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EDUCAÇÃO NA PANDEMIA
Infância e educação em tempos de coronavírus
Ana Dyonisio

Nesse momento de pandemia, o que estamos presenciando na educação do país e do mundo é a educação de forma remota, que não permite que essas habilidades, inclusive do diálogo com o outro, da resolução de conflitos, da noção de espaço sejam desenvolvidas ou estimuladas

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Alguns estados do país, mesmo com o avanço da pandemia do coronavírus, que até esta publicação somava mais 390 mil contaminados e de 24 mil mortes, já anunciaram, nesta semana, a retomada das atividades escolares. Dentre esses estados, estão o Rio Grande do Sul, em que o governador, Eduardo Leite, afirma que os alunos que não tenham aparelhos para fazerem as aulas na modalidade à distância - como notebooks, tablets e aparelhos celulares - ou acesso à internet, terão que retornar às aulas presenciais, expondo ao vírus as crianças e os jovens mais pobres, justamente os que já estão mais vulneráveis.

Mesmo sem data marcada para o retorno às aulas, o Distrito Federal já elaborou um plano de retomada das aulas presenciais e das aulas remotas ( o nome bonito para as aulas à distância). Dentre as medidas elencadas para o futuro retorno presencial, estão os tópicos: turmas reduzidas, por meio de ensino parcialmente presencial e parcialmente com o uso da tecnologia; distância social de 1,5m entre os alunos; uso obrigatório de máscaras; aferição de temperatura na entrada; higienização de calçados; horários específicos de entrada e saída. Se considerarmos a real situação de muitas escolas públicas no país, em que muitas vezes mal tem sabonete ou papel higiênico para as necessidades básicas de limpeza, imagine isso em uma situação em que são exigidos cuidados extremos.

O prefeito do Rio de Janeiro já apontou que as aulas podem ser retomadas no dia 1 de junho, de forma gradual, mesmo enquanto o estado do Rio de Janeiro é o segundo no ranking de contágio do país, com números crescentes. Tal notícia sofreu rechaço de várias organizações, inclusive do SEPE(Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) e, no mesmo dia, Crivella posta em sua rede social uma nota de esclarecimento dizendo que a matéria se tratava de uma fake news, o que também pode ser um sinal de seu alinhamento com Bolsonaro, em que lança uma notícia para analisar o comportamento das massas e, dependendo da resposta, para depois negar sua veracidade. Crivella inclusive, que junto o governador Witzel vem alimentando a rede de desinformações e são responsáveis junto com Bolsonaro pela situação calamitosa em que se encontra a saúde no Rio.

Enquanto isso, redes de ensino particulares e públicas, da educação infantil ao ensino superior, estão oferecendo a famigerada e paliativa educação à distância. No caso das públicas, com o governo pagando milhões às grandes empresas de televisão ou de internet, como a Google, em algo que, como já denunciamos aqui, estão repletos de problemas: alunos que não conseguem se conectar por diversos motivos, ou não entendem o conteúdo.

Todas essas situações, apesar de governadores e prefeitos tentarem se diferenciar da política negacionista de Bolsonaro, com muitos tentando parecer sensatos e com o pensamento focado na população, na verdade só escancara ainda mais o caráter excludente das aulas de EaD ou até presenciais durante a pandemia, em que o governo não está fazendo nenhuma medida efetiva no combate ao coronavírus, como testagem massiva, reconversão da indústria para a produção de materiais no combate à pandemia, dispensa remuneração de 2 mil reais aos trabalhadores não essenciais e àqueles que têm que cuidar de crianças ou de idosos.

A maioria dos cuidados domésticos não remunerados são de responsabilidade das mulheres, deixando a elas uma dupla jornada, as expondo mais aos riscos, além de serem as mulheres e, principalmente as mulheres negras, as responsáveis pelo trabalho remunerado que envolve os cuidados: como os de limpeza, na área da saúde e o próprio trabalho docente, principalmente o da primeira infância.

Uma das pautas da luta feminista (e com toda a razão) é a de escolas para todas as crianças, principalmente na modalidade creche, na educação infantil. Justamente porque as mulheres saem para o trabalho e precisam de um lugar confiável para que as crianças fiquem. Mas, eu acrescentaria, não é só de um lugar que tem que ser seguro e oferecer a alimentação adequada, mas que precisa ser um local em que elas tenham direito a uma educação que seja plena, que estimule e desenvolva todas as suas potencialidades.

É nessa lógica de que "as mães precisam trabalhar" que as escolas de educação infantil e de anos iniciais do ensino fundamental serão as primeiras a serem abertas e que obrigarão, justamente as camadas mais pobres, a enviarem suas filhas e filhos, que ficarão ainda mais expostos ao vírus, num modelo de educação que, se antes não era o mai adequado, agora vão se configurar como campos de concentração de crianças.

A aprendizagem, principalmente na educação infantil e nos anos iniciais no ensino fundamental, só acontece em diálogo com o outro. Esse outro, tanto pode ser o professor, como um adulto ou um colega mais experiente assim, a educação só se faz no convívio, no diálogo e na troca de conhecimento entre as partes. Nossa sociedade de classes praticamente ignora que o desenvolvimento emocional também é importante, tanto quanto o desenvolvimento das habilidades acadêmicas em si e, ao separar o fazer manual do fazer intelectual, esquece que é justamente na infância que o fazer com o corpo é essencial para a assimilação de conhecimento, o corpo vai criando um repertório mental de imagens, de palavras, de sons, de cheiros, de texturas etc. que serão cada vez mais ressignificados e transformados em conhecimento, para que essa criança se desenvolva e se expresse de forma cada vez mais autônoma.

Então, nesse momento de pandemia, o que estamos presenciando na educação do país e do mundo é a educação de forma remota, que não permite que essas habilidades, inclusive do diálogo com o outro, da resolução de conflitos, da noção de espaço sejam desenvolvidas ou estimuladas. Com a suposta retomada das aulas, até mesmo em tempos de crescente aumento de contágio e de mortes no país, toda a interação, desde a conversa, até as brincadeiras e brinquedos, compartilhamento de materiais lhes serão negados por um risco de saúde. Outro grupo que também será absurdamente prejudicado é o das crianças com alguma síndrome ou deficiência, que muitas vezes necessitam de apoio individualizado ou mediação para realizarem as tarefas, para se expressarem etc.

As crianças talvez sejam, em nossa sociedade, a parte mais vulnerável, já que são tuteladas pela família, pela sociedade e pelo Estado (exatamente nessa ordem em nossa Constituição). Mas, esse direito à infância, assim como qualquer direito burguês, é absurdamente seletivo e tem classe social e cor. Quem tem direito à infância? Aqui no Rio de Janeiro isso é muito gritante, com um exemplo bem claro e recente do assassinato de João Pedro, de 14 anos enquanto brincava em casa, e de tantas outras crianças, principalmente as negras, que não podem nem brincar em casa que a polícia entra, atira, mata e ainda sequestra o corpo e planta provas, escancarando que, no capitalismo, a vida de muitas pessoas são simplesmente descartadas desde o nascimento, sem direito a chegarem, sequer, na fase adulta.

Muito além de discutirmos como seria essa volta às aulas e essa retomada curricular que, sem em tempos da dita normalidade não eram necessários, imagine durante uma pandemia. As escolas deveriam servir enquanto local de discussão com toda a comunidade, tanto para ações emergenciais, como a entrega de cestas básicas, mas também para a discussão e difusão de dados corretos sobre a pandemia, para dialogar com aqueles que se sentem ou que estejam em situação de maior vulnerabilidade, fomentando a auto organização para uma futura sociedade a ser reconstruída, em outras bases.

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