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México-Estados Unidos
O que há por trás do encontro Lopez Obrador e Trump?
Pablo Oprinari

A visita anunciada de Manual Lopez Obrador a Washington, para 8 de julho, levantou uma grande revolta no México. Intelectuais e políticos do MORENA defenderam a decisão do presidente. Opositores de todo calibre criticaram sua "falta de oportunidade", ainda que a maioria sem questionar as raízes profundas da visita.

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A decisão de se reunir com Donald Trump, em momentos em que enfrenta grandes mobilizações, é uma evidente confirmação que - em tempos de pandemia e da profunda crise que assola o México -, se pretende aprofundar os laços que atam o país aos Estados Unidos. O que há por trás desta visita é um histórico de subordinação que o Governo de AMLO (como é chamado o governo de Obrador) mantém de pé.

Quarta modificação, nos marcos da subordinação

Como já explicamos em artigos prévios do Idéias de Esquerda México, a política e as decisões governamentais no México estão atravessadas pela relação com os Estados Unidos. Há uma longa história de dependência econômica, política, militar e diplomática que cruza os 3000 quilômetros de fronteira comum, assinada pelos acordos comerciais e a integração produtiva transnacional, assim como pela imposição das políticas (anti)migratórias e a "guerra contra as drogas", desatadas nas últimas décadas por democratas e republicanos.

Tudo isso marcou a agenda da Quarta Transformação [1] e uma relação bilateral que AMLO preservou nos termos marcados pelos anteriores governos priistas e panistas. Isso, sob um governo que se define como progressista.

A este panorama há que se somar que a chegada de Trump na Casa Branca, em 2016, implicou, no tom de seu "american first", mudanças nos tratados comerciais e a imposição ao México das "normas de origem" sobre os componentes das exportações, com a intenção de diminuir sensivelmente a presença chinesa na produção da zona, e privilegiar às transnacionais estadunidenses. Isso se traduz na exigência de renegociar o TLCAN, que abriu o caminho para estrear o Tratado México Estados Unidos Canadá, que entrou em vigor neste 1 de julho. E também supôs uma agressividade humilhante contra o México, que se expressou fortemente no terreno migratório, com a ameaça do muro fronteiriço e outras medidas similares.

A preocupação de Lopez Obrador por cuidar da relação com o morador da Casa Branca o levou a cultivar uma forma amistosa, aceitando todas as exigências de Washington. A tal ponto que os desgostos midiáticos de Trump foram interpretados pelo governo mexicano sob formas diplomáticas "aceitáveis". Como ocorreu no final de 2019, quando a ameaça estadunidense de uma intervenção foi apresentada por AMLO como um "amável oferecimento" de ajuda no combate ao narcotráfico [2].

Lopez Obrador justificou constantemente, como "ações soberanas", decisões tomadas de acordo com as imposições trumpianas. Um exemplo disso foi o acordo migratório subscrito - há justamente um ano - entre ambos países, elaborado ao bel prazer do presidente estadunidense. Neste momento, este havia ameaçado com maiores impostos às exportações nacionais, em caso de que o governo mexicano não "atuasse energicamente" contra a migração que ingressava pela fronteira com a Guatemala. A partir de então, a recém criada guarda Nacional atuou como muro de contenção contra as caravanas de imigrantes centroamericanos. E colocou em prática o programa "Fique no México", que converteu ao país em uma estação de trânsito para os imigrantes devolvidos pelos estados Unidos, enquanto este dizia se aceitava ou não.

Como resultado disto hoje há dis muros: um a altura de Río Bravo e outro ao sul, na fronteira com a Guatemala, nos contornos do rio Suchiate, ambos com o mesmo dono.

Good friends em tempos de pandemia

Os gestos de submissão a Trump deram um salto durante a pandemia, até chegar a atual visita a Washington.

Nos últimos meses, Estados Unidos deportou a dezenas de milhares de migrantes mexicanos, que foram postos em grande risco sanitário, ao serem expulsos para suas comunidades de origem, desde um dos países com maior taxa de contágio. Trump instituiu novas medidas draconianas, suspendendo o direito de asilo.

Além do mais, pra milhões de migrantes nos EUA, a situação se tornou cada vez mais crítica, devido à perda de empregos e falta de acesso tanto ao seguro desemprego como a "ajuda" que emitiu uma única vez o governo e aos serviços de saúde. O governo mexicano não só aceitou isso sem protestar; colaborou também com o translado a seus países de origem de cerca de 2 mil centro-americanos deportados do vizinho do Norte.

E, depois disso, Amlo agradeceu diversas vezes a Trump seu suposto "apoio" durante a pandemia! Em contrapartida, Trump disse que López Obrador "é um bom homem". Dois verdadeiros bons amigos.

Além do mais, o presidente do México impulsionou uma apressada reabertura da indústria maquiladora automotiva, consideradas "essenciais" desde 18 de maio. A Casa Branca e as transacionais, assim como as cúpulas empresariais nativas, obtiveram o que queriam: uma reativação que alimente as cadeias de valor que cruzam as fronteiras e a indústria estadunidense.

A urgência foi movida pelo arranque do T-MEC e pelo papel da indústria maquiladora, "com sua inserção no modelo de cadeia de valor global, onde funcionam como sub.administradoras de partes ou produtos, parciais ou terminados" [3]. A situação dos trabalhadores mexicanos, obrigados a voltar a trabalhar com risco para sua saúde e de suas famílias, não era uma prioridade do governo López obrador. Como resultado desta negligência criminal, aumentaram as mortes operárias pelo COVID-19, em particular nos estados fronteiriços.

Como havíamos adiantado, o T-MEC se inscreve na busca, por parte da presidência de Trump, de condições ainda mais vantajosas pra a capital imperialista. Já há décadas, o já extinto TLCAN foi a melhor expressão da subordinação que mencionamos, no terreno produtivo e comercial. Desde os primeiros anos do neoliberalismo, o México se converteu numa plataforma de exportação orientada para as necessidades das transnacionais. Essa foi a "grande empresa" da classe dominante nativa, impulsionada pelos governos prévios, cuja continuidade preserva a quarta transformação.

O T-MEC aprofunda essa realidade, em consonância com as necessidades atuais dos EUA. Por exemplo, com as mudanças que se aplicarão nas chamadas regras de origem, em benefício das empresas estadunidenses, os que se estabelecem no terreno da propriedade intelectual, e também "as mudanças da lei de propriedade industrial sobre o manejo de patentes da indústria farmacêutica (que outorgam) um enorme poder aos Estados Unidos, impõe melhores condições para as transnacionais daquele país põem e, dúvida ainda a produção de medicamentos genéricos no México" [4]. Para a efetivação do Tratado se requeriam as chamadas leis secundárias: em 30 de junho, o oficialismo e seus aliados tiveram acordo com os partidos de oposição e as aprovaram de forma unânime.

Dois amigos em apuros

A chamada "cúpula" AMLO-Trump se realiza então em meio a uma crise econômica, cujas consequências para o México são muito duras. Espera-se uma retração de mais de 10% do PIB, com todos os indicadores comerciais e produtivos em uma queda muito pronunciada; sendo uma das economias latinoamericanas mais atingidas pela crise. Além do mais, a crise sanitária está longe de enfraquecer, e a curva de mortes e contágios continua alta. Tudo isso poderia afetar a popularidade do presidente, que já experimentou uma queda desde o início da pandemia, ainda que mantendo-se acima dos 53%.

Pode-se esperar que isso repercuta na luta de classes: em 2019, setores da classe operária maquiladora no norte do país se puseram em movimento; depois, durante a pandemia, vimos novos protestos e manifestações de setores de trabalhadores. Em um novo cenário de crise econômica e social, o descontentamento pode voltar a se expressar ativamente.

Se a isso somamos o fato de que a insegurança é um dos temas sensíveis para amplos setores da população, e que os cartéis de narcotráfico voltaram ao centro da politica nacional com o recente atentado contra ao secretário de segurança pública da Cidade do México, a situação, para AMLO, se torna mais complexa. O cenário prévio à pandemia, de um governo fortemente hegemônico e com altos níveis de respaldo social, enfrenta perspectivas de instabilidade.

É evidente que Lopez Obrador aposta que a entrada em vigor do T-MEC e o reinício das atividades industriais, ajudem a conter a queda da economia. Nesse marco se insere a reunião de 6 de julho, pela qual pretende aceitar ainda mais a relação com Trump.

Porém, ao mesmo tempo, é algo positivo para o presidente estadunidense, que entra em uma campanha eleitoral onde sua reeleição tem prognóstico reservado. Trump enfrenta uma situação convulsa de luta de classes como não se via há décadas nos Estados unidos, motorizadas pelas mobilizações antirracistas que cruzaram de lese a oeste o país.

Lopez Obrador vai a Washington, E ninguém fala da rebelião contra o racismo estrutural e constitutivo do estado imperialista cuja onda expansiva recorreu o mundo. Nem das medidas antiimigrantes da Casa Branca, que recentemente declarou que buscará a suspensão do programa DACA (Acción Diferida para los Llegados en la Infancia), um novo ataque contra os chamados "dreamers" e que além do mais, através do ICE (Imigração e Controle de Aduanas) se infiltrou nas recentes mobilizações para deter e deportar migrantes. Uma nova mostra de subordinação ao imperialismo por parte da Quarta Transformação.

Há analistas que afirmam que Trump aproveitará a visita de AMLO para se fortaleer eleitoralmente, em particular entre a comunidade latina, balanceando assim o custo político de suas medidas antiimigrantes. Outros, que depois de utilizar a AMLO, voltará de imediato (inclusive na mesma reunião) com ameaças e desplante com respeito ao muro fronteiriço e o papel do México como contenção da migração centroamericana, em atenção a sua base social reacionária. Sem dúvida, são cenários possíveis, e ameaçador para um governo que decidiu aprofundar o caminho de seus antecessores sobre a Casa Branca.

Os verdadeiros aliados, nas ruas e nos locais de trabalho do outro lado da fronteira

O que relatamos é resultado dos limites profundos do "progressismo" de Lopez Obrador. Negar-se a romper com as cadeias da dependência imperialista e a dominação das transnacionais e os grandes organismos financeiros - o qual está indissoluvelmente ligado a preservar os interesses dos grandes empresários nativos - só leva a sucumbir às exigências do poderoso vizinho do norte.

Assim como não se pode "governar para ricos e pobres" - como se mostrou durante a pandemia - tampouco é possível manter uma relação de "amizade" com a administração estadunidense, para o qual o México é o seu quintal. A Casa Branca só aceita a submissão de seus "sócios" menores.

O progressismo obradorista é incapaz de oferecer uma saída, favorável ao povo trabalhador, diante da dominação imperialista, que é a causa do saqueio, a exploração e opressão que sofrem as grandes maiorias operárias e populares.

Conquistar uma independência e uma soberania efetiva requer enfrentar ao imperialismo estadunidense: repudiar sua ingerência e sua política xenófoba e racista contra os imigrantes - ao mesmo tempo que dissolver a Guarda Nacional e garantindo o livre trânsito e plenos direitos dentro do México -, assim como atacar aos interesses das grandes empresas de capital estadunidense e deixar de pagar a dívida externa.

Implica assumir além do mais um caminho claramente internacionalista. Os amigos e aliados dos trabalhadores e camponeses do México estão nas mobilizações que sacudiram às cidades e povos dos Estados Unidos contra a violência policial e o racismo sobre os afroamericanos, o qual também atinge aos latinos e imigrantes.

Está na classe operária multiétnica, formada por brancos, negros, latinos, afrocaribenhos e de todas as nacionalidades, que nos últimos meses protagonizou distintas lutas e manifestações, como as e os trabalhadores da primeira linha - como no setor da saúde e entre os trabalhadores precários -, e se estendeu por todo o país.

Está nos trabalhadores e povo da América central e do Caribe, que enfrentam a opressão imperialista e as consequências da vassalagem do governo mexicano. Estes são os verdadeiros aliados, com os que há que construir, mais além das fronteiras, uma poderosa aliança internacionalista e antiimperialista. Evidentemente, se trata de uma política muito distinta da que sustenta AMLO e o Morena.

Para tudo isso há que se por de pé uma poderosa organização socialista e revolucionária no México, que imponha ferreamente em suas insignias a luta contra a opressão imperialista, que está indissoluvelmente vinculado a acabar com a exploração capitalista. E que frente ao T-MEC, também apresente uma saída anticapitalista e socialista, que aponte para uma integração política, social, econômica e cultural da população da região em uma Federação de Estados Unidos Socialistas da América do Norte. Isso requer da construção de uma organização revolucionária nos Estados Unidos - uma perspectiva pela qual lutam nossos camaradas do Left Voice - que levante uma perspectiva internacionalista, que hoje não pode mais que ser antiimperialista, já que, como dizia Karl Marx, um povo que oprime a outro povo não pode ser livre.

Então, nosso desafio é construir um grande partido, nacional e internacional, dos explorados e oprimidos, que no México impulsione a mobilização contra o saqueio e a subordinação aos Estados Unidos, imposições escravizantes nas que coincidem tanto a oposição de direita como o governo de MORENA. Tomar o caminho de uma luta revolucionária, antiimperialista, internacionalista e socialista, para que o México não siga sendo uma estrela mais na bandeira ianque.

[1] A Quarta Transformação é como chamou Andrés Manuel Lopez Obrador a seu governo. Se autodefine como a continuidade do que seriam as três grandes "transformações" prévias da história do México: A Guerra da Independência liderada por Miguel Hidalgo e Costilla, a Guerra da Reforma, encabeçada por Benito Juarez, e a revolução de 1910, na qual AMLO resgata fundamentalmente a Francisco I. Madero. Também faz parte deste relato histórico-político. a figura de Lázaro Cárdenas em termos de princípios políticos que haviam animado aos protagonistas dos momentos prévios.

[2] Ainda que AMLO afirmou que não reeditará a "guerra contra o narco", também neste terreno se manteve a ingerência das agências de segurança estadunidenses no território mexicano e continuou a militarização, com a criação da Guarda Nacional. na cidade do México aumentaram as operações contra o narco-varejo. A atual perseguição sobre o "Cartel Jalisco Nova Geração" recorda a guerra entre o governo de Caldeirón e os carteis de então. Recentemente, se deu um ataque de armas com alto poder contra o número 1 da segurança na capital do país, Omar García Harfuch, em uma das artérias mais importantes da Cidade do México. O que pos em entrelinhas a estratégia governamental e matéria de segurança.

[3] Cirila Quintero Ramírez “Los efectos del COVID-19 en los trabajadores de la maquiladora. El desencuentro entre lo nacional y lo local”, en COVID-19 y frontera noreste Primeros impactos en migración, políticas públicas y población, Colegio de la Frontera Norte.

[4] Em “Cinco cosas que tienes que saber sobre la entrada en vigor del T-MEC”, (consultado em 3 de julho em https://www.laizquierdadiario.mx/Cinco-cosas-que-tienes-que-saber-sobre-la-entrada-en-vigor-del-T-MEC)

 
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