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PEÃO 4.0 | ECONOMIA
“Essa crise vai colocar uma tendência de ‘orientalização’ da classe trabalhadora”: entrevista com Daphnae Helena
Redação

“Essa crise na verdade, com toda a disputa que existe entre (...) empresas dos EUA com a China (..), vai colocar também uma tendência que poderíamos chamar de ‘orientalização’ da classe trabalhadora. Ou seja, aumentar os níveis de exploração da classe trabalhadora brasileira, em solo nacional, pra que essas empresas (dos EUA p. ex.) possam largar sua produção na China e virem para cá, produzir e retirar seus lucros aqui.”, afirma a economista Daphnae Helena em entrevista ao podcast Peão 4.0.

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“O custo extra pra deixar inalterado o salário dos trabalhadores seria igual a 0,2% do PIB. Isso significa muito menos do que o governo ofereceu pros empresários.”, afirma Daphnae Helena, em entrevista ao episódio n° 12 do podcast Peão 4.0, que reproduzimos abaixo. Na entrevista, ela discute sobre as MP’s que atacam direitos dos trabalhadores, com redução salarial em meio à pandemia, sendo antes um benefício aos empresários do que uma garantia de emprego à classe trabalhadora. A economista, formada pela Unicamp, aprofunda o verdadeiro significado destas MP’s e demonstra como o governo de Bolsonaro e Guedes estão se aproveitando deste momento de crise sanitária, devido ao avanço do coronavírus no Brasil, pra passar ataques mais brutais contra os trabalhadores, aprofundando a reforma trabalhista aprovada pelo governo golpista de Temer.

Peão 4.0: Oi Daphne, seja bem vinda aqui ao Peão. Acho que seria muito interessante a gente discutir qual que é o sentido que as MP’s tem do ponto de vista econômico nesse momento de crise. Elas de fato ajudam os trabalhadores? Na sua opinião essas MP’s ajudam mais os trabalhadores ou os grandes empresários?

Daphne: Então Bianca, muito importante essa pergunta, porque as MP’s foram feitas como um auxílio para os empresários pra facilitar a redução de custos das empresas. Como aliás a gente vem enxergando em diversas medidas do governo, desde o início da pandemia. Concedeu isenções fiscais, adiou a arrecadação de impostos, recentemente a partir da PEC do teto dos gastos, autorizou o Banco Central a comprar títulos privados das dívidas das empresas e do setor bancário. E quando nós olhamos pros trabalhadores, em contrapartida, o que a gente vê são 600 reais para os trabalhadores informais, quando a média salarial desse setor é de 1.500 ou 1.700 reais, ou seja, significa uma grande redução na renda desses trabalhadores, e que inclusive vem diversos relatos das dificuldades da obtenção desse auxílio. Por outro lado, no setor formal, que é composto predominantemente pela indústria e pelo setor de serviços, a gente vê que as MP’s vem justamente pra reduzir os salários. Existem inclusive algumas pesquisas que foram feitas por economistas do Centro de estudos de conjuntura economica da Unicamp, aonde mostram que a aplicação dessa MP, em particular a 936, que permite a redução da jornada de trabalho, de salários e a suspenção do contrato, pode significar até 28% de redução na massa salarial de todo o país. Quando pegamos os dados do DIEESE a gente enxerga que na verdade ocorre a redução dos salários da grande maioria dos trabalhadores ao mesmo tempo em que aumentou por exemplo no ultimo mês, 7% do custo da cesta básica, que foi pra 556 reais, e que o trabalhador remunerado com o salário mínimo gastaria 50% de sua renda com alimentos básicos. Um outro ponto interessante é que eles apontam que o salário necessário pra um trabalhador com uma família de 4 membros seria cerca de 4.300 reais. Assim nós vemos a distância que há nesse momento, em que existe uma pandemia, entre o que é entregue e o que é necesssário aos trabalhadores. Até mesmo numa questão de saúde por conta do COVID-19 , em que as pessoas deveriam estar se alimentando bem, descansando, tendo condições melhores pra inclusive fortalecer sua imunidade. E o que temos é uma política que ataca principalmente a classe trabalhadora. Então, pra responder mais diretamente a sua pergunta, essa MP vem sim pra beneficiar os empresários e não tem nada de ajuda para os trabalhadores.

Peão 4.0: O governo anunciou todas as medidas de proteção ao lucro das empresas, mas estas não são realmente capazes de pagar os salários dos trabalhadores afastados durante a pandemia?

Daphne: Essa questão é muito boa porque quando falamos de crise econômica a gente vê nos jornais, na mídia e em outros diversos setores, que as empresas vão fechar. Inclusive, com uma matéria recente falando em "morte de CNPJ", que essa crise vai levar à morte das empresas quando o país está batendo recordes de morte de pessoas e trabalhadores que estão na linha de frente do combate a pandemia, e inclusive de setores não essenciais da indústria que não precisariam estar funcionando, fazendo com que os trabalhadores fiquem expostos. Mas o que temos que colocar é que a questão da pandemia impacta de fato a produção. Mas uma coisa é impactar a produção em si, e outra é impactar os lucros da atividade da empresa, levar ela ao prejuízo num nível que tenha de fechar as portas. Faz muito tempo que as empresas brasileiras falam que estão em crise, inclusive essa foi uma das justificativas para serem votadas uma série de ataques aos trabalhadores, como a Reforma Trabalhista. Mas quando pegamos os dados nós vemos que as 500 maiores empresas lucraram em 2018, em relação ao ano anterior, 122% a mais. Então, quando as empresas começam a falar em crise econômica, os trabalhadores tem de olhar com muita desconfiança pra esses dados. Outro exemplo que deixa isso bem ilustrativo: saíram recentemente o balanço dos bancos brasileiros, e eles dizem que o lucro deles caiu. Porém, a queda desses lucros veio somente por conta de uma manobra contábil, aonde aumentaram o que seria uma espécie de poupança que se chama previsões. Eles aumentaram essa poupança pra momentos de instabilidade caso aconteça alguma coisa que não estava previsto na empresa. E como o cenário global é incerto, eles aumentaram essa poupança fazendo com que no balanço apareça uma queda na proporção de lucro. Mas é importante colocar que as empresas fazem uma série de manobras nos seus balanços, e é importante se atentar pro fato de que quando a empresa coloca que está tendo prejuízo, os trabalhadores também digam pra essas empresas abrirem seus cadernos de contabilidade pra que eles possam ver de onde vem essa crise. Por exemplo, o Valor econômico soltou uma matéria dizendo que 85% das empresas brasileiras conseguiriam arcar com 12 meses de salário com o dinheiro que elas já possuem hoje. E esse é mais um elemento que mostra como as empresas seriam capazes de pagar por esses salários. Temos também a própria ajuda que o governo vem dando com insenções fiscais e a possibilidade de crédito. Um último elemento que eu queria colocar, ainda em relação a MP 936, e que consta nessa nota técnica que eu citei anteriormente dos pesquisadores da Unicamp, é que o custo extra pra deixar inalterado o salário dos trabalhadores seria igual a 0,2% do PIB. Isso significa muito menos do que o governo ofereceu pros empresários. Esse elemento é muito importante pra mostrar que não necessariamente precisaria ter redução salarial, mas que se trata na verdade de uma política do Paulo Guedes e do Bolsonaro junto ao empresariado, de aplicar a redução de salário e a reforma trabalhista, aproveitando esse momento de pandemia, pra fazer mais ataques aos trabalhadores.

Peão 4.0: E sobre essa questão da Reforma Trabalhista, a gente vinha vendo as transformações e os ataques aos direitos dos trabalhadores, que já tinham como objetivo a flexibilização do trabalho, e as MP’s, como você demonstrou, também são bastante impactantes nesse âmbito. Na sua opinião essas MP’s vão no mesmo sentido da Reforma trabalhista? Ou até mesmo significa a aplicação dessa reforma na prática?

Daphne: Sim! Significa aplicar a reforma trabalhista. O governo e os empresários estão aproveitando esse momento de pandemia, esse momento de morte e sofrimento pra grande parte da população, pra aplicar a flexibilização tanto da jornada quanto do salário e retirar direitos. Ataques que numa situação "normal" não seria tão fácil pra ser aplicados. Isso inclusive era uma contradição da reforma, pois uma coisa é a reforma ser votada e aceita pela lei, e outra coisa é ela ser implementada no chão de fábrica, nas empresas, no setor de serviços, mas em particular na industria que tem um elevado nível de sindicalização e uma organização importante da classe trabalhadora brasileira. Ou seja, eles estão aproveitando esse momento justamente pra aplicar de forma mais contundente a reforma trabalhista. E outro ponto que também é importante colocar aqui, em relação a crise econômica posterior a pandemia, é o fato de que o Brasil tem um parque industrial muito importante, sendo o 9° maior parque industrial do mundo. Algo muito importante, principalmente pras grandes empresas, quando falamos do discurso de crise desses setores, porque não estamos falando do pequeno empresário ou do dono de um comércio, nós estamos falando das grandes multinacionais, das automobilísticas, de grandes empresas de diversos setores que produzem até mundialmente. E essa crise na verdade, com toda a disputa que existe entre empresas de capital europeu, empresas dos Estados Unidos com a China , que é aonde a maioria das mercadorias hoje são produzidas, vai colocar também uma tendência que poderíamos chamar de “orientalização” da classe trabalhadora. Ou seja, aumentar os níveis de exploração da classe trabalhadora brasileira, em solo nacional, pra que essas empresas (dos EUA por exemplo) possam largar sua produção na China e virem para cá, produzir e retirar seus lucros aqui. Então eu acho que esse é um elemento bem importante pra gente pensar, porque não é uma questão contingencial esses cortes por conta da pandemia, mas também há a possibilidade de surgirem ataques muito poderosos contra a classe trabalhadora, inclusive nesse cenário pós pandemia, com todas essas questões que eu coloquei é importante remarcar que essas medidas de flexibilização se tratam apenas de um ensaio daquilo que vai se tornar a realidade dos trabalhadores se não houver uma resistência da classe frente a isso. Um último elemento, pra terminar, bem importante, é que todos esses auxílios que estão sendo feitos aos empresários, vai significar depois o aumento do endividamento do Estado. E se a gente for lembrar de qual era a principal justificativa que deram pra Reforma da previdência por exemplo, vinha do endividamento do Estado, falsa justificativa, mas diziam que o Estado não tinha dinheiro, etc. É fundamental colocar isso porque o projeto que existe da burguesia, dos governos, dos empresários, é que os trabalhadores paguem duplamente por essa crise. Primeiro com a redução dos salários e depois com o Estado cortando direitos, como da educação, da saúde, de investimento, e outros como da previdência, pra deixar o lucro intacto dos bancos nacionais e internacionais, que já recebem um rio de dinheiro a partir do pagamento da dívida pública do país.

Confira o episódio completo “MP 936: a covarde Reforma Trabalhista em plena pandemia” do podcast Peão 4.0!

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