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Das armas aos talões de cheque: projetos culturais da burguesia, do nazismo ao bolsonarismo
Fernando Pardal

O aparente paradoxo entre as duas formas dos nazistas lidarem com a cultura deve ser explicado: afinal, eles sacam suas armas ou dão prêmios aos artistas e representantes da cultura? Ora, depende de que cultura estamos falando, e essa reflexão é fundamental para entendermos que a arte – às vezes independentemente até mesmo da vontade de seus autores – toma partido.

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Ilustração: Bruno Portela

A arte submetida

“Quando ouço a palavra cultura, saco o meu revólver”. Essa frase passou à posteridade como se fosse de Joseph Goebbels, ministro da cultura e propaganda de Adolph Hitler. Não é, no entanto, de sua autoria, tendo sido atribuída frequentemente – também equivocadamente – a outros dirigentes nazistas, como Hermann Göring ou Heinrich Himmler. Mas a autoria da frase é do dramaturgo Hanns Johst, que a incluiu como uma fala na peça nazista Schlageter, encenada no mesmo ano de 1933 em que Hitler subiu ao poder, no aniversário de 44 anos do Führer e para celebrar seu triunfo. A peça tinha como intuito ajudar a consolidar a “mitologia nazista” em torno de Albert Leo Schlageter, militante nazista condenado à morte pelo exército francês por sabotagem e transformado, no culto nazista, no “primeiro soldado do Terceiro Reich”.

A frase, que em sua versão original é “Quando eu ouço cultura… eu tiro a trava de segurança da minha [pistola] Browning!” (“Wenn ich Kultur höre ... entsichere ich meine Browning!”), e sua posterior fama com a autoria deturpada, nos dá o que pensar; bem como a peça de Johst. Enquanto a peça faz parte da criação da ideologia de um “passado heroico” nazista, a frase se torna famosa por expressar de forma sintética e precisa um aspecto fundamental da ideologia nazifascista em sua relação com a cultura e a arte. Não à toa, pelos seus bons serviços prestados ao regime nazista, Johst foi recompensado em 1935 com os cargos de presidente da Câmara de Escritores do Reich (Reichsschrifttumskammer) e da Academia Alemã de Poesia (Deutsche Akademie für Dichtung), dois cargos de grande importância, e em 1944 foi declarado um dos mais importantes artistas do Reich na lista de Gottbegnadeten, um documento de 36 páginas escrito por Goebbels e Hitler para exaltar os “exemplares” artistas do regime nazista, que lhe conferiu também nessa ocasião o título de “Senador da Cultura do Reich” (Reichskultursenator).

O aparente paradoxo entre as duas formas dos nazistas lidarem com a cultura deve ser explicado: afinal, eles sacam suas armas ou dão prêmios aos artistas e representantes da cultura? Ora, depende de que cultura estamos falando, e essa reflexão é fundamental para entendermos que a arte – às vezes independentemente até mesmo da vontade de seus autores – toma partido.

São conhecidas, por exemplo, as exposições de “arte degenerada” que os nazistas organizaram a partir de 1933, e que reuniam um grande acervo de arte moderna. O objetivo dos nazistas era mostrar como as ideologias de esquerda, o comunismo, a socialdemocracia, e até mesmo o liberalismo, produziam uma arte “degenerada” (termo eugenista que tomaram da medicina do século XIX, e que serviu a seus propósitos de extermínio, para aplicar também aos artistas – não por acaso o mesmo termo foi apropriado pelo stalinismo). A ampla exposição pretendia mostrar aos cidadãos do Reich de Hitler qual era a arte que deveria ser banida pelas brownings e pelas fogueiras públicas onde ardiam os livros dos autores proibidos – a lista do catálogo da exposição incluía as vanguardas todas, passando pela Bauhaus, Cubismo, Expressionismo, Surrealismo, Dadaísmo, Impressionismo, etc. Além, é claro, de todas as obras de autores judeus ou comunistas. Paul Schultze-Naumburg, ideólogo da arte nazista, fazia palestras em que as obras de arte “degeneradas” eram comparadas a fotos de pessoas com deficiências físicas, procurando ressaltar a semelhança que os nazistas viam entre os seres humanos “degenerados” e a arte “degenerada”.

Bertolt Brecht, artista revolucionário – um dos tantos banidos, pelo exílio e pela proibição de sua arte – retratou com sua mordaz ironia o regime nazista e a censura da arte “degenerada”. Em seu poema “A queima de livros”, disse:

Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!

Contudo, não esqueçamos que o próprio Hitler era pintor, e frustrado por não ter reconhecido seu trabalho artístico, tendo sido recusado na Academia de Arte de Viena aos 18 anos. O “Pintor de paredes”, como jocosamente lhe apelidou Brecht. Era obcecado pelo músico antissemita Richard Wagner, tendo dito até mesmo que “Só entende o nazismo quem conhece Wagner”. Goebbels também escreveu um romance, poesia e peças de teatro, tendo inclusive – antes de sua conversão ao nazismo – enviado uma delas para a apreciação de Erwin Piscator, membro do Partido Comunista um dos grandes diretores do teatro épico.

A questão aqui é que, ao contrário do que diz certo “senso comum ilustrado”, a “cultura elevada” ou as “belas artes” não possuem um poder metafísico de nos tornar pessoas melhores, mais “humanas”, no sentido de possuir mais empatia ou sensibilidade com o próximo. A arte está situada, como tudo mais nesse mundo, na luta de classes. O crítico literário Terry Eagleton, ao debater essa concepção humanista presente em estudiosos ingleses da Literatura, disse: “Quando [...] as tropas aliadas chegaram aos campos de concentração para prender comandantes que haviam passado suas horas de lazer com um volume de Goethe, tornou-se clara a necessidade de explicações. Se a leitura de obras literárias realmente tornava os homens melhores, então isso não ocorria da maneira direta imaginada pelos mais eufóricos partidários dessa teoria.” (Teoria da Literatura: Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 53).

Brecht também explorou esse aspecto do regime nazista ao dizer no poema “Proibição da crítica teatral”: “O regime/ Ama o teatro. Suas realizações/ Situam-se principalmente no âmbito teatral./ Ao virtuosismo na manipulação do holofote/ Ele deve tanto quanto/ Ao virtuosismo na manipulação do cassetete” (Bertolt Brecht – Poemas 1913-1956, p. 205). A profundidade e importância da “estetização da política” do regime nazista foi analisada por Walter Benjamin, e essa relação também foi desenvolvida no documentário “Arquitetura da destruição”, de Peter Cohen.

Mas a subordinação da arte e sua instrumentalização como um eficaz instrumento de dominação e propaganda política não foi apenas utilizada conscientemente pelo regime nazista. Na Revolução Russa de 1917 ocorreu uma imensa libertação da arte, com os representantes da vanguarda construtivista/produtivista avançando incrivelmente em um período de poucos anos para questionar a separação da arte da vida (uma consequência da divisão social do trabalho entre “manual” e “intelectual” que é própria da sociedade de classes), e se esforçando conscientemente para fundi-la com o processo produtivo até mesmo dentro das próprias fábricas. Esse caminho emancipador foi esmagado com as botas de ferro da ditadura burocrática do stalinismo que, de maneira tragicamente semelhante ao nazifascismo, submeteu os artistas a serem seus lacaios ou sofrerem o degredo, a tortura e a morte – o que ocorreu a tantos, tais como o diretor teatral Vsevolod Méierhold (assassinado nas prisões stalinistas) ou o artista Vladímir Maiakóvski, que preferiu meter uma bala na cabeça do que se ver transformado em títere da burocracia. Como sintetizaram Leon Trótski e André Breton, “A arte oficial da época stalinista reflete, com uma crueldade sem precedentes na história, seus esforços irrisórios para dissimular e mascarar seu verdadeiro papel mercenário” (p. 194).

A arte mercantilizada

Em 1963, o cineasta Jean-Luc Godard, em seu filme “O desprezo” (Le Mépris), foi responsável por uma “atualização” da frase criada por Johst, em uma versão que é igualmente feliz em expressar o espírito da cultura na nossa sociedade capitalista: “Quando ouço a palavra cultura, saco o meu talão de cheques”. Se já nos anos 30 do século passado essa formulação, que expressa a mercantilização da cultura, seria plenamente verdadeira, é somente com a consolidação profunda da indústria cultural, no pós-segunda guerra, que ela se tornará universalmente válida. O capitalismo, com seu irrefreável ímpeto de transformar tudo o que toca em mercadoria, impôs um novo tipo de “ditadura” às formas artísticas: a ditadura do mercado. Venda-se ou pereça é a palavra de ordem para a arte sob a égide da sociedade do capital.

Se já no alvorecer da sociedade burguesa os autores do Romantismo denunciavam a mercantilização da arte, tentando resistir a esta com uma negação reacionária da “arte pela arte”, procurando resguardar o aspecto “sagrado” de seu fazer negando a ele qualquer conexão com a vida “mundana” concreta e real da sociedade, eles mal poderiam imaginar o advento de tamanho poder sedutor e irresistível do Capital para submeter seus descendentes. O “talão de cheques” dominou a cultura, e já nos anos 1930 Brecht via isso com clareza, ao observar como a Coca-Cola havia tomado as técnicas de coro do teatro épico para melhor vender seus produtos. Esse destino foi reservado a todas as formas artísticas subversivas e movimentos de contracultura que surgiram posteriormente, pois, tendo a propriedade privada permanecido como a base econômica da sociedade, nenhuma forma artística pode ser contestadora a ponto de não ser passível de se tornar uma mercadoria – livrando-a, é claro, de “excessos” indesejáveis.

No Brasil de Bolsonaro, ao ouvir a palavra “cultura”…

Ninguém poderá atribuir ao ex-capitão Jair Bolsonaro um apreço elevado ao papel ideológico da cultura, tal como se via no regime nazista, nem tampouco um projeto capitalista de fazer do Brasil a sede de uma indústria cultural capaz de gerar lucros bilionários ou impor uma hegemonia mundial à la Hollywood.

Contudo, nos tropeços de sua secretaria de cultura não podemos deixar de ver as influências destas duas vertentes – da cultura como propaganda ideológica reacionária e da cultura como negócio. Seu rebaixamento do papel institucional da cultura de Ministério a Secretaria mostra que não é por aí que Bolsonaro procura impingir sua ideologia às massas. Entretanto, não se poderá dizer que as igrejas evangélicas, Olavo de Carvalho, Steve Bannon, suas lives no Facebook e suas bravatas no Twitter, seus youtubers como Nando Moura e seus sites conspiracionistas como “universo paralelo”, e até mesmo os artistas que haviam aderido a seu projeto, como Lobão ou Roger, não tenham cumprido um papel importante – e até decisivo – de criar um “caldo de cultura” bolsonarista.

Os ataques à “ideologia de gênero” e ao “marxismo cultural” foram para a extrema-direita brasileira uma pedra-de-toque na política cultural como o combate ao “bolchevismo cultural” e às “artes degeneradas” o foram para a extrema-direita do século passado. A censura a peças e exposições com temática LGBT, feminista ou nudez; o simbólico apagamento do muro de graffiti da avenida 23 de maio; o desmonte da Ancine sob o pretexto de críticas moralistas como ao filme “Bruna surfistinha”; o aparelhamento da Funarte, entre tantos outros episódios, mostram que, se Bolsonaro e a extrema-direita brasileira não foram capazes de apresentar um projeto cultural e artístico hegemônico próprio, eles também nunca estiveram dispostos a deixar de intervir com sua ideologia nesse campo.

Entre os quatro secretários que passaram pela secretaria de cultura de Bolsonaro em menos de um ano e meio, podemos ver que o aspecto da censura é o mais consistente. Henrique Pires, jornalista ligado ao terraplanista Osmar Terra, que foi o primeiro a assumir a pasta, a deixou justamente por discordar desse ponto elementar. Após a suspensão de editais para produções televisivas com a temática de diversidade de gênero, Pires declarou: “Eu não vou fazer apologia a filtros culturais. Para mim, isso tem nome: é censura. Se eu estiver nesse cargo e me calar, vou consentir com a censura. Não vou bater palma para este tipo de coisa. Eu estou desempregado. Para ficar e bater palma para censura, eu prefiro cair fora.”

O substituto de Pires, Ricardo Braga, passou quase despercebido em seus dois meses pelo cargo, mas o fato de que um especialista em gestão de investimentos de bancos e corretoras tenha ocupado a pasta é bastante expressivo da vertente “talão de cheques” no governo Bolsonaro. Tentando finalmente dar algum projeto à cultura em seu governo, Bolsonaro indicou o arrivista Roberto Alvim, que de diretor de teatro “de esquerda” passou a ser um ferrenho ideólogo da extrema-direita, embarcando de mala e cuia no bolsonarismo e entrando na Secretaria de Cultura representando a ala que “saca a browning” ao ouvir a palavra cultura. Alvim, já como diretor da Funarte, havia dito querer fazer do órgão uma “máquina de guerra cultural” convocando “artistas conservadores” para se juntar a seu projeto. À frente da Secretaria, fez seu famigerado pronunciamento imitando Joseph Goebbels e defendeu um projeto de cultura “conservador e nacionalista”. A sua rápida queda após a repercussão do vídeo é mais uma demonstração de que para Bolsonaro o projeto de uma “máquina de guerra cultural” - ao menos nesses termos “clássicos” que propunha Alvim – não é uma prioridade.

A chegada de Regina Duarte, a “namoradinha do Brasil” dos anos da ditadura, filha de militar, latifundiária, célebre por sua performance dizendo “eu tenho medo” na propaganda eleitoral de Serra em 2002, e uma legítima representante do maior ramo da indústria cultural brasileira (as novelas da Globo), era uma clara tentativa de Bolsonaro de dar uma cara mais “popular”, mas não menos conservadora, à sua secretaria. A atriz global, que por mais de cinco décadas estrelou as produções da emissora que fez fortuna e cresceu sob as asas da ditadura civil-militar, fez jus a esse legado e – menos hipocritamente do que sua empregadora anterior – cantou alegremente um célebre hino de exaltação nacional do período, condenando os que “carregam um cemitério nas costas” lembrando dos mortos e desaparecidos da ditadura.

A despudorada face de uma elite escravocrata e racista secular se fez ver com o sorriso da “namoradinha” em sua entrevista à CNN. Mais uma vez, em meio a um cenário político para lá de convulsivo, Bolsonaro não estava disposto a comprar a briga de uma secretária tão secundária. E Regina Duarte foi “reacomodada” na Cinemateca, um tesouro nacional de valor inestimável que, sob Bolsonaro, virou um “prêmio de consolo” para secretários reacionários que descuidadamente disseram de maneira excessivamente despudorada o que pensam em cadeia nacional. Para substituí-la, está sendo cotado um nome semelhante, embora de menos prestígio: ex-global e bolsonarista inveterado Mário Frias.

Após a sua saída, Regina Duarte disse: “Amo meu país, sim, e tenho deixado isso sempre bem claro, a ponto de, numa recente entrevista à TV, ter cantado a conhecida marchinha dos anos 70, que fala de ‘todos ligados numa mesma emoção’. Nada a ver com defesa da ditadura, como quiseram alguns, mas com o sonho de brasilidade e união que venho defendendo ao longo de toda a minha vida”. Como se nota, o tema do patriotismo, em que possam pesar as nuances entre esse ou aquele representante da extrema-direita, é um ponto sempre em comum dos seus projetos culturais e ideológicos. A semelhança com o patriotismo que marcava também o realismo socialista stalinista não é mera coincidência. O culto à pátria é uma ferramenta de coesão ideológica de força imensa, com uma força conservadora pois sob a máscara da “nação” garante o “apagamento” de diferenças de classe, entre outras, justificando os “sacrifícios” em nome de um “bem maior”, etc. Como sintetizou recentemente o ministro da educação Abrahan Weintraub em suas declarações racistas, “só tem um povo nesse país. […] Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios.”

Frente à sucessão de secretários e ministros bolsonaristas, vem à mente outra sátira mordaz de Brecht, o poema “No nascimento de um filho”, que diz:

Famílias, quando lhes nascer um filho
Façam votos de que seja inteligente.
Eu, que pela inteligência
Arruinei minha vida
Posso apenas desejar
Que meu filho se revele
Parvo e tacanho.
Assim terá uma vida tranquila
Como ministro do governo.

Outro nome que mostra bem, talvez melhor do que seus secretários que não param mais do que alguns meses no cargo, qual é o ideal de cultura de Bolsonaro, é o de MC Reaça, funkeiro da extrema-direita, fã de Olavo de Carvalho, que se tornou famoso por cantar letras machistas com paródias de funks conhecidos, como a que diz “para as feministas ração na tigela”. MC Reaça cometeu suicídio em junho do ano passado, após ter espancado sua amante quando ela lhe disse estar grávida; um autêntico representante da “família tradicional brasileira”. Bolsonaro lamentou a morte em suas redes, dizendo que Reaça "Tinha o sonho de mudar o país e apostou em meu nome por meio de seu grande talento. Será lembrado pelo dom, pela humildade e por seu amor pelo Brasil”. A mulher espancada por Reaça, que não é mencionada por Bolsonaro, foi internada com ferimentos na face e no olho, e uma fratura no maxilar.

Como a arte pode respirar?

Se o ar fétido que respiramos nesse governo é absolutamente venenoso para a arte e a cultura, bem para como qualquer perspectiva de uma vida digna, não podemos idealizar ingenuamente “os velhos tempos” pré-Bolsonaro. Ironicamente, um dos motes da extrema-direita contra os artistas e setores ligados à cultura foi a crítica à suposta “mamata” da Lei Rouanet, que na visão delirante proposta pelo bolsonarismo traria “rios de dinheiro” para artistas parasitários viverem fazendo sua “ideologia de gênero” e seu “marxismo cultural”. Uma lei que, na realidade, foi a maior representante no Brasil de uma política de cultura ultraliberal, tratada como nada mais do que estratégia de marketing das empresas, que, por meio da renúncia fiscal tornaram-se mecenas, patrocinando projetos culturais a sua escolha e fazendo deles veículos de propaganda da sua “responsabilidade social”.

Muito diferente da “mamata” de artistas que a extrema-direita vê na Lei Rouanet, ela é justamente o “mundo dos sonhos” daqueles que, quando ouvem a palavra cultura, sacam seus talões de cheque, fazendo dela uma mercadoria de marketing cultural. Não à toa, a própria global Regina Duarte foi beneficiária da lei para fazer seus projetos. Os governos petistas seguiram nessa toada, mostrando que no “Brasil de todos” da política de conciliação de classes a arte e a cultura continuam servilmente sendo mercadorias nas mãos da burguesia.

Contra as “brownings” e os “talões de cheque”, que são tudo o que os capitalistas podem oferecer ao ouvir a palavra “cultura”, retomamos o que diziam Trótski e Breton ao afirmarem que “a arte não pode se submeter sem se rebaixar a nenhuma diretiva externa e cumprir docilmente os desígnios que alguns creem poder lhe impor com fins pragmáticos extremamente restritos. É mais valioso confiar no dom de prefiguração que é patrimônio de todo artista autêntico, que implica um começo de superação (virtual) das mais graves contradições de sua época e orienta o pensamento de seus contemporâneos rumo à urgência da instauração de uma nova ordem”.

A luta que se impõe a nós é para que ao ouvir a palavra cultura não se convoque a repressão nem os talões de cheque, mas sim a aspiração pela libertação humana de todos os grilhões que a submetem e castram seus sonhos mais audazes. Isso, no entanto, implica a “urgência da instauração de uma nova ordem”, em que a arte não será uma atividade para poucos, nem os desígnios de sua produção ou desfrute serão ordens ditadas por canalhas de plantão em governos reacionários ou departamentos de marketing de grandes empresas, mas sim o fruto da liberdade, da criatividade e do tempo ocioso e produtivo de cada trabalhador.

 
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