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OPINIÃO
Revolução Síria? Um debate na 10 Assembleia da ANEL
Artur Lins
Estudante de História/UFRJ

Nesse final de semana aconteceu em São Paulo a 10° Assembleia Nacional da ANEL. Entre as discussões da assembleia surgiu uma polêmica no grupo de discussão sobre imigração, em que a mesa, composta por um refugiado sírio e representantes da Frente Palestina Independente e do Quilombo Raça e Classe tratavam a derrota da Primavera Árabe, especialmente na Síria, como uma revolução ainda em curso.

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Nesse final de semana aconteceu em São Paulo a 10° Assembleia Nacional da ANEL, onde diferentes organizações e tendências antigovernistas discutiram a conjuntura nacional e internacional da luta de classes e do movimento estudantil.

Entre as discussões da assembleia surgiu uma polêmica no grupo de discussão sobre imigração, em que a mesa, composta por um refugiado sírio e representantes da Frente Palestina Independente e do Quilombo Raça e Classe tratavam a derrota da Primavera Árabe, especialmente na Síria, como uma revolução ainda em curso.

Mesmo quando hoje ocorre a maior crise humanitária de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Milhares de trabalhadores com suas famílias não veem mais perspectivas de futuro em seus países, e principalmente na Síria, país de origem da maioria dos refugiados, a classe trabalhadora síria, cansada dos bombardeios do governo e da violência das milícias opositoras ao regime, vê-se obrigada a arriscar suas vidas numa dramática passagem pelo Mediterrâneo, não tendo certeza se conseguirá chegar vivos até a Europa. Isso é um dos fatores que evidencia que o que está acontecendo na Síria está longe de uma revolução.

A Primavera Árabe foi o resultado de décadas de política neoliberal e subserviente aos interesses do imperialismo que fez corroer o poder econômico da classe trabalhadora árabe, aumentar expressivamente o índice de desemprego, principalmente entre a juventude. E junto a esses problemas econômicos ter que viver censurados e calados por regimes ditatoriais sanguinários e intolerantes a qualquer tipo de oposição política. Nesse sentido, no seu início a primavera árabe levou as massas tunisianas, egípcias, sírias, iemenitas e líbias foram às ruas reivindicar a queda de seus regimes autoritários.

Na Tunísia, a queda de Ben Ali substituiu a ditadura por uma democracia burguesa, em que um governo neoliberal chefiado por Habid Essid e políticos do velho regime aliado aos fundamentalistas islâmicos do Ehnada segue implementando medidas autoritárias e ataques às liberdades democráticas, em nome da guerra contra o terrorismo.

No Egito o processo que derrubou Mubarak em 2011 foi seguido também da implementação de uma democracia burguesa que manteve os privilégios e a autonomia das Forças Armadas, detentoras do poder no país. A Irmandade Muçulmana (IM) de Mohammed Mursi venceu as eleições em 2012. Entre junho e julho de 2013, as massas se levantaram contra a IM, porém quem canalizou a ira das massas foram as Forças Armadas, que dirigiram a revolta popular, derrubaram Mursi e aumentaram sua moral entre a população egípcia. Em seguida, as Forças Armadas iniciaram um processo de aniquilação da oposição política, executando mais opositores do que em todo o período em que Mubarak ficou no poder. Implementaram medidas draconianas referentes às liberdades de expressão, taxando de “terroristas” aqueles que pensam diferente do governo, com o claro intuito de conter as agitações populares e greves da classe trabalhadora, para que o Egito se torne um país “confiável” para investimentos do capital financeiro, evidenciando a derrota do processo revolucionário egípcio.

Na Líbia, as diferentes milícias que se levantaram contra a ditadura de Kadafi com o apoio da intervenção imperialista da OTAN conseguiram derrubar o regime e inclusive matar o ditador. No entanto, desde a instabilidade política gerada no país com a queda de Kadafi, essas milícias se enfrentam, cada uma controlando uma região de acordo com suas próprias leis, muitas delas de tendência teocrática por milícias islamitas, principalmente em áreas com expressiva produção de petróleo, fragmentando o país.

No Iêmen, a ditadura de Ali Abdullah Saleh também foi alvo da Primavera Árabe e as massas conseguiram derrubar seu regime em 2012. Com a crise política instaurada desde a queda do regime, abriu-se espaço para que os Houthis, milícia burguesa xiita situada ao norte do país, tomassem o poder na capital Sanaa através de um golpe de estado contra o vice presidente Mansur Al-Hadi, no poder desde a queda de Saleh. O desfecho disso está sendo a atual intervenção militar das nações dirigidas pelas monarquias reacionárias do Golfo Pérsico, tendo a liderança da Arábia Saudita, contra os Houthis e a favor do governo de Al Hadi, reagindo militarmente e interrompendo violentamente qualquer possibilidade de algo parecido com a Primavera Árabe na região, levando-se em conta que o Iêmen fica ao sul da Península Arábica fazendo fronteira com várias das nações que estão envolvidas na intervenção imperialista, freando um possível ascenso das massas na região contra suas monarquias ditatoriais e reacionárias.

Por fim hoje a Síria, do ditador Bashar Al Assad, se encontra em uma guerra civil dirigida por milícias reacionárias, que apesar de ter setores das massas lutando em suas fileiras, estão sendo dirigidas por frações burguesas. O que começou com reinvindicações por liberdades democráticas e pela queda do regime evoluiu para uma guerra civil em que um grupo, chamado Exército Livre da Síria, com direção claramente burguesa desde o início, se apresentava como a força militar hegemônica no conflito. Não houve uma coordenação que unificasse e centralizasse a luta armada dos rebeldes, e como resultado disso o que ocorreu foi a rápida degeneração do ELS em várias milícias teocráticas e laicas - que não significam que sejam progressistas - enfrentando entre si e contra o governo, piorando a situação com a entrada do Estado Islâmico no conflito, controlando quase 50% do território. Hoje a Síria se encontra fragmentada com regiões controladas diretamente pelo governo e em proto-Estados controlados pelas milícias, de acordo com suas próprias leis, a maioria delas autoritárias e teocráticas, como é o caso da cidade de Raqqa, invadida pelo Estado Islâmico ano passado e declarada a capital do “califado”, assim como a província de Idlib, situada ao norte do país, que no momento é controlada pela afiliada da Al Qaeda, a Frente Al Nusra, implementando um Estado igualmente teocrático e autoritário.

PSTU: Insistindo nos erros

No entanto, para o PSTU, que teve suas posições representadas naquela mesa da ANEL na Síria ainda hoje haveria uma “revolução” em curso. Porém não conseguem entender que as direções majoritárias que estão levando a cabo a guerra civil na Síria, são reacionárias e antidemocrática. Não colocam em perspectiva a expropriação da propriedade privada, muito pelo contrário, controlam militarmente as refinarias de petróleo, vendendo a matéria-prima no mercado clandestino e gerando uma receita para benefício próprio da milícia e para os privilégios de sua direção. Enquanto isso a classe trabalhadora por não conseguir tomar para si a direção desses processos, sofre com as perseguições sectárias, com as leis draconianas de um sistema judicial teocrático e com uma economia arrasada pelo conflito, gerando desemprego e miséria em altos níveis.

Essa forma do PSTU de analisar a realidade da luta de classes é equivocada, pois não coloca quem deve ser o sujeito político do processo revolucionário, que é a classe trabalhadora como vanguarda e organizada politicamente em um partido revolucionário. A concepção do PSTU leva, por fim, a conclusão de que não importa a direção dos processos revolucionários. No caso das ditaduras a mera derrubada dos regimes políticos, mesmo que sem tocar em nada do capitalismo existente, já seriam consideradas “revoluções”. Nesse sentido, a posição que a LIT-PSTU teve frente ao golpe de estado realizado pelas Forças Armadas contra a Irmandade Muçulmana em 2013 no Egito, foi defender como uma “vitória democrática” das massas. A lógica da LIT-PSTU era a de que as massas deveriam se apoiar nas alas laicas e opositoras da burguesia contra o governo da Irmandade Muçulmana, mesmo que isso significasse apoiar o Exército. Ao não levar em conta o sujeito que toma a direção do processo revolucionário, o PSTU chegou a ter a posição desastrosa de saudar a ascensão de uma ditadura cívico-militar, e aconselhar o exército como reprimir a Irmandade Muçulmana!

O resultado disso foi a consolidação da derrota da Primavera Árabe no Egito através de uma caça às bruxas assassina levada a cabo pelo governo do general Al Sisi.¹ Na Líbia, a análise do PSTU foi mais desastrosa depois de declarar a “grande vitória do povo líbio e da revolução árabe”. Se houve uma grande vitória da revolução no caso líbio, porque ainda milícias seguem se enfrentando entre si pelo controle do país?

Que “revolução” é essa que cuja participação da OTAN na queda de Kadafi foi saudada pelo presidente norte-americano Obama como exemplar? No caso sírio, o PSTU continua seguindo apoiando o Exército Livre Sírio, força rebelde poiada também pelos Estados Unidos. E mesmo com setores reacionários à frente como a Frente Al Nusra, o PSTU segue propagandeando que a revolução síria ainda está em curso, pois o povo está lutando contra o regime de Assad. Assim, ainda que haja milícias menos reacionárias atuando contra Assad, trata-se de setores diluídos, que hoje não podem mudar o sentido geral do processo sírio.

É necessário enfrentar essas análises distantes da perspectiva revolucionária e marxista através de intensas lutas políticas. Uma juventude revolucionária é aquela que se coloca ao lado dos trabalhadores na luta de classes em processo no Brasil e no mundo, numa perspectiva clara de que apenas a classe trabalhadora como vanguarda e sujeito político é capaz de derrubar as fronteiras do capitalismo, exigindo que os governos europeus e também o governo brasileiro abram suas fronteiras para todos os imigrantes e refugiados.

¹http://www.pstu.org.br/node/20496
²http://www.pstu.org.br/node/16699

 
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