu em 2013 na província de Buenos Aires, foi uma transição para a sciolização completa. O "banho de humildade" no qual Cristina submergiu forçosamente a Florencio Randazzo foi o outro grande marco no movimento,

O trio ofensivo do gabinete que avançou Scioli: Sergio Berni, Ricardo Casal e Alejandro Granados, são a avançada "armada" de uma equipe que pode ser a inveja de Mauricio Macri. Os agentes de trabalho sujo da crônica de um ajuste anunciado. Mario Blejer, Miguel Bein, Oscar Cuartango, Juan Manuel Urtubuey, são alguns dos representantes técnicos ou políticos encarregados de planificar a folha de rota sciolista. Os ajustadores da "luva branca", por um lado, e os garantidores verde oliva da ordem, por outro.

Segundo turno: ao fundo a direita

Por tudo o que representa Mauricio Macri como ideário direitista, frente ao segundo turno, a Frente para a Vitória pretende instalar uma polarização com o objetivo de embelezar Scioli e diferenciá-lo da "ditadura" que alegadamente restaurará o macrismo. Mas isso é difícil.

"Macri é a ditadura", sentenciam os kirchneristas e repetem seus novos e desonrosos satélites que orbitam pela esquerda. Não lhes importa que o próprio Scioli tenha declarado em plena década de 1990, na "combativa" revista Playboy, que Videla se encorajou a fazer o que ninguém queria. Scioli reivindicou a luta contra a subversão, quer dizer, a ditadura. Parece que na religião que encarna o Mal Menor, este pecado não está entre os sete capitais.

Mas se a ditadura amarela ocupa há oito anos a Cidade de Buenos Aires, encontrou "colaboradores fiéis" e a medida no kirchnerismo. Todas e cada uma das principais medidas do governo da cidade foram aprovadas com os votos do kirchnerismo: a criação da Polícia Metropolitana, a expansão da bolha imobiliária e os negociados da construção. Em cada uma das resoluções centrais do governo do PRO, houve votos não somente kirchneristas mas especialmente de La Campora. Parafraseando Sartre, os "nacionais e populares" podem afirmar: "Nunca fomos tão livres como durante a ocupação macrista". Livres de princípios e de escrúpulos. Se Macri é a ditadura, o kirchnerismo lhe garantiu seu "regime de Vichy" na capital do país. #SeGanhaMacri se nacionaliza a tremenda experiência de co-gestão?

A esquerda conhece bem o que é Mauricio Macri, porque esteve no Parque Indoamericano quando o "estado maior conjunto" das forças de segurança da Cidade e a Nação reprimiu e assassinou os que reivindicavam o sacrilégio de ter uma casa. Macri reprimiu os enfermeiros do Borda ou o ataque aos professores, e a esquerda estava do lado correto da barricada. Não há necessidade de nos contar sobre as oficinas clandestinas nem sobre a vida nos bairros pobres, porque os militantes, muitos deles imigrantes, sofrem e combatem essa realidade diariamente.

É o kirchnerismo que tem que explicar porque co-governou todo este tempo com Macri, com a direita, com a ditadura, que repentinamente ameaça o "país normal".

O incômodo de ser de esquerda

Mas o chamativo não é a nova fase do relato kirchnerista, uma reedição piorada de outros discursos falsamente épicos (a luta contra Clarín, que está mais vivo que nunca; a batalha contra a Oligarquia, que segue aumentando seus lucros).
O verdadeiramente surpreendente é a justificação por parte de certa esquerda que alguma vez, há muito tempo, se autodefiniu como "independente", da maior e grotesca mentira da "década fingida". A quimera que disse que Scioli é essencialmente diferente de Macri. Este tem sido o verdadeiro "Rubicón" para esta esquerda.

É tão grande mentira "Scioli progressista", que não ousaram convencer nem o inefável Florencio Randazzo. Claro que, com memes, relatos apócrifos de eleitores da FIT alegadamente assustados com Macri, pseudos pôsteres espontâneos, e mais recursos, venham a casa de cerca de milhão de votos que obteve a Frente de Esquerda dos Trabalhadores.

Que o kirchnerismo se renda ante um menemista é explicável e até justificado desde sua perspectiva política e moral, e desde sua gênese e história; mas que uma autodenominada esquerda "independente" capitule aos pés da onda laranja, é um fenômeno aberrante e verdadeiramente inédito. É um salto mortal de qualidade desde o slogan com chave de "apoiar o bom e criticar o mau".

E os fundamentos são realmente extravagantes. A capitulação gratuita ao sciolismo se justifica com ataques à FIT por "sectário"’ ou por sustentar uma posição "cômoda".

Como o apoio à Rural, só que ao contrário

Quem, efetivamente, consome o que anunciam que serão marcados com uma marca indelével, como aquela outra esquerda que se somou impunemente ao movimento conduzido pela "Sociedade Rural". Scioli é a "Sociedade Rural" do universo "nacional&popular" e uma parte da esquerda independente caminha com Scioli até o quarto mais obscuro de todos. Não só acompanha o kirchnerismo em sua fase mais direitista até a porta do cemitério, mas que entra e cava a fossa comúm e se joga terra em cima. Tudo em nome de um suposto realismo.

Um curioso realismo que até agora os tem mantido marginais frente aos grandes problemas da vida nacional. A FIT conseguiu emergir como um ator com peso (deputados nacionais e legisladores provinciais, protagonismo nos combates políticos e de luta de classes mais destacados) em cada uma das discussões nacionais. A fortaleza da FIT, justamente, se sustenta sobre a base de ter mantido uma posição independente e de luta, justamente, a "incômoda" posição de uma esquerda combativa.

A comparação dos candidatos a "os eleitores de Del Caño" confirma que a FIT tem conseguido localizar a esquerda como minoria orbitante da política nacional.
Julio López, Luciano Arruga, Mariano Ferreyra, o massacre Qom, conflitos de trabalhadores como Casino, Mafissa, Lear, Kraft, Liliana de Rosario, as lutas docentes, o conflito agrário; foram algumas das batalhas na qual a esquerda (consequente) demonstrou que à esquerda do kirchnerismo não havia uma parede, apenas uma tendência política com a fortaleza de enfrentar ao governo e seu acúmulo de mentiras ideológicas. Foi uma orientação alternativa a de buscar com lupa os aspéctos progressivos de um governo que assassina povos originários e dá as riquezas de nosso solo à Chevrón. Não há forma de explicar a performance eleitoral da Frente de Esquerda sem essas lutas anteriores e simultâneas. Os atalhos não valem por princípio, mas tampouco brindam resultados no desenvolvimento político.

A independência em questão

Há alguns anos, em meio ao vendaval reacionário neoliberal e individualista, quando a política partidária era um "cuco" intempestivo, chamar-se independente dava prestígio, pedigree. Quase que a "independência" se media em relação, justamente, aos partidos da esquerda, que até então eram pequenas capelas de resistência. A emergência do kirchnerismo, e de suas oposições polares, deu ao termo "independência" outros contornos.

É independente a esquerda que defende os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos em geral, frente a um Estado e um Governo pós 2011 que desviou demandas populares para reconstruir a autoridade estatal. Pensando hoje, quase solitária a esquerda trotskista manteve essa posição independente na década kirchnerista. Muitos dos "independentes" foram rumo à diáspora da subordinação à "história oficial". A estação Scioli é a última parada, a mais áspera e dramática também, de uma viagem que lamentavelmente não foi surpreendente. O argumento de que com Scioli estamos melhor para frear o avanço da direita em Nossa América não corresponde: não se freia a direita com mais direita. Nem aqui, nem na Venezuela e nem na China.

Se existe um consenso geral em meio às polêmicas, está baseado no fato inegável de que com qualquer um que ganhe em 22 de novembro, irá no caminho do ajuste. Os assessores econômicos anunciam os programas de ajuste nos banquetes do governo e os candidatos tratam de escondê-los para a tribuna. A esquerda passará à posição defensiva para organizar a resistência. O voto em branco ou nulo é o primeiro ato dessa resistência. O apoio político ao "mal menor" é um respaldo ao inimigo e uma capitulação adiantada.

É difícil que a história absolva aqueles que transitem nesta rota. Uma esquerda que queira medir-se ante a história, quer dizer, ser uma referência organizativa e política anti-capitalista, anti-imperialista e socialista dos trabalhadores, e não liquidar-se na tentativa, não pode validar tal fraude.

A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, assim como outras organizações de esquerda como a Frente Popular Darío Santillán-Corrente Nacional, ou referentes históricos como Guilermo Almeyra, decidiram não cruzar esse Rubicão.

Talvez alguns dos que estão se afogando nesse rio pantanoso estejam a tempo de voltar à costa e se salvarem.

 
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