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QUARTA INTERNACIONAL
Sobre os estudantes e os intelectuais
Redação

Entrevista com estudantes que haviam convidado Trótski, em 9 de dezembro de 1932, em Studenterblades. Reproduziu-se em Fjerde Internationale (Quarta Internacional). Esta versão publicada pelo Esquerda Diário foi traduzida do Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky - CEIP León Trotsky/Argentina.

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Sobre os estudantes e os intelectuais ¹

Novembro de 1932

E chegou Trótski. Se alguém esperava se encontrar com uma pessoa anciã, brutal, terrível, se decepcionou. Havia nele algo amistoso, muito cultivado, agradável e encantador. Depois de saudar a cada um de seus visitantes, sentou-se em uma cadeira vazia e esperou nossas perguntas.

– De onde vem a perspectiva revolucionária dos estudantes quando eles são verdadeiramente revolucionários?

Diante desse último acréscimo, suas feições tão conhecidas se iluminaram com um sorriso muito revelador e malicioso.

– Aí você colocou o dedo na ferida!

– A razão está na situação social e econômica ou temos que nos voltar à psicologia, ou talvez à psicanálise, para explicá-la?

Outra vez um sorriso malicioso. – Antes de mais nada, deve-se entender que os estudantes não constituem um grupo social distinto e unificado. Eles se dividem em vários grupos, e sua atitude política corresponde estritamente à predominante nesses distintos grupos da sociedade. Alguns desses estudantes têm uma orientação radical, mas uma quantidade mínima deles pode ser ganha para o partido revolucionário.
É um fato que, muitas vezes, para os estudantes que, na verdade, são pequeno-burgueses, o radicalismo é uma doença juvenil. Diz um ditado francês: “Avant trente ans revolutionnaire, après canaille” (Até os trinta anos, revolucionário; depois, um canalha). Esse refrão não é ouvido somente na França. Também era conhecido e aplicado aos estudantes russos no período pré-guerra. Estive exilado entre 1907 e 1917 e viajei muito dando palestras em diversas colônias de estudantes russos no exterior. Naquela época, todos esses estudantes eram revolucionários. Na Revolução de Outubro, 99% lutou do outro lado da barricada.

Em todos os países, a juventude é radical. Os jovens sempre se sentem insatisfeitos com a sociedade em que vivem, sempre pensam que podem fazer melhor as coisas do que os mais velhos. Assim, a juventude sempre se sente progressista, mas o que entende por progresso varia bastante. Por exemplo, na França, há uma oposição radical e uma oposição realista. Naturalmente, entre os radicais, há muitas forças saudáveis de oposição, mas, a maioria, se distingue por seu caráter, poderíamos dizer, carreirista.

Essa é a verdadeira força motriz no plano psicológico. Os velhos ocupam todos os lugares; o jovem se sente afogado, sem saída para aplicar as suas condições. Simplesmente, está insatisfeito porque não é ele quem está instalado na poltrona de comando. Mas, quando chega à poltrona, o seu radicalismo acaba.

Acontece o seguinte: gradualmente, esses jovens passam a ocupar postos de destaque. Se tornam advogados, professores, chefes de oficina e começam a considerar o seu antigo radicalismo como um pecado de juventude, como um erro repulsivo e encantador. Como resultado dessa recordação, o acadêmico arrasta sempre uma vida dupla. O que acontece é que ele acredita que ainda mantém um tipo de idealismo revolucionário, quando, na realidade, não tem nada além de um certo verniz liberal. Mas esse verniz é uma cobertura da sua personalidade real: um arrivista social, de mente estreita e pequeno-burguesa, cujo interesse real consiste em fazer carreira.

Trótski se moveu um pouco em sua cadeira e olhou ao redor com um sorriso amável, como se pedisse desculpas.

– Os estudantes podem ter alguma utilidade em um movimento revolucionário?

– O estudante revolucionário só pode contribuir se, em primeiro lugar, vive um processo de autoeducação revolucionária rigorosa e coerente; e, em segundo lugar, caso se ligue ao movimento operário revolucionário quando ainda é estudante. Permita-me esclarecer que quando falo de autoeducação teórica me refiro ao marxismo não falsificado.

– Qual deve ser a relação entre o acadêmico e o movimento operário?

Uma expressão séria e decidida aparece nos olhos de Trótski.

– Ele tem que entender que vai ao movimento operário para aprender, e não ensinar. Tem que aprender a subordinar-se e a fazer o trabalho que é exigido, e não o que ele quer realizar. De sua parte, o movimento operário deve considerá-lo com o maior ceticismo. O jovem acadêmico tem que “marcar o passo”, inicialmente, por três, quatro ou cinco anos e fazer uma tarefa partidária comum e corrente. Então, quando os operários já tiverem confiança nele e estiverem completamente seguros de que ele não é um carreirista, podem permitir que ele ascenda, mas lentamente, muito lentamente. Quando trabalha desse modo com o movimento operário, quando esquece que é um acadêmico, as diferenças sociais desaparecem.

– Qual é, então, o papel do intelectual no movimento revolucionário?

– Tirar as conclusões gerais com base em fatos concretos. Se não se realiza constantemente esse processo de generalização do conflituoso material dos acontecimentos, o movimento se dilui.

– Antes, você disse que entende por autoeducação teórica o estudo do marxismo não falsificado. O que é para você o marxismo não falsificado?

– A crítica ao marxismo não é tão perigosa. A falsificação é algo diferente. Refiro-me às teorias que se reivindicam marxistas, mas, na verdade, abandonaram a essência dos ensinamentos de Marx. Por exemplo, o revisionista Bernstein fez do movimento o eixo fundamental da sua teoria e deixou de lado o objetivo final. O que resultou desse “marxismo”? Na Inglaterra, um Macdonals ou um Lord Snowden. Vocês mesmos podem encontrar alguns exemplos. Essa falsificação utiliza o nome do marxismo para enganar os trabalhadores.

– Bom, mas, como escreveu Lis Toersleff, o mundo não parou na época de Marx.

– Claro que não. Não sou fetichista; o marxismo não se deteve quando Marx morreu. Marx também poderia se equivocar, fundamentalmente em seus prognósticos de quando os acontecimentos ocorreriam; nesses casos, somente sua avaliação sobre o ritmo do processo falhou. Lenin integrou novos fatores históricos ao marxismo, adaptando-o assim à nossa época.

Então, Trótski abordou o tema da democracia e da ditadura: – Os comunistas não negam – como fazem, por exemplo, os anarquistas – a importância da democracia. Mas a reconhecemos apenas até um ponto muito definido. Esse ponto é alcançado quando as contradições de classe são tão grandes que a tensão provoca um curto-circuito. Nesse momento, a democracia já não pode seguir funcionando, e as únicas alternativas são a ditadura do proletariado ou da burguesia. Vejamos a evolução da República social-democrata da Alemanha de 1918 até o presente. A princípio, os sociais-democratas estavam no poder, mas, agora, são os generais reacionários que mandam.

– A democracia já não pode sequer jogar o seu próprio jogo por causa das contradições de classe. Vejam, por exemplo, como hoje em dia está sendo cumprido o direito democrático de asilo, direito de um exilado à residência.

Era evidente que, com a menção do direito de asilo, Trótski voltava novamente a Dalgas e Boulevard. Com um grande sorriso, continuou:

– Não sou um marxista obcecado. Ainda podem chegar a me fazer acreditar na democracia. Mas, primeiro, terão que satisfazer dois desejos meus: levem a Alemanha ao socialismo por meios democráticos e consigam-me uma autorização de residência na Dinamarca.

NOTAS:

[1] Sobre los estudiantes y los intelectuales. Intercontinental Press, 13 de novembro de 1932. Essa entrevista com estudantes que haviam convidado Trótski apareceu pela primeira vez em 9 de dezembro de 1932 em Studenterblades. Reproduziu-se em en Fjerde Internationale (Quarta Internacional), versão que foi traduzida por David Thorstad [em inglês]. A versão publicada pelo Esquerda Diário foi traduzida do Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky (CEIP).

[2] Philip Snowden (1864-1937): presidente do Partido Trabalhista Independente da Grã-Bretanha de 1903 a 1906 e de 1917 a 1920. Em 1927, deixou o partido para entrar no Partido Trabalhista, de onde saiu em 1931 para apoiar o governo de "unidade nacional" de Macdonald.

 
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