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BELO HORIZONTE
Um debate sobre os desafios da esquerda diante das eleições em Belo Horizonte
Flavia Valle
Professora, Minas Gerais
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG

Nesse artigo, queremos fazer um diálogo com todos aqueles que se empolgam e simpatizam com a candidatura de Áurea Carolina do PSOL, sobre como a articulação da chamada "frente progressista" com PT e PDT, ao invés de fortalecer a resistência ao bolsonarismo, nos levaria para um sentido contrário da construção de uma alternativa de esquerda e socialista baseada na luta de classes. E a luz da tradição marxista queremos debater também qual a nossa concepção para intervir nas eleições.

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Foto: Mídia Ninja

A pandemia agravou a crise capitalista piorando fortemente as condições de vida da classe trabalhadora e do povo pobre. A precarização do trabalho foi intensificada, tendo como símbolo a exploração das empresas de aplicativos que sugam o máximo do sangue e do suor dos entregadores. A redução do salário, as demissões, o desemprego, o auxílio emergencial muito abaixo do necessário para atender as necessidades das famílias trabalhadoras, obrigam que muitos tenham que sair às ruas sem direito a quarentena, porque a fome é uma certeza maior do que a possibilidade de contaminação pelo vírus. Uma doença que mata mais os negros. Em Minas e em todo país, o que determina quem vai pagar pela crise é a raça e a classe.

Em meio a esse cenário, o debate sobre a construção de frentes para lutar contra o bolsonarismo nas eleições municipais permeia as discussões dos partidos em todo país. A possibilidade de um segundo turno entre Kalil e a extrema direita é usada como um dos principais argumentos para se defender a necessidade de se conformar uma frente que incluiria a aliança do PSOL, PT, PCdoB, mas também PDT, PSB, Rede. E em prol da qual a deputada federal Áurea Carolina disponibilizou seu nome para encabeçar a candidatura. Nesse artigo, queremos fazer um diálogo com todos aqueles que se empolgam e simpatizam com essa candidatura, sobre como sair em uma frente com esses partidos, na verdade, nos levaria para um sentido contrário da construção de uma alternativa de esquerda e socialista para fortalecer nossas lutas e com qual concepção encaramos a disputa nas eleições.

O cenário eleitoral em Belo Horizonte

O atual prefeito Alexandre Kalil (PSD) é apontado por muitos como o grande favorito à reeleição na capital. Como representante dos patrões e políticos da direita, Kalil sempre governou de acordo com os interesses de seus aliados. Assim, discursou pelo “Fica em Casa” sem garantir a manutenção de empregos e salários contra as ameaças de demissões, ao mesmo tempo em que obrigava milhares a seguir trabalhando nos transportes, na saúde, no telemarketing, os entregadores sem sequer garantir o direito de serem testados. Junto com Zema, Bolsonaro, prefeitos e governadores de todo país, Kalil começou o processo de reabertura do comércio quando sequer tínhamos chegado ao pico da pandemia, o que acelerou o número de casos em BH e o obrigou a retroceder. Ao invés de investir na saúde, preferiu aprovar um projeto de lei que multa quem andar sem máscara na cidade. Colocando uma responsabilidade individual num problema que tem sua origem nas políticas neoliberais e de precarização do SUS, levadas adiante por todos os governos, algo que vai recair sobretudo contra a população mais pobre e que vergonhosamente contou com o voto dos vereadores do PT e do PSOL. À frente da prefeitura, Kalil governa com a base de vereadores que defendem projetos reacionários na câmara, e está no mesmo partido do senador Carlos Viana e Antônio Anastasia, e do deputado Cássio Soares que, na Assembleia Legislativa, encabeça a relatoria da Reforma da Previdência em MG, que visa sequestrar a aposentadoria dos servidores.

No campo da extrema direita, Bruno Engler se coloca como o candidato de Bolsonaro na capital mineira. O deputado estadual busca construir em MG o reacionário Aliança pelo Brasil de Bolsonaro e, depois de ter sido expulso do PSL, se filiou ao PRTB, partido do general defensor da ditadura e vice presidente do país, para concorrer nas eleições deste ano.

Rodrigo Paiva vem apoiado pelo governador Romeu Zema. Já o PSL ainda não definiu qual será seu candidato. João Vítor Xavier sairá pelo Cidadania com apoio do PL e Rodrigo Pacheco pelo Dem. O PSDB tenta se recompor, depois dos inúmeros escândalos com Aécio Neves, pela via da candidatura de Luísa Barreto. O PT aprovou a pré-candidatura de Nilmário Miranda para as eleições. O PSOL tem Aurea Carolina, a UP anunciou a candidatura de Leonardo Péricles e o PSTU saíra com Wanderson Rocha.

Contra a frente ampla que concilia com golpistas e patrões

Nacionalmente, Áurea Carolina, Marcelo Freixo, Guilherme Boulos e outras figuras do PSOL, inclusive de organizações que se reivindicam trotskistas, como Fernanda Melchionna do MES, assinaram manifestos como o "Estamos juntos", “Somos 70%” e “Direitos Já”, que constituem-se como uma perigosa armadilha dos golpistas e patrões, para esconder seu caráter de classe numa suposta defesa da “democracia contra a barbárie”. Luciano Huck, FHC, Neca Setúbal, dentre outros golpistas e patrões que também impulsionam essas iniciativas, sempre foram ardentes defensores de todos os ataques neoliberais que esse governo vem implementando e querem com essas iniciativas controlar qualquer questionamento contra esse o governo que possa surgir pela esquerda, buscando dar uma cara democrática à sustentação de Bolsonaro, Mourão e militares.

Outras frentes como as Janelas pela Democracia, formada por PDT, Rede, PV, PSB, PCdoB e PT, buscam canalizar o ódio das pessoas contra esse governo reacionário e as mazelas capitalistas que ele aprofunda, que vem se expressando inclusive nas ruas com os atos antifascistas e antirracistas, na defesa de um pedido de impeachment. O que, na prática, é uma tentativa de convencer o congresso mais reacionário dos últimos anos a dar o aval para que assuma um governo Mourão. Ao assinar manifestos assim, os parlamentares e figuras do PSOL, não só se adaptam a essa política de trégua, como ajudam a dar uma cobertura de esquerda aos golpistas, patrões e demais atores do regime que trabalham para dar sustentação ao governo Bolsonaro, enquanto aguardam as eleições de 2022.

Como conformar uma frente “progressista” para combater o bolsonarismo com os partidos que governam contra os direitos da classe trabalhadora?

A ideia de que é necessária uma aliança de todo progressismo em BH para combater o bolsonarismo no âmbito municipal, conseguindo ir para o segundo turno, ganha força a cada dia desde que Áurea Carolina disponibilizou seu nome para a articulação dessa frente. Afinal se trataria de uma “unidade necessária contra o fascismo”. Somos parte daqueles que sempre lutaram contra Bolsonaro e seu governo repleto de militares. Queremos derrotar cada ataque que ele promove contra a classe trabalhadora e o povo pobre, especialmente contra os negros, indígenas, as mulheres e LGBTs. E justamente por isso, queremos dialogar com todos que acham necessário unir forças para lutar contra o bolsonarismo, sobre como não podemos cair na armadilha da frente ampla com os golpistas e patrões que buscam, juntamente com Bolsonaro, descarregar a crise nas nossas costas. Mas também não podemos nos iludir com a ideia de uma suposta aliança “progressista” com PT, PCdoB, PDT e PSB. E, para isso, é preciso olhar como, nos lugares onde esses partidos governam, eles não conformam nenhuma alternativa de resistência ao bolsonarismo. Pelo contrário, terminam por se adaptar àqueles que dão sustentação a esse governo.

O PT vem fazendo um duplo discurso, numa divisão de tarefas em que Lula, para preservar sua figura, tenta se colocar como oposicionista aos planos de Guedes e até crítico às frentes amplas. Enquanto isso, Haddad e os governadores do nordeste assinam o manifesto e participam de atos virtuais com os mesmos que deram o golpe institucional em 2016. A conciliação de classes é parte do DNA desse partido que administrou o capitalismo brasileiro por 13 anos, usando as forças repressivas nas favelas contra o povo negro com as UPPs e as tropas brasileiras contra o povo haitiano. Em Minas Gerais com a flexibilização das licenças ambientais promovidas pelo ex governador do PT Fernando Pimentel para beneficiar empresas como a criminosa Vale, são corresponsáveis pelo ocorrido em Mariana em 2015 com o rompimento da barragem. Não raro, utilizaram a polícia militar para reprimir protestos de rua dos servidores públicos, atos de mulheres, juventude, atos contra o aumento da passagem de ônibus, além de impor e tentar naturalizar o atraso do pagamento mensal dos trabalhadores da educação. Em todo país, construíram acordos que fortaleceram os banqueiros, latifundiários, a bancada religiosa, o lobby da mineração. Ou seja, alimentaram os setores que depois foram a base do golpe institucional e do bolsonarismo.

Agora o PT passou a defender o impeachment de Bolsonaro e novas eleições, sempre atuando para salvar este regime em decomposição, ao mesmo tempo em que buscam se reabilitar aos olhos da burguesia como possíveis administradores de um Brasil pós-Bolsonaro, deixando intacta toda a obra do golpe e os ataques que estão passando de forma acelerada durante pandemia. Nos estados que governam não só aprovaram a reforma da previdência e pactuaram pela reabertura somente para atender aos interesses dos empresários, como colocam a polícia para reprimir os trabalhadores, o povo negro e todos aqueles que se mobilizam contra as precárias condições de vida. Nos sindicatos e com a CUT deixaram passar os ataques, como as MPs do Bolsonaro, e as demissões, como na Latam e nos metalúrgicos em Contagem. São contrários a toda forma de organização pela base de trabalhadores, controlando as ações por via de suas direções sindicais já burocratizadas e de seus parlamentares, o que resulta numa permanente trégua com as patronais e com os governos.

Assim como o PT, temos inúmeros exemplos do PCdoB, e nem falar do PDT do coronel Ciro Gomes e do PSB do golpista Júlio Delgado de como atuam durante o governo Bolsonaro. Governando em acordo com os interesses dos golpistas e patrões, se aliam com a direita tradicional como o DEM, MDB e partidos do centrão, pactuando com Bolsonaro, Witzel, Zema, Dória pela reabertura das cidades somente para atender os interesses dos empresários. Colocam a polícia para reprimir as lutas dos trabalhadores, enquanto a população sofre com o desemprego, as demissões e as filas para o auxílio emergencial. Este deveria ser como mínimo de 2 mil reais, para conseguir de fato atender as necessidades das famílias trabalhadores em meio a crise. Um valor que deveria sair do lucro das empresas, já que a pandemia só aprofundou as desigualdades, aumentado o lucros dos mais ricos e diminuindo a renda dos mais pobres.

Quando vemos a realidade concreta de como esses partidos atuam quando são governo em meio à crise capitalista e o bolsonarismo fica claro o quão ilusório é pensar que uma frente com esses setores poderia ter uma caráter progressista. Pelo contrário, seria na prática abandonar qualquer perspectiva de independência de classe para se aliar com partidos que pretendem se habilitar aos olhos da burguesia como uma alternativa viável contra o bolsonarismo em 2022. E, para isso, não só deixam passar grandes ataques, como em alguns casos são os agentes da implementação dessas medidas. Enquanto Áurea Carolina busca essa articulação, Kalil anuncia que PDT e Rede, que já são parte da sua gestão, continuarão fechados com ele para sua reeleição à prefeitura de BH.

Qual a aliança seria necessária para fortalecer uma perspectiva de esquerda e socialista nas eleições?

A ampla maioria da população ainda tem ilusões nas eleições e apenas nesse momento se veem como sujeito políticos. Como parte da tradição do marxismo revolucionário devemos usar este momento especial de politização de massas para batalhar e arrancar estes milhões de trabalhadores da influência reacionária dos políticos da patronal, influenciando-os com as ideias anticapitalistas e revolucionárias. Sempre precisamos combinar a atuação parlamentar com o objetivo de fortalecer a luta de classes. Por isso, abrimos esse diálogo com todos os que verdadeiramente querem combater a extrema direita reacionária que avança com seu autoritarismo contra os direitos da classe trabalhadora, das mulheres, dos negros e oprimidos. Para dialogar quanto à perigosa armadilha da frente ampla com golpistas e patrões, mas também da ilusão de uma frente "progressista" com partidos que governam administrando esse sistema capitalista, protegendo sobretudo o lucro dos patrões.

O PSOL é composto por diversas alas e, juntamente com outros partidos de esquerda como PSTU, PCB e UP, integram o Fórum de Partidos de Minas Gerais, com partidos capitalistas como Rede e PSB, que tem como eixo de unidade o impeachment, assim como os manifestos que assinaram nacionalmente com esse mesmo mote que, no fim, leva o vice militar à presidência. Ao defender o impeachment junto com correntes do PSOL, partidos como PSTU e PCB mostram como seu fora Bolsonaro e Mourão não passam de um discurso vazio, pois na prática se subordinam a uma política que leva Mourão a assumir caso Bolsonaro deixe o poder. A UP, que tenta aparecer com discurso mais radical, sequer levanta a bandeira pelo fora Mourão, sendo explícitos na defesa do impeachment e participa das mesmas negociações eleitorais com partidos que administram o capitalismo como o PT.

A construção de uma frente verdadeira de esquerda nestas eleições, passaria pelo PSOL mudar sua política. Rompendo com qualquer aliança com golpistas e patrões em supostas "Frentes Amplas", mas também com alianças eleitorais com o PT, PCdoB, PSB e PDT. Por sua vez, uma Frente nas eleições teria que passar pelo PSTU rever seu apoio ao golpe institucional de 2016 e mudar a sua política de apoio às instituições desse regime degradado como é a defesa do impeachment, sem falar no escandaloso apoio às greves policiais. O que não tem nada a ver com as tentativas de reviver a velha política stalinista da conciliação de classes e frentes populares defendidas pela UP e PCB.

Uma mudança dessa postura das correntes do PSOL e do PSTU, poderia ser a base para colocar de pé um polo de independência de classe juntamente com outras organizações da esquerda, como o MRT, os movimentos sociais e setores independentes que queiram ser parte desse projeto. Acreditamos que todos os que se colocam como esquerda socialista deveriam apostar tudo na perspectiva de impulsionar as lutas dos trabalhadores, se unindo para cercar de solidariedade, ampliar e coordenar essas lutas e fazermos juntos uma enorme exigência a que as burocracias sindicais rompam com sua paralisia e convoquem grandes mobilizações com um programa dos trabalhadores de saída para a crise, na perspectiva da construção de uma necessária frente única da classe trabalhadora. Como parte dessa batalha viemos propondo para alguns setores da esquerda, uma coordenação pelo Fora Bolsonaro e Mourão, e buscando acordos práticos na luta de classes, mas não avançamos em acordos sobre a necessidade de superar políticas que levam a um governo Mourão ou ao fortalecimento do STF.

Como contribuição internacional para esse debate acreditamos que a experiência da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina, a FIT, é um dos exemplos mais avançados para pensarmos um pólo político que transcenda às eleições e que tem tido iniciativas que apontam para uma reorganização internacional dos socialistas, com base num programa de independência de classe, que para nós devem apontar crescentemente para a reconstrução de uma Internacional da Revolução Socialista, sobre a base da IV Internacional fundada por Leon Trotski. Este debate internacional é importante para a esquerda socialista brasileira, pois avançar em uma visão comum das tarefas que estão colocadas internacionalmente, colabora em encarar estes debates nacionais em outros marcos.

Essa é parte da batalha que damos como MRT, em cada processo de luta contra os ataques em curso, na saúde, em entregadores, contras as demissões, no ato internacional contra a violência policial e o racismo que realizamos desde a Fração Trotskista, e também participando das eleições pela via de legendas democráticas do PSOL, com candidaturas de trabalhadores e jovens socialistas, como a de Flávia Valle em Contagem. Lutando pelo fora Bolsonaro, Mourão e os militares, sem nenhuma ilusão no STF, Maia e nos golpistas. Batalhando por uma alternativa para que os capitalistas paguem pela crise, uma alternativa que vá contra esse degradado regime racista do golpe institucional, que busca retroceder aos tempos da escravidão no que diz respeito aos direitos da classe trabalhadora e o povo pobre, e não somente algo que altere apenas os jogadores como seriam as eleições gerais. O que para nós passaria também pela defesa de construir uma alternativa política contra esse regime, lutando por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela força e organização dos trabalhadores, defendendo o direito do povo decidir os rumos da política, para dessa forma avançarmos na experiência de setores mais amplos da nossa classe com a democracia dos ricos, como parte da nossa luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com esse sistema capitalista.

 
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