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SAÚDE
Por que a saúde deve ser um sistema único e controlado pelos trabalhadores?
Amanda Navarro

O colapso na saúde torna-se cada vez mais evidente. Sem leitos com respiradores, falta de testes massivos e profissionais infectados pela COVID-19, sendo mais de 70 trabalhadores da saúde vítimas da doença, a pandemia avança no país. Porque defendemos um sistema de saúde único, centralizado e sob controle dos trabalhadores?

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Hoje contabilizamos mais de 8.600 mortos pela COVID-19. O que pode parecer somente um número, na realidade, são milhares de famílias, trabalhadores, idosos, mas também jovens, que morrem todos os dias e que levam consigo a marca do descaso dos governos e da ganância dos capitalistas. Com mais de 128 mil casos confirmados, ainda que devemos remarcar que há uma imensa subnotificação, já que nenhum governo está implementando testes massivos na população, o Brasil avança para um colapso do sistema de Saúde.

A COVID-19 escancarou a miséria que o capitalismo impõe aos trabalhadores e aos mais pobres. É inegável que o antagonismo entre “vidas e lucro” se tornou mais claro, e com ele, o antagonismo de classes por trás disso. Enquanto uma ilha de ricaços em Miami é capaz de garantir testes em todos seus habitantes, no Sudão do Sul, com uma população de 12 milhões, existem apenas quatro respiradores e 24 leitos de UTI.

No Brasil, 4 estados e 8 capitais já estão perto de atingir a capacidade máxima de leitos e todos os dias notícias mostram que o caos avança, principalmente no Norte e Nordeste do país, com pessoas invadindo hospitais em Belém e corpos se amontoando em contêineres e ruas do Rio de Janeiro.

Bolsonaro, diante dessa brutalidade que vem levando a óbito milhares de pessoas, só pode responder: “e daí?”. Seu negacionismo, um dos poucos presidentes que segue nesta linha abjeta, carrega em suas mãos as milhares de famílias desfeitas pela COVID-19. Por outro lado, falando demagogicamente pela vida, estão governadores, como Witzel, que orientou policiais a “atirarem na cabecinha” e chegou até mesmo a propor que infectados fossem colocados em navios; Doria, que orientou a PM de SP a desocupar e reprimir famílias em locais de ocupação em SP em meio a pandemia que tem na capital paulistana o epicentro do país; Maia e Alcolumbre, maestros da aprovação da reforma da previdência que seguem preparando pacotes imensos de ataques e ajustes.

Tudo isso nos leva a uma pergunta: então, como estar pela vida? Em quem podemos e devemos nos apoiar? O que devemos fazer para erguer um sistema de saúde capaz de responder a altura a crise da COVID-19?

Desde que o novo coronavírus chegou no Brasil, muitas especulações sobre como isso impactaria o SUS começaram por parte de médicos famosos e até mesmo de um jovem que se tornou referência neste tema, Atila Iamarino. O que especulávamos, agora se trata de um problema concreto. Leitos ocupados, hospitais de campanha, falta de testes massivos e até sequestro de cargas de respiradores pelos EUA já nos mostraram que os governos e os capitalistas são incapazes de responder à crise que está colocada.

O SUS é fruto de uma das maiores batalhas da classe trabalhadora com setores da população por um direito elementar. Durante décadas, a luta pelo direito à assistência em saúde gratuita foi pauta no Brasil, e somente na década de 90 algo foi concebido. Nascido na constituinte de 88, o SUS também carrega com ele as marcas de uma redemocratização pactuada entre burgueses, políticos e militares, que, com ajuda da burocracia sindical, foi responsável por desviar o ascenso revolucionário dos trabalhadores impedindo que acabassem com suas próprias mãos com o nefasto período da ditadura militar.

O SUS, ao lado da reforma agrária, era uma das maiores demandas da classe trabalhadora e do povo. Na teoria, universal, integral e equânime, a marca que trouxe de nascença foi a incorporação da saúde suplementar (privada) como “auxílio”, já que burgueses, militares e políticos “previram” a incapacidade do Estado arcar com este direito. A sonhada participação popular na gestão da saúde e de suas verbas foi reduzida a conselhos de saúde, que contemplam poucos usuários e trabalhadores da saúde, e majoritariamente médicos-burgueses e empresários do ramo.

Nascido assim, o SUS foi subfinanciado em todos os governos, inclusive nos governos conciliadores do PT, tanto de Lula quanto de Dilma. Dilma Rousseff, que nunca foi capaz de enfrentar os interesses religiosos da bancada da bíblia, e em nome da governabilidade não garantiu o direito ao aborto, por exemplo, também foi responsável pela implementação da Lei 13.097, que garantiu a abertura do mercado brasileiro aos maiores monopólios privados da saúde, até então impedidos de entrar no país. Essa lei permitiu a entrada da United Health, uma das maiores empresas de planos de saúde do mundo, que engoliu as pequenas empresas, entre elas a Amil, e consolidou sob o nome desta um dos maiores monopólios de planos de saúde no Brasil. A mesma Amil que possui planos populares em parceria com a CUT, a maior central sindical do Brasil, e a UNE, a instância máxima de organização dos estudantes.

Mesmo essa abertura não foi o suficiente para a burguesia imperialista, que, com o golpe de 2016, passou a implementar um verdadeiro projeto não só de sucateamento, mas de desmonte e privatização do SUS. Sob o governo ultrarreacionário do filho indesejado do golpe, Jair Bolsonaro, vemos centenas de trabalhadores e pobres, os que mais dependem do SUS, morrendo, literalmente, nas portas de hospitais. Em diferentes estados, as Organizações Sociais (OS) de Saúde, uma das principais ferramentas para iniciar a privatização dos aparelhos de saúde, tomam o país, deixando trabalhadores sem salário e usuários sem direito à assistência digna.

É neste cenário que precisamos ressaltar: defender o SUS é um dever de todos aqueles que se dizem de esquerda, marxistas e revolucionários. Entretanto, a sua defesa tal como é, partindo da trajetória que nos trouxe até aqui, ainda se demonstra insuficiente. É preciso batalhar por um Sistema Único de Saúde verdadeiramente universal e que seja controlado pelos trabalhadores.

É nesse sentido que devemos batalhar para que todos os hospitais e laboratórios privados sejam estatizados, sem indenização aos capitalistas, e centralizados nas mãos dos trabalhadores da saúde e dos usuários. É preciso pegar de volta das mãos dos capitalistas tudo aquilo que nos roubaram e colocar a serviço das vidas, e a única classe capaz de fazer isso são os trabalhadores. Organizados por local de trabalho, os trabalhadores da saúde hoje sabem, de cabo a rabo, tudo que é necessário para enfrentar a pandemia de COVID-19 e nossos heróis, desarmados, morrem aos montes pelo mundo sem EPIs e condições mínimas de trabalho. Sob jornadas intensas, muitas vezes pulando de plantão em plantão, são os trabalhadores que podem responder onde e como localizar cada contratação massiva de profissionais da saúde que deve ser feita de imediato.

A pandemia mostrou que o mundo não funciona sem os trabalhadores, e os hospitais e laboratórios não são diferentes. Enfermeiros e técnicos de enfermagem, bem como setores administrativos, nutricionistas, médicos, biomédicos, farmacêuticos e trabalhadores da limpeza são parte do corpo de trabalhadores que fazem a assistência em saúde existir. Todos os processos e medidas necessárias para garantir o funcionamento dos aparelhos de saúde, como tomar decisões acerca da quantidade de trabalhadores em cada setor ou dos aparatos médico-farmacêuticos necessários para garantir o melhor atendimento devem estar nas mãos daqueles que fazem com que tudo funcione.

A saúde nas mãos dos capitalistas é uma mercadoria. Essa palavra de ordem usada em atos e discursos não é só uma frase, mas mostra o verdadeiro conteúdo e o caráter de classe que também permeia a saúde. Em meio à pandemia, empresas lucram bilhões com a COVID-19; A Bayer, uma das principais indústrias farmacêuticas do mundo, aumentou em 20% seus lucros, chegando a R$ 22 bilhões no 1° trimestre. Testes e vacinas estão nas mãos dessas mesmas empresas, e são mercadorias para lucrar com as nossas vidas.

E como impor que o controle esteja nas mãos de quem pode e deve defender a vida, verdadeiramente? Trabalhadores do mundo têm mostrado sua indignação com a miséria imposta pelo capitalismo que se escancarou com a pandemia. Filha desse sistema, essa pandemia mostrou que temos uma importante batalha para travar: trabalhadores contra a ânsia de lucro dos capitalistas. Na Itália, greves espontâneas de trabalhadores estouraram contra as condições de trabalho; aqui no Brasil, perto de nós, trabalhadores do Hospital Universitário da USP realizaram dois atos pelo direito de terem máscaras, EPIs para trabalhar, testes e dispensa aos que pertençam a grupos de risco. É com a força da classe trabalhadora, que segue em seus locais de trabalho, que devemos nos apoiar.

Para garantir leitos com respiradores, máscaras e EPIs adequados para os trabalhadores da saúde, contratação de profissionais, treinamento de estudantes da saúde de anos finais para atendimento da população e testagem massiva, é preciso centralizar todo o sistema de saúde sob o controle dos trabalhadores e extinguir o pagamento da dívida pública, bem como taxar as grandes fortunas. Somente com a taxação das grandes fortunas no Brasil, obteríamos 271 bilhões de reais, o suficiente para garantir 169,3 milhões de diárias de leitos de UTI. A dívida pública, um dos mais importantes mecanismos de roubo das nossas riquezas, e ferramenta que nos subordina aos países imperialistas, devora dos nossos bolsos direto para os banqueiros cerca de 1 trilhão por ano.

Não é possível confiar em Bolsonaro, capacho de Trump, para responder às nossas necessidades mais urgentes. Também não é possível confiar nos governadores, STF, militares e no Congresso, que levam a cabo um projeto de reformas e ajustes que destroem direitos em nome dos lucros dos empresários. A saída para a crise econômica capitalista, que foi ainda mais desnudada pela pandemia de COVID-19, repousa sobre as mãos e a força dos trabalhadores, com um programa que se proponha a jogar a conta dessa crise nas costas dos capitalistas, e que os faça pagar cada um de nossos mortos.

 
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