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EUA: A fenda, as eleições e a rua
Claudia Cinatti
Buenos Aires | @ClaudiaCinatti

Os crimes racistas, a permanência do movimento Black Lives Matter, as provocações de Trump e a mediocridade do Partido Democrata, agitam a campanha eleitoral norte-americana.

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Nas nove semanas que faltam para o dia 3 de novembro, as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em que Donald Trump vai tentar a reeleição para seu segundo mandato, vão seguir sendo tema de análise política obrigatória. Não é que não acontecem outras coisas em outros lugares. No Mediterrâneo, Grécia e Turquia estão protagonizando um perigoso jogo de guerra que de fundo está a disputa pelos recursos energéticos e a preponderância geopolítica. Na Bielorrússia a revolta contra o presidente eterno Aleksander Lukashenko está recriando a guerra de desgaste entre a União Europeia na representação de “ocidente” de um lado e a Rússia de Putin do outro. No Mar Meridional da China, uma chuva de mísseis disparados por Beijing para reafirmar sua reivindicação de soberania, mostrou a crescente tendência militar que está revestindo a rivalidade estratégica entre o gigante asiático e os Estados Unidos. Tudo isso sem falar da crise no Líbano, em que a França está cumprindo um papel de potência mandante no marco de uma situação fluida no Oriente Médio.

Mas justamente este panorama de crescentes conflitos sociais e tensões geopolíticas, com a pandemia do coronavírus de fundo, é o que dá o caráter de definição crucial à disputa pela Casa Branca. Com razão, aliados, sócios e inimigos dos Estados Unidos percebem que uma eventual mudanças de mando terá consequências na política exterior da principal potência imperialista - esquematicamente a continuidade do unilateralismo trumpista ou o retorno a alguma variante do “multilateralismo” democrata com Biden -, como receita para enfrentar a decadência da liderança dos Estados Unidos.

Sem dúvidas, Trump instalou este cenário com a virulenta distorção antiChina de sua campanha e a acusação de que Biden é “fraquinho” para enfrentar os desafios da emergência deste competidor estratégico. Mas a chave da eleição está na política doméstica, com a novidade de que a batalha se dá em torna da “gestão” da luta de classes, algo que não acontece desde 1968 quando Richard Nixon foi eleito com o voto da “maioria silenciosa” conservadora.

A centralidade da “rua” na disputa entre Trump e Biden mostra que as eleições se realizam à luz do estalido de um imponente movimento de massas contra o racismo e a violência policial, combinado com a crise social e econômica pelo coronavírus. Este processo tem suas raízes no mais profundo da sociedade norte-americana, o que se evidencia não só em sua persistência, mas também em acontecimentos inéditos, como a paralisação histórica do NBA e outras ligas premium, em resposta ao brutal ataque policial contra Jacob Blake em Kenosha que voltou a acender a chama do protesto.

Por isso não surpreende que Trump tenha adotado uma estratégia eleitoral muito similar à de Nixon diante do movimento contra a guerra no Vietnã, com o objetivo de polarizar entre a “lei e a ordem” e o “caos”. Como disse o vice presidente Mike Pence em seu discurso na Convenção Nacional Republicana “a lei e a ordem estão na conta”.

Trump inclusive falou de “revolução” em uma entrevista com definições bizarras na segunda-feira passada à Fox, em que colocou sua teoria conspirativa de que atrás do “Sleepy Joe” (“Joe Dorminhoco”, como ele chama Biden) estaria a “extrema esquerda”. Claro que para Nixon funcionou a pose de outsider porque fazia vários anos que não ocupava cargos executivos, enquanto que Trump carrega quatro anos à frente da Casa Branca nos quais a polarização social e política não fez mais do que se aprofundar.

Em Kenosha, uma pequena cidade do empobrecido “rust bell”, a ação comum de bandas armadas de extrema direita e da polícia para reprimir os protestos pelo ataque contra Blake terminou com o assassinato de dois manifestantes, Kyle Rittenhouse, o autor dos disparos, é um jovem simpatizante de Trump que é visto em um vídeo atrás das linhas policiais com seu rifle de assalto.

Dias depois em Portland, uma caravana de simpatizantes de Trump se chocou com um protesto contra a violência policial. Em uma situação confusa, resultou morto um militante da organização de extrema direita Patriot Prayer que apoia a reeleição do presidente. Estes grupos de direita radicalizados, que incluem supremacistas brancos e nativistas como Proud Boys ou os seguidores de Q’Anon entre outros relevados pelo Center for Analysis of the Radical Right, têm um desenvolvimento independente do Partido Republicano, mas são fervorosos partidários de Trump.

O presidente lhes retribuiu o apoio tanto desde sua conta no Twitter como também na vida real. Em um ato que não pode ser lido mais do que uma provocação política, viajou a Wisconsin, reivindicou a ação policial, da Guarda Nacional e dos “vigilantes” armados que supostamente atuaram em “defesa própria”.

A campanha republicana aponta evitar que a eleição se transforme em um plebiscito sobre a condução desastrosa da pandemia, que em novembro já terá superado os 200 mil mortos, e a crise social. Em função disso, não estão tão mal como parece, não muito por mérito próprio, mas pelo opaco desempenho de Biden, mais preocupado por se mostrar diante de Wall Street e dos votantes moderados em disputa como o verdadeiro garantidor da “lei e da ordem”. Em sua primeira aparição pública depois dos eventos de Kenosha e Portland, Biden “repudiou a violência de ambos os bandos”, oferecendo uma versão yankee da “teoria dos dois demônios”. E como se não bastasse, retoricamente, perguntou se ele parecia “um socialista radical” com uma “posição branda” diante dos distúrbios.

As eleições oferecem a oportunidade dourada à classe dominante para tirar as massas das ruas e levá-las às urnas, com a ilusão de que um governo democrata possa resolver pacificamente e pela via reformista algumas das demandas.
Desde o ponto de vista das massas amplas, o artifício está funcionando. Entretanto, a contradição relativa entre desvio e polarização está criando um clima perigoso, em que se veem empoderados desde a Casa Branca não só as forças de repressão institucional, mas também sobretudo milícias armadas e organizações de extrema direita que disputam a rua com o movimento Black Lives Matter. Inclusive como já declaramos em uma coluna anterior, não se pode descartar que possa se abrir uma crise política de magnitude depois das eleições se Trump for derrotado e o resultado for negado (algo que segundo uma pesquisa recente acreditam 47% dos norte-americanos e 75% dos votantes de Biden).

Os democratas e as mídias “liberals” usam o “perigo fascista” para unir sua base eleitoral por meio do espanto atrás da candidatura de “extremo centro” de Joe Biden. A congressista estrela da esquerda democrata, Alexandra Ocasio Cortez, usou o minuto que o establishment lhe deu na Convenção para argumentar que nas eleições de novembro é preciso “frear o fascismo nos Estados Unidos”. Não há dúvidas de que na sociedade se incumbam tendências fascistizantes, expressas no racismo e nos crimes de ódio. Entretanto, como explica o sociólogo Dylan Riley em um editorial de New Left Review, publicado no início da presidência de Trump, não existem hoje as condições para que se desenvolvam os fascismos clássicos: a guerra interimperialista e a revolução socialista (triunfante na Rússia e derrotada no ocidente). Riley prefere usar a categoria weberiana de “patrimonialismo” bonapartista em que a chave é a lealdade. Em um sentido similar, em um livro de recente aparição sobre a direita norte-americana, os autores definem o fenômeno Trump como um “populismo plutocrático”, produto da desigualdade e da concentração da riqueza que se vêm gestando desde a década de 1980. E dizem que a polarização na realidade foi assimétrica com o partido republicano girando muito mais à direita que os democratas à esquerda.

A polarização política e as tendências à crise orgânica estão produzindo novos fenômenos políticos nas margens. A direita radicalizada está hoje contida no partido republicano em sua versão trumpista. O partido democrata talvez se imponha eleitoralmente como mal menor, mas não cobre todo o espectro a sua esquerda. A existência do DSA (Democratic Socialists of America), um partido socialdemocrata que atraiu 70 mil jovens a suas fileiras, se soma a constituição de um novo partido populista (Movement for a People’s Party) uma espécie de “sanderismo que não abaixa as bandeiras”. Estes novos fenômenos políticos são subsidiários do partido democrata e têm por estratégia a “acumulação” dentro do regime democrático burguês imperialista para conseguir algumas reformas. As perspectivas de radicalização da luta de classes, e o sinal de alerta da extrema direita, reafirmam a necessidade de colocar de pé um partido socialista revolucionário. Nesta luta estão os companheiros que impulsionam o Left Voice.

 
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