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O que está acontecendo entre Turquia e Grécia no Mediterrâneo Oriental?
Salvador Soler

A disputa aberta pelo controle dos hidrocarbonetos descobertos no fundo do Mediterrâneo, está reconfigurando os vínculos entre as potências que se encontram em uma encruzilhada por resolver seus próprios problemas internos.

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O extremo oriente do Mar Mediterrâneo é um espaço que guarda em suas memórias a história das relações políticas e comerciais entre os três continentes, Ásia, África e Europa. Os últimos dez anos são chave para compreender os novos fatos que atraem a atenção da imprensa internacional que aponta a uma região ensurdecida por gritos de guerra. A explosão da Primavera Árabe que derivou em conflitos militares como as guerras civis na Síria, Líbia e Yêmen reconfigurou todo o tabuleiro geopolítico do Meio Oriente e norte da África. Além disso, provocou tensões dentro dos membros da OTAN, deixando claro que esta santa aliança só funcionava como extensão dos interesses de alguns poucos países em uma época onde os organismos multilaterais parecem sumir em seu próprio objetivo.

A crise humanitária gerou ondas migratórias de refugiados que chegavam às costas européias. O que abriu um problema monumental para a União Européia, que pilota desde 2008 crises econômicas sucessivas. Isto motivou que as forças militares da OTAN posicionadas no Mediterrâneo colocassem seus esforços em barrar os barcos - conduzidos por piratas do tráfico humano - repletos de pessoas que escapavam dos distintos conflitos armados, crises econômicas e ambientais, aventurando-se desde o norte da África até o velho mundo. com certeza, isso implicava deportar a estas pobres pessoas a seus países de origem. Também, a tarefa da OTAN estava dirigida a enfrentar grupos jihadistas que proliferam por toda a região. Pois, cada uma das potências regionais que interviram foram deixando claro seus verdadeiros objetivos, enquanto que as potências imperialistas estavam em retirada, complicando a situação.

A descoberta de importantes jazidas de hidrocarbonetos na região oriental - calculados em 37.000 milhões de m³ - ajuda a aprofundar essa situação de crescentes tensões interestatais. A exploração da bacia do Mediterrâneo Oriental implicaria no controle de uma boa parte do comércio energético para alimentar a Europa, que ainda que despencou durante a pandemia, é esperado que retorne a medida que se reativem as economias. Além do mais, eventualmente brindaria o controle das rotas comerciais que atravessam a região, por exemplo as que provem do Canal de Suez, que alimentam de grande parte as mercadorias provenientes da Ásia.

Estas jazidas estão sendo reclamadas por todos os países que tem costa nessa região: Israel, Grécia, turquia, Líbia, Egito e Líbano. Para todos eles se trata de uma grande oportunidade para amenizar a crise econômica próprias do arrastre. Para isso, no início de 2019 no Cairo foi criado o Fórum do Gás do Mediterrâneo Oriental para abrir a cooperação na exploração da bacia. O objetivo da organização é que todas as partes saiam beneficiadas criando um novo centro de gravidade do mercado energético, inclusive está apresentando um projeto do ambicioso gasoduto East Med que partiria das costas hebréias. Entretanto, um dos países com maiores interesses ficou de fora do Fórum: a Turquia.

Isso nos leva a uma disputa concreta que enfrentam os turcos com o país heleno. A discussão ronda sobre quem tem direitos de exploração das plataformas marítimas, algo que está muito claro no direito internacional - 12 milhas marítimas desde a costa - mas que no caso da Grécia e Turquia é mais difícil devido às 5.000 ilhas que formam o território heleno sobre o Mar Egeu e sua proximidade com a costa turca. Ainda que previamente ambos os países tiveram acordo que a distância seja 6 milhas, recentemente a Grécia ampliou as 12 milhas de águas territoriais, disparando a ira de Erdogan.

Ao mesmo tempo, os helenos fecharam acordos com o Egito sobre a exploração da jazida de Zohr, próxima a este último, que por sua vez tem a oportunidade de deixar de depender do turismo como principal entrada de renda, que por causa da pandemia caiu bruscamente. Por sua vez, o presidente turco Erdogan fechou acordos bilaterais com Al Farraj, o primeiro ministro líbio - pertencente ao Governo reconhecido pela ONU - a exploração de parte da plataforma continental do país, sem respeitar as condições internacionais.

A ilha de Chipre ficou no meio das maiores tensões. Recordamos que a ilha está partida em duas. O norte pró-turco, a República Turca do Norte de Chipre estabelecida em 1974, tem ao redor de 10.000 tropas turcas estacionadas. A outra parte está governada por greco-chiprianos vinculados à União Européia e aliados dos helenos. Neste sentido, o governo do norte, só reconhecido pela Turquia, fechou um acordo com Erdogan para a exploração das águas mediterrâneas.

Com uma duvidosa carta branca debaixo do braço, começaram a enviar em distintas missões o barco explorador de prospecção sísmica Oruç Reis escoltado por navios militares. A movimentação enfureceu a Grécia e colocou em alerta ao resto dos países da OTAN (frança e Itália, que tem sua petroleira mais importante operando na zona, enviaram apoio militar para colocar limites em Erdogan) e a vários países árabes que tem interesse na região.

Egito, como dissemos, está enfrentando a Turquia na guerra civil líbia apoiando ao general Haftar, e Emirados Árabes Unidos, que enviou parte de sua força aéreas para exercícios militares, ambos apoiando a Grécia. Na mesma linha, vimos a Emmanuel Macron fazer uso do soft power no Líbano depois da explosão no porto, em uma tentativa de recuperar parte de sua zona de influência na região com a perspectiva de levar uma fatia do bolo. Também, há poucos dias Servia anunciou que transladará sua embaixada a Jerusalém, fortalecendo a aliança deste país com os EUA e Israel, o que provocou a raiva do governo turco.

Neste sentido, as alianças que estão se delineando estão dirigidas para dissuadir as pretensões nacionalistas de Erdogan, que luta por uma posição hegemônica regional, ou enquanto cada país busca seus próprios interesses, fazem que os vínculos da Turquia com o "ocidente" sejam cada vez mais contraditórios.

Por sua vez, Erdogan vem tentando avançar em alianças com outros países para equilibrar a balança estratégica. Um deles é a Rússia, que tem sobretudo interesses em defender suas bases militares em Tartus e Latakia - ambas na Síria - porém, sobretudo manter-se como o principal provedor de energia para a Europa. Juntos inauguraram o gasoduto Turkstream, advertendo que Putin está interessado em limitar, ou em todo caso, obter sua participação no desenvolvimento regional que poderia abrir a exploração da bacia para manter seu posto nas conversações.

A exploração turca do gás natural frente as ilhas gregas de Rhodas e Kastelórizo no Mediterrâneo oriental aumentou nas últimas semanas. Atenas considera que a exploração é ilegal. A União Européia também condenou as ações turcas e pediu que Ankara as detenha. Grécia acusou a Turquia de levar a cabo prospecções e atividades de exploração de hidrocarbonetos de forma "ilegal" a pouca distância das ilhas gregas. Ankara desmente as acusações e sustenta que tem direito a explorar a zona, considera que as águas nas quais está perfurando gás de forma experimental pertencem a sua plataforma continental. Isto levou a choques militares entre navios e caças de ambos os lados.

Para a UE, ambos os países - membros da OTAN - são centrais no controle das rotas migratórias nos últimos anos. Erdogan repetidas vezes utilizou esta carta para ceder maiores concessões nos acordos sobre os refugiados que implicam 1.000 milhões anuais a Turquia, porém, a situação gerou uma crise interna muito importante. O mesmo a Grécia, que vem de experimentar a pior crise econômica de sua história recente. Em ambos os países o nacionalismo disparou como vimos da pior maneira na região de Tracia, onde Erdogan abriu as portas a milhares de refugiados sírios para que entrassem na Europa, mas são sistematicamente reprimidos por Helenos.

As tensões entre ambos países estão em seu momento mais alto dos últimos 20 anos. Neste momento um conflito militar é impensável, no caso deve-se fazer a pergunta séria de que tipo de natureza teria. Se nos baseamos nas posições do exercito turco, ainda que mantém várias vantagens táticas frente aos helenos, está repartido em suas fronteiras com Síria, Azerbaijão, Armênia e Iraque, além de participar na guerra civil líbia, com os quais não estaria em condições de levar adiante uma guerra, nem sequer de fronteira, com a Grécia que está respaldado por várias potências. Mas ainda mais, as provocações de Erdogan respondem a problemas internos como o colapso da lira turca, resolver sua crise econômica e energética convertendo-se em um provedor de hidrocarbonetos e alinhando a sua população com projetos nacionalistas, ao mesmo tempo que pressiona por uma lugar nas negociações junto ao resto dos países. As tensões atuais anunciam que os reacomodamentos geopolíticos são cada vez mais complexos, diminuindo cada vez mais o espaço na mesa.

 
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