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DEBATE
Peru: Frente ampla ou independência de classe? Uma polêmica com Uníos Perú
Cecilia Quiroz

Na presente nota, aprofundamos o debate aberto com a UIT-CI (Unidade Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional, organização da qual faz parte a CST (Corrente Socialista dos Trabalhadores), tendência do Bloco Radical do PSOL) e o seu grupo peruano Uníos, e também esclarecemos as mentiras de que este setor tem usado maliciosamente sobre a nossa organização, da qual o MRT faz parte internacionalmente, alegando, sem qualquer prova, que teríamos pedido para ingressarmos à Frente Ampla no Peru para termos candidaturas nas eleições parlamentares passadas, o que é absolutamente falso. Com este método calunioso procuram esconder a deriva oportunista do seu grupo peruano, evitando assim um debate sério sobre a construção de partidos revolucionários.

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Há alguns dias, a organização Izquierda Socialista da Argentina, que faz parte da UIT-CI, publicou em seu site uma nota chamada "As tácticas de Trotsky para a construção de partidos revolucionários são válidas para todos", da autoria de Gabriel Schwerdt. Aqui, o autor da nota afirma: "Os camaradas do PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas) criticam-nos, mas não dizem que, no Brasil, [sua seção] pediu para entrar no PSOL e, no Peru, os camaradas que reivindicam fazer parte da sua corrente internacional pediram para fazer parte das listas da Frente Ampla nas últimas eleições". Posteriormente, sua dirigente Mercedes Petit, num evento organizado pela Frente de Esquerda Unidade da Argentina na última sexta-feira, 21 de Agosto, repetiu esta mentira sobre a nossa organização no Peru sem se dar ao trabalho de mostrar quaisquer provas para sustentar a sua afirmação, o que, para começar, diz muito sobre os métodos desta organização.

Frente a estas mentiras, a primeira coisa que deve ser precisada é que no Peru, a Corriente Socialista de las y los Trabajadores (CST)* que faz parte da nossa organização internacional (Fração Trotkista - Quarta Internacional) nunca pediu para se juntar à Frente Ampla, nem nas últimas eleições para o Congresso, nem em qualquer outro momento. E não o fizemos, em primeiro lugar, porque não procuramos participar nas últimas eleições parlamentares e, em segundo lugar, porque não compartilhamos com a Frente Ampla nem o seu programa, nem a sua estratégia, nem a sua política de construção partidária, uma vez que consideramos que esta organização apresenta características de frente populista, completamente distantes da ideia de partido revolucionário que pretendemos construir. Para melhor clarificar estas ideias, detalharemos as principais características da Frente Ampla Peruana e da organização Uníos Perú, corrente irmã da Izquierda Socialista argentina.

O que é a Frente Ampla?

A Frente Ampla tem muitas semelhanças com o movimento Proyecto Sur, que na Argentina foi liderado por Pino Solanas. Esta organização foi constituída em Agosto de 2015. Os componentes iniciais da Frente Ampla no Peru eram: Tierra y Libertad de Marco Arana, Movimiento Sembrar de Verónika Mendoza, Uníos de Enrique Fernández Chacón (cochero), Pueblo Unido, Frente Único del Pueblo, ML-19, Central Única de Trabajadores (CUT), Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP), Movimiento de los Sin Techo, Sindicato de Trabajadores Telefónicos, entre outros.

Com este espaço disputaram as eleições presidenciais de 2016, com Veronika Mendoza como candidata presidencial que ficou em terceiro lugar com quase três milhões de votos equivalentes a 18,74% dos votos válidos. Isto permitiu-lhes colocar 20 parlamentares entre os 130 estabelecidos pelo congresso peruano.

No segundo turno das eleições presidenciais do mesmo ano, disputado por Keiko Fujimori e pelo conhecido lobista e empresário neoliberal Pedro Pablo Kuczynski, a Frente Ampla apoiou abertamente Kuczynski, supostamente para salvar a democracia e impedir o retorno do Fujimorismo.

Já tendo se instalado o parlamento, a Frente Ampla se dividiu em dois blocos: um setor cai para o lado de Marco Arana (setor que permanece com a formalidade e o nome do partido) e o outro setor alinha-se com Veronika Mendoza. As diferenças fundamentais que os levaram a separar-se estavam relacionadas com a direção formal da Frente Ampla, mas não com diferenças político-estratégicas ou programáticas. Esta ruptura também se expressou na bancada parlamentar, que foi dividida em dois grupos: 10 congressistas ficaram com o bloco presidido por Arana e 10 congressistas com Veronika Mendoza.

Após sua ruptura com o setor de Veronika Mendoza, a Frente Ampla se vê constituída da seguinte forma: Tierra y Libertad, Uníos, Mundo Verde, Confederación Unitaria de los Trabajadores, Coordinadora Nacional Progresista, Movimiento 19 de julio e Integración Estudiantil. A Frente Ampla, devido à sua composição ideológica e social policlassista, apresenta traços frentepopulistas. Aqui coexistem setores provenientes do estalinismo mais recalcitrante, como o Movimiento 19 de julio e Integración Estudiantil, setores pequenos-burgueses, ecologistas, autonomistas, a burocracia sindical da CUT, entre outros.

Nas últimas eleições parlamentares de 26 de janeiro de 2020, a Frente Ampla, que rompeu com o grupo de Mendoza e os partidos da velha esquerda, conseguiu ultrapassar a barreira e colocar 10 congressistas, e segue sendo uma organização reformista que, no máximo, aspira a humanizar o capitalismo através do que eles chamam de "bem viver". Por isso apoiaram as iniciativas de reforma política do governo e apoiaram Vizcarra quando este implementou mecanismos como o referendo de novembro de 2018 que buscava desmobilizar o povo para que as contradições que estavam alimentando a crise política acabassem sendo resolvidas dentro da superestrutura do Estado.

Sua estratégia, portanto, acaba sendo pró-institucional, razão pela qual, como os outros grupos da esquerda reformista, reduziram sua agitação nas últimas eleições para a luta contra a corrupção a fim de "limpar o Estado" e outras demandas menores que não enfrentavam os empresários ou o regime, e se falavam do constituinte, o faziam para dizer que lutariam por um constituinte que nascesse do seio dos poderes constituídos.

Programa e estratégia da Frente Ampla no Peru

Em relação ao seu nome, eles afirmam que "tem como antecedente a bem sucedida Frente Ampla de Uruguay, da qual José Mujica e o Presidente Tabaré Vásquez são membros, fundada em 1971 e que hoje agrupa mais de 30 organizações (principalmente de esquerda, mas também liberais e democratas-cristãs), bem como a experiência replicada na Costa Rica com o mesmo nome”. A Frente Ampla se define como: "um partido de esquerda que aposta em sua refundação criativa, fraterna e ética na perspectiva da construção do Bem Viver, com os povos à frente". [1]

De acordo com seu documento programático, o "Buen Vivir" é considerado como: "a cosmovisão ancestral de nossos povos originários, costeiros, andinos e amazônicos". Da mesma forma, eles o consideram como: "um paradigma de vida e a máxima aspiração da sociedade da boa vida ou do viver belo". Para os militantes deste espaço, a "Buen Vivir" também pode ser entendido como: "a relação harmoniosa com a Mãe Natureza e entre os seres humanos. Todos os seres vivos: humanos, espécies animais, água, florestas, terra, rios, mares, lagos, lagoas, ecossistemas, fazem parte de nosso meio ambiente.” [2]

Esta apreciação está mais próxima das visões indigenistas completamente dissociadas de qualquer concepção de classe, pois, para eles, todos os seres humanos seriam iguais perante a natureza, portanto, a aspiração máxima que deveríamos ter como humanos para viver bem seria recuperar a "relação harmoniosa com a natureza" e entre os seres humanos. Assim, fica de fora de toda discussão a importância da classe trabalhadora, a luta de classes, a propriedade dos meios de produção e a luta pelo poder político das e dos trabalhadores.

A partir dessa perspectiva, sua estratégia gira em torno da democratização do Estado atual, como bem estabelecem em sua ideologia, onde afirmam que: "Somos socialistas democráticos e democratizadores porque, ao assumirmos a democracia representativa e a alternância no exercício do poder, radicalizamos a mesma a partir de baixo com a democracia participativa e comunitária, recriando as formas de organização e de bom governo de nossas culturas originárias e os processos de organização e resposta dos movimentos urbanos". [3]

Seu programa se sustenta em quatro eixos fundamentais, os quais são:

  • Peru biodiverso, produtivo, diversificado e trabalhador, com gestão territorial, soberania alimentar e cuidado com os ecossistemas.
  • Peru ético, justo, libertário, educado e saudável, com comunidades solidárias e interculturais, Estado laico e um habitat urbano-rural sustentável.
  • Peru plurinacional, democrático, descentralizado e participativo, com um sistema político intercultural.
  • Peru pacífico, seguro, soberano, promotor da Pan-Amazônia sustentável e intercultural e alter-mundialista.

Como sua estratégia não se baseia em uma ruptura com o Estado capitalista, pelo contrário, está orientada para sua democratização, todas essas iniciativas programáticas, que não confrontam o capital, buscam ser implementadas no âmbito das instituições burguesas com base na pressão que podem exercer a partir de espaços como o parlamento, os municípios, os governos regionais, os movimentos sociais ou, no melhor dos casos, alcançando o governo central.

Uníos Perú

O Uníos Perú é uma organização fundada em 2003 e tem como principal referência Enrique Fernandez Chacon (cocheiro) que nos anos 70 foi um líder sindical dos metalúrgicos e figura política do Partido Socialista dos Trabalhadores de orientação Morenista, o que o levou a fazer parte da Assembléia Constituinte que aprovou a Constituição de 1979. Fernández Chacón também foi deputado nos anos 80-85. Atualmente, o Uníos Perú faz parte da UIT-CI.

Desde que a Uníos aderiu à Frente Ampla, sempre teve uma política seguidora e acrítica em relação à liderança formal da Frente Ampla, uma organização que como já vimos tem um caráter de frente popular. Por esta razão, é contraditório que Enrique Fernández em sua carta pública de 4 de agosto fale da luta contra os planos da Vizcarra, contra o Pacto Perú, denunciando a conivência com os empresários e até mesmo apelando para uma Assembléia Constituinte Livre e Soberana, pois ele diz tudo isso sem romper com a Frente Ampla, a mesma que apoiou publicamente o referendo promovido por Vizcarra em 2018 para desviar a mobilização social, ou que ultimamente apoiou a gestão do ex-ministro da Saúde, Victor Zamora, que aplaudiu o chamado bônus universal do executivo e que até colocou Farid Matuk como membro do comando Covid-19 (espaço promovido pelo executivo para enfrentar a crise sanitária).

Não basta então nos reivindicarmos socialistas ou mesmo trotskistas, se não nos delimitamos primeiro de organizações que fazem da conciliação de classes sua estratégia política, como é o caso da Frente Ampla peruana que, como já vimos, coexiste harmoniosamente em seu interior com setores que historicamente renunciaram à independência de classe, como os estalinistas da Integração Estudantil, o Movimento 19 de julho, ou a burocracia sindical da CUT, bem como a Terra e a Liberdade para os quais os trabalhadores e a luta de classes não existem ou estão subordinados, na melhor das hipóteses, à busca do bem viver.

Este tipo de organizações de frente populistas e reformistas não são novas nem únicas no Peru. Já nos anos 80, tínhamos uma esquerda unida que se agrupava em seu seio maoístas, estalinistas, velasquistas, etc. Esta frente acabou se adaptando completamente à democracia burguesa. A queda da URSS, bem como seu eleitoralismo interno, levou-os a implodir no início dos anos 90, não sem antes apoiar a candidatura de Alberto Fujimori sob o discurso do mal menor. A crise da esquerda unida, que por sua vez refletia a crise estratégica do reformismo, gerou muita desmoralização nas massas que em algum momento tinham os visto como uma alternativa para a mudança.

Não será então desde estes espaços opostos pelo vértice à tradição do marxismo revolucionário que se avançará na construção de um partido orientado para a luta pelo socialismo e pelo poder dos trabalhadores. Não será desde à Frente Ampla que se avançará nesse sentido, mas muito pelo contrário. Nesse entendimento, dizemos às companheiras e aos companheiros da Uníos Perú que nem todas as táticas são válidas ou servem aos mesmos fins. Por exemplo, a FIT-U na Argentina expressa uma frente de independência de classe, enquanto a Frente Ampla Peruana é uma instância de colaboração de classe que visa reformar o Estado burguês. Por isso, fazemos um chamado à Uníos Perú a romper com a Frente Ampla e expressar conseqüentemente em fatos seu discurso para, dessa maneira, poder se aproximar das organizações e frentes com independência de classe, que é onde serão agrupados os revolucionários e o mais avançado da classe trabalhadora que hoje começa a lutar.

Estamos imersos nesta tarefa a partir da Corriente Socialista de las y los Trabajadores e desde o La Izquierda Diario Perú. Por isso, desde nosso evento fundador em junho de 2019, sempre enfrentamos a política do governo e suas estratégias para desviar a mobilização social. Da mesma forma, tentamos nos tornar um canal de expressão das principais lutas dos trabalhadores do país, e isto nos permitiu nos aproximar dos setores em luta, tais como as e os trabalhadores da mineração, da saúde, do setor do comércio, ambulantes, entre outros, e é com eles, os jovens e as mulheres, que viemos construindo nossa organização.


Tradução: Lina Hamdan

Notas e Referências:

* Para evitar confusões, ressaltamos que a CST (Corriente Socialista de las y los Trabajadores) é a seção peruana da FT-CI, organização internacional que impulsiona a rede de jornais online Esquerda Diário. Não confundir com a corrente chamada CST no Brasil que é uma tendência no PSOL.

[1] Frente Amplio Perú. Ideario y principios del Partido “el Frente Amplio por Justicia, Vida y Libertad”. Pág. 3. Recuperado el 21 de agosto de 2020, http://frenteamplioperu.pe/quienes-somos/.

[2] Frente Amplio Perú. Documento programático. Recuperado el 21 de agosto de 2020, http://frenteamplioperu.pe/wp-content/uploads/2018/02/Programa-fajvl.pdf.

[3] Frente Amplio Perú. Ideario y principios. Pág. 7. Recuperado el 21 de agosto de 2020, http://frenteamplioperu.pe/wp-content/uploads/2018/02/Ideario-fajvl.pdf.

 
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