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POLÊMICA
PSTU sobre a polícia: indo de mal a pior
Virgínia Guitzel
Travesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

A recente fúria norte-americana abriu enormes questionamentos ao racismo e as instituições repressivas do Estado, com a palavra de ordem “abolição da polícia”. Mas na contramão dessa fundamental experiência das massas que com mais de 500 ações operárias exigem a expulsão dos sindicatos policiais, o PSTU mais uma vez ressurge para defender a polícia.

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Recentemente o PSTU publicou em seu portal um artigo chamado "Notas sobre o enfrentamento da violência policial numa perspectiva socialista". Nele retomou sua equivocada posição de colocar como uma tarefa, não apenas desejável como possível, ganhar os policiais para as fileiras operárias. Durante toda a sua trajetória o PSTU defendeu a polícia como parte da classe trabalhadora. Um senso comum que repousa no fato de se tratar de uma instituição assalariada. Qualquer organização que busca se colocar como parte da vanguarda consciente da classe trabalhadora deveria se esforçar por desfazer esse senso comum, dizer claramente aos trabalhadores que eles não devem confiar na polícia, e devem se preparar para os embates que virão. Mas o PSTU não apenas assume esse senso comum para si, como ainda o aprofunda e o teoriza, tentando lhe conferir uma roupagem de esquerda.

Essa posição não é exclusiva do PSTU. A tese da conquista dos policiais para “o lado dos trabalhadores” é reivindicada abertamente por setores do stalinismo, como Jones Manoel do PCB, segundo o qual esse seria o momento para “a esquerda criar bases na polícia”. Para a nefasta tradição stalinista, que com métodos policiais destruiu revoluções no século XX e perseguiu trabalhadores em todo o mundo, isso não nos espanta. Mas aqui trataremos do debate com o PSTU, muito embora a gama de argumentos para defender essa posição indefensável seja compartilhada entre várias correntes da esquerda.

Violência policial: um problema estrutural ou fruto de mera “doutrina”?

O PSTU afirma que deveria "aprender e ensinar" aos policiais que as raízes da violência que exercem é o capitalismo. Se em artigos anteriores um dos argumentos centrais queria ligar o apoio à polícia a objetivos pretensamente revolucionários, agora a posição que defendem se adequa ainda mais aos marcos do regime. Antes o PSTU alegava que disputar a polícia seria necessário para dar “acesso às armas” aos trabalhadores e sua luta revolucionária. Algo que já era equivocado, como mostram as revoluções mais avançadas da história da classe trabalhadora em que a polícia foi desarmada e desfeita, e não ganha.

Mas agora defendem a "democratização da polícia" para que ela "recupere" seu suposto papel de “segurança pública”. Segundo eles:

"Sim, parte importante da nossa luta contra a violência policial é tratar de destruir essa doutrina que governa a ação da polícia, que se materializa na estrutura militar da principal força da chamada segurança pública em nosso país. Onde os soldados são treinados não para defender a segurança pública, ou seja da população, mas para obedecer a ordem do comandante – como o Major da palestra que citamos acima – por mais absurda que seja."

Assim, apesar de dizerem que a violência policial ocorre em defesa dos governos capitalistas e dos empresários, não tiram qualquer conclusão consequente dessa afirmação. Pelo contrário, reduz a violência que a todos os dias mata trabalhadores e jovens, em sua maioria negros, ao efeito de uma mera “doutrinação” militar e institucional violenta e repressora. Sobrepõe a forma ao conteúdo, pois o culto à violência contra pobres e negros que é marca registrada das polícias no Brasil é apenas a forma que assume o braço repressivo do Estado para salvaguardar a imensa desigualdade capitalista, que se agudiza em tempos de crise econômica, política e social, como o atual.

Na antípoda dessa compreensão, o PSTU ao defender que o problema é a doutrina da polícia semeia a ilusão de que se essa fosse transformada, a violência policial cessaria. Dessa maneira, reduzem o caráter concreto da polícia como braço repressivo do Estado capitalista a um problema ora ideológico, ora institucional a ser reformado por dentro dos marcos do regime, já que sua concretização política seria a desmilitarização da polícia. Jamais sua abolição, como defende o movimento antirracista nos EUA. O argumento é de que assim a polícia deixaria de atuar para os capitalistas, e se preocuparia “com a segurança dos cidadãos”, e poderia abrir caminho para sua democratização. Dizem eles:

"Se o objetivo é a segurança pública, é preciso dar à população, às comunidades, o direito de controlar (escolher) os chefes da polícia, assim como aos soldados, de se organizarem e de serem cidadãos e cidadãs que tem direitos como quaisquer outros, e que trabalham para garantir a segurança da população, não como jagunços do capitalista."

Ao adotar essa posição o PSTU parece ignorar o fato elementar para qualquer marxista que no capitalismo não há cidadãos em geral, mas classes sociais, muito bem delimitadas pelo seu lugar na produção, CEP, e sua cor, às quais o Estado capitalista dispensa tratamento absolutamente opostos. E, mais importante, negam toda a tradição revolucionária marxista sobre o tema da atitude frente à polícia pelo menos desde o século XIX.

A experiência da Comuna de Paris, retomada por Lênin em O Estado e a Revolução, já demonstrava a importância da reivindicação pela dissolução da polícia numa perspectiva de superação da ordem capitalista vigente. Não à toa foi uma das suas primeiras medidas: desarmar os inimigos de classe e armar a classe operária. Depois, na Revolução Russa e em distintos processos revolucionários mais uma vez foi esta a atitude da classe trabalhadora. Trotsky, por sua vez, debatia criticamente com a socialdemocracia alemã que quando um militante seu entrava para as fileiras policiais, não se ganhariam policiais para a socialdemocracia, mas se perdiam os militantes para serem braços armados do Estado capitalista.

Cabe ainda ressaltar que a passagem acima retirada do artigo do PSTU é uma boa demonstração do caráter eclético e utópico regressivo sobre a “democratização da polícia”. Primeiro, como poderia a população desarmada controlar a polícia armada? Acertam os que respondem que não pode. Segundo, que a escolha dos chefes de polícia existe em alguns departamentos e localidades dos Estados Unidos, e isso não impediu que o potente movimento antirracista se levantasse, e com clareza estratégica infinitamente superior ao PSTU defenda abolir a polícia. No país imperialista mais rico do mundo, a polícia não é militarizada, há eleições para alguns cargos e ela continua a ajoelhar nos pescoços de jovens negros, reprimir greves de trabalhadores e defender toda vez a propriedade privada.

Estes debates têm de fundo uma importante concepção sobre o que é o Estado burguês, e de como a polícia é uma parte inseparável e fundamental da manutenção da dominação de classe. Não é um mero problema de governo, ainda que sob Bolsonaro a posição do PSTU seja ainda mais absurda. Os debates em relação ao caráter da polícia e qual a posição dos revolucionários frente a ela ganha uma importância cada vez maior, primeiro pela própria luta norte-americana e qual o papel dos revolucionários neste país.

Mas também pelo desenvolvimento da crise econômica mundial, e a época imperialista que vivemos, que nas palavras de Lenin significava momentos de crises, guerras e revoluções. Neste sentido, a política que cada organização defende é uma antecipação do que fariam nos momentos decisivos da luta de classes, uma vez que a luta política se transforme em enfrentamento físico como expressão do desenvolvimento da luta de classes. No caso do PSTU, se depender da sua atitude frente à polícia, os prognósticos não são animadores.

Melhores condições para reprimir os trabalhadores?

O PSTU esteve em lados opostos aos que os trabalhadores precisam ocupar todas as vezes que surgiram motins policiais. O PSTU apoiou o motim bolsonarista no Ceará no início do ano, e mais uma vez, os policiais não deixaram de lado “sua doutrina" para se tornarem socialistas. Isso em um contexto em que um setor cada vez mais numeroso dos trabalhadores é bolsonarista. Há menos de um mês, Zé Maria junto com Luciana Genro (MES/PSOL) participaram de uma live com policiais para debater o "direito de greve" e se indagam sobre quais seriam as vias para obter as "melhores condições de trabalho" como escrevem no artigo:

"Esse é um caminho por onde podemos avançar, não só na luta para colocar fim à violência que se abate sobre os trabalhadores que lutam por seus direitos e sobre o povo pobre e negro em nosso país. Mas também para que os próprios policiais possam ter dignidade em seu trabalho, o que inclui não apenas condições adequadas para o exercício da sua função, direito de organização e de lutar por seus direitos."

Mas o que seriam “condições adequadas para o exercício de sua função no caso da polícia?” Armas mais letais para matar negros e pobres? Caveirões e blindados com maior poder de fogo para subir as favelas deixando de trás de si um rastro de sangue do povo pobre, muitas vezes de crianças? E quais direitos seriam esses? De ampliar ainda mais os autos de resistência, que deixam impunes os assassinatos cometidos pela polícia? Quando se desce à terra o conteúdo de tais definições vemos a barbaridade dessa política.

Novamente sobre a necessidade de uma posição marxista e revolucionária

Para os marxistas revolucionários não se trata de reformar as instituições capitalistas, em especial as forças repressivas, mas de extingui-las e construir em seu lugar um Estado dos trabalhadores. Mas o que haveria de ocupar o lugar da polícia? Esta é uma pergunta que muitas pessoas e militantes honestos colocam. A isso respondemos que a classe trabalhadora e o povo são totalmente capazes de organizar a sua própria segurança. Mas para isso é preciso saber quem a ameaça. E esse é o Estado a serviço dos capitalistas, ao qual a polícia, e vale a pena mencionar também o Judiciário, servem. Portanto, uma das questões para avançar nesta tarefa é a luta pela construção dos comitês de autodefesa da classe trabalhadora e do povo.

Tais comitês se desenvolvem da própria auto-organização da classe trabalhadora, como embriões que expressam a força física organizada da própria classe para enfrentar os capitalistas. Esta tarefa não pode ser compartilhada com a força inimiga, isso é o ABC de qualquer estratégia militar. E como seria o marxismo uma estratégia revolucionária se não partisse do ABC da arte militar?

Como disse nossa camarada do Left Voice, Julia Wallace, se tivemos que acabar com a escravidão para acabar com os capitães do mato, teremos de acabar com o capitalismo para dar um fim a polícia. Sem dúvida, o fim desta força repressora só é possível completamente com um enfrentamento direto ao Estado capitalista. E justamente para enfrentar o Estado capitalista são necessárias teoria e prática revolucionária, que partam de separar quem são os nossos inimigos e quem são os potenciais aliados da classe trabalhadora. Os imensos protestos norte-americanos mostram com as massas negras na linha de frente, que a polícia não tem a ver com a emancipação que queremos.

 
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