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TRIBUNA ABERTA
Por que as escolas particulares precisam acabar?
Aurélio Galdino
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Esse texto surge como resposta à realidade imediata, mas também parte de uma discussão antiga, "clássica" poderia se dizer, no campo das políticas públicas, e gostaria de tecer algumas considerações a respeito. Essas considerações se fazem ainda mais urgentes, dado o momento da pandemia que vivemos. Estamos acompanhando no setor privado de educação a pressão exercida por sindicatos do setor e das escolas para a reabertura das salas de aula, e é sobre essa pressão que emano esse texto. Não cabe aqui discutir o óbvio, as escolas estão sofrendo prejuízo, perdendo matrículas, isso era mais que previsível em momentos de pandemia, por motivos também óbvios, pais e mães pressionados pela crise capitalista, que perderam seus empregos, precisam "aliviar" seus orçamentos para poder sobreviver, ainda mais quando o governo não oferece alternativas para essas famílias.

Essas famílias que cito, em especial das baixas camadas da classe média, como deixa muito claro Pierre Bourdieu em seus estudos sobre educação, são aquelas que para ampliar as chances de “sucesso escolar” investem pesadamente na educação dos filhos, pois acreditam que o meio de ascender socialmente seria por meio da escolarização. Por isso para essas camadas é comum a adoção do asceticismo (renúncia aos prazeres imediatos), malthusianismo (controle da fecundidade) e boa vontade cultural que é o reconhecimento de que a cultura escolar é legítima e por isso é necessário adquiri-la a todo custo. Para essas famílias, em tempos de precarização do trabalho, o aumento do desemprego devido à crise capitalista, o medo de ver sua sobrevivência arriscada são fortes motivos para retirar seus filhos da escola particular (mesmo que de forma temporária).

E o segundo motivo dessa pressão reside no fato do afrouxamento do isolamento, agravado pelo descompromisso dos governos em todas as esferas de promover políticas públicas que ofereçam à população testes massivos que diferenciam aptos e inaptos ao contato social mais imediato. A flexibilização nas normas força pais e mães, dessas mesmas famílias que ainda não se viram afetadas pelos fatores acima mencionados, a pressionarem o retorno das aulas presenciais porque eles estão acorrentados pelos capitalistas e vão arriscar suas vidas nas ruas das cidades, com medo de perderem seus empregos, e precisam deixar suas crianças com alguém, exatamente para não sofrerem esse risco. E esse medo também tem origens sistêmicas, o exército de desempregados, fruto da economia capitalista gera esse medo, Marx é preciso em sua análise e se demonstra a cada passo dado nessa crise como autor indispensável para desvendar esse sistema.

Todos esses problemas que estamos presenciando não tem solução para a burguesia no poder, e não tem solução porque nessa equação a burguesia precisa se manter fiel a um sistema econômico (gestado por ela) que gera esses problemas. No capitalismo, para sua sobrevivência, é necessário manter o trabalhador em atividade para expropriá-lo na esfera da produção e depois expropriá-lo novamente na esfera do consumo.

A escola no capitalismo, longe de ensinar, serve ao capitalismo (além de produção de mão de obra nova) como liberadora das mãos do trabalhador para o trabalho capitalista, por isso, independente da qualidade da escola, ela serve como "depósito de crianças". Mais sorte, claro, tem aquela família que enquanto libera as forças produtivas ainda tem um ensino de qualidade (se é que isso existe na atual conjuntura da educação, mas isso é outra discussão). Agora que argumentada e exposta a origem sistêmica do problema, posso problematizar as falas de representantes do setor a começar por Ademar Pereira, presidente da Federação Nacional de Escolas particulares (Fenep) que em matéria para a Folha de São Paulo disse: "A escola pública já tem diversos problemas, uma série de questões que foram acumuladas ao longo dos anos. Não podemos ser colocados na mesma situação e esperar que elas tenham condições para que nós possamos reabrir."

Ademar Pereira usa, abertamente, como justificativa as desigualdades históricas da educação pública e negligência qualquer desigualdade que possa surgir do fato de que determinadas crianças voltem a ocupar as escolas, enquanto outras estão em casa sem qualquer educação formal. A escola pública na fala de Ademar Pereira se torna um problema. Ele tem concordância de outros representantes do setor como a Esther Cristina Pereira, presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinep-PR) que diz na mesma matéria: "Temos que ter um movimento para separarmos a rede particular da pública, nós temos condições de trabalho muito diferentes. A escola pública tem dificuldade e nós não podemos esperar parados até que resolva as questões."

Além desse absurdo, enuncio aqui outro: Ademar Pereira não satisfeito em declarar a escola pública um empecilho para as escolas particulares, de colocá-la como problema, ainda aposta que os professores da rede particular seriam mais dóceis e representariam "menos resistência para o retorno às aulas". O que ele não diz é que os professores da rede particular são politicamente castrados pelo sistema particular de educação por questões inerentes do sistema capitalista. Eles representam menos resistência porque eles são coagidos pelos contratos de trabalho. São as relações de produção capitalistas que pressionam os professores da rede particular a permanecerem abusados em silêncio.

Eu já discuti em texto no Esquerda Diário e defendi a extinção da escola particular, nesse texto manifestei o seguinte argumento: "A rede privada, o paraíso liberal de liberdade e livre negociação, encarou no ano retrasado uma paralisação com professores de um pouco mais de 100 escolas, quando no estado de São Paulo temos mais de 10.000 (dez mil), portanto, professores acuados, sem liberdade política. Por isso, a educação precisa ser pública, laica, gratuita, universal, não mercantil."

O meu argumento reside no fato de que professores (e como emanei naquele texto, na pública também) precisam de liberdade política exatamente para se contrapor ao que foi exposto sem pudor por setores patronais da rede particular de ensino.
Na mesma matéria, os sindicatos ainda argumentam que a escola privada tem mais espaço, melhores acomodações para os alunos, maior possibilidade de oferecer um ambiente seguro para os alunos, professores e funcionários. Esse argumento reside na aparência, primeiro porque não há testes massivos na população e muitos casos são assintomáticos, não se sabe quem entre os professores, alunos, pais, funcionários das escolas já estão infectados e podem ser foco de novas contaminações; Segundo que esse mesmo argumento considera o ambiente escolar como hermético, apartado dos demais espaços geográficos, esses espaços por meio dos indivíduos que o compõe está em constante contato com o “busão” (e em muitos casos lotados) que o professor vai tomar para chegar ao trabalho, ou dos pais que passarão por situação semelhante no emprego, os riscos são imensos, e em vários países essas tentativas tiveram um único resultado (por mais organizada que fosse a iniciativa): novas contaminações pela COVID-19.

A escola pública, universal, gratuita, laica é a solução indesejada pelo discurso do poder e pela burguesia, pois reside nessa solução a destruição de privilégios e dominação de classe: como a primazia ao acesso do capital cultural e científico, só para dizer um. O que essa matéria da Folha de São Paulo nos deixa de lição (já evidente, mas reforçada nesse caso que estou analisando) é que as desigualdades são desejadas por uma classe, que na verdade tudo aquilo que dá a possibilidade da igualdade (como a escola pública) é aviltante para a classe dominante, e por isso, como vemos na fala dos sindicatos e associações ligadas às escolas particulares a defesa explícita das desigualdades, nesse caso, de acesso à escolarização. Por isso que temos que lutar de forma organizada para destruir essa classe e seu sistema e transformar sua escola.

A classe trabalhadora, pelo contrário, tem propostas de transformação concreta dessa realidade, seguem aqui algumas das propostas que poderiam ocorrer de forma imediata: tornar a escola particular em escola pública; a reabertura das salas de aula fechadas (como no caso de São Paulo); a redução do número de alunos por sala de aula; contratação imediata de professores por meio de concurso público; aos professores não efetivos do Estado sua efetivação imediata (sem a necessidade de concurso público); suspensão do ano letivo em toda a rede (seja presencialmente ou não); dizer não ao pagamento da dívida pública fraudulenta, e fazer uma auditoria cidadã dessa dívida; pagamento de auxílio emergencial em valor compatível com a reprodução saudável da vida; testes massivos na população.

Por isso professores, aproveito o momento para pedir que unidos possamos debater esse e outros temas. Espero que nos debates da classe trabalhadora possamos criar ou aprimorar táticas para derrubar esse projeto de poder que está em curso.

 
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