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OPINIÃO
Jeff Bezos: uma monstruosa fortuna que confirma que Marx... tinha razão
Eduardo Castilla

Por trás do homem mais rico do mundo, não há apenas uma "grande estratégia de negócios". Existem doenças, perseguição sindical e falta de direitos trabalhistas. Nesta semana, os trabalhadores da Amazon entraram em greve novamente.

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Um 13 seguido de nove zeros. Quanto é US $ 13 bilhões? Os números são infinitos. Um enigma para a grande maioria dos mortais. Quantos pacotes de fralda essa quantia equivale? Quantos quilos de macarrão? Quantos litros de leite? O número, desmesurado, perde-se em si mesmo. E, no entanto, é apenas um décimo da fortuna total de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo.

Na última semana, o magnata norte-americano acrescentou esse valor a seus cofres, totalizando US $ 145 bilhões em seu nome. Um número absurdo que é quase a metade de tudo (sim, tudo) o que a economia argentina produz em um ano.

Esses US $ 13 bilhões que parecem não aceitar medida, nem mesmo para o padrão de "vida cotidiana" de Bezos. Tal montante dá e sobra para ele comprar dezenas de vezes seu apartamento de três andares em Manhattan, avaliado em cerca de 17 milhões de dólares. Ou suas casas em Beverly Hills, pelas quais pagou US $ 36 milhões. Ou aquela em Washington DC, com 2.500 M2 e estimada em US $ 23 milhões. Ou seu jato particular Gulfstream G650ER, que custou US $ 65 milhões. Sem mencionar a Lamborghini Veneno, pelo qual ele pagou nada mais nada menos que US $ 5,4 milhões.

Lamborghini Veneno. Hoje avaliada em US $ 6,1 milhões

Os números são socos nas nossas caras. Eles apenas confirmam a profunda e cruel desigualdade que atravessa o globo. Nesse carrossel de cifras caóticas surge outra: 26,5 milhões. Nem dólares nem mansões. Pessoas. Um tsunami humano procurou o auxílio desemprego no mesmo país - EUA. Sob os golpes da crise econômica e da saúde, o sonho americano é comprimido até se tornar privilégio de poucos.

Nesse sonho, vive a figura de Jeffrey Preston Jorgens. "Empresário" de sucesso, filantropo moderado, apaixonado pela ciência e exploração espacial. Símbolo das virtudes de um capitalismo capaz de dar o sucesso para quem luta por ele.

Nos contornos da vasta crise sanitária, econômica e social, a riqueza de Bezos cresce. A Amazon, sua principal empresa, é quem faz a ponte entre uma multiplicidade de mercadorias e milhões de pessoas fechadas em suas casas.

Mas são centenas de milhares de mãos precarizadas que movem cada remessa. São os corpos dos trabalhadores exaustos que atravessam distâncias impossíveis em tempos tão conturbados. Bezos sabe disso. Ele confessa. Em tempos de pandemia, ele se refere a seus e suas empregadas como "heróis que ajudam as pessoas a obter os produtos que necessitam, entregues à sua porta (...) ao mesmo tempo que mantém o distanciamento social". Ele se obriga a dar uma cota de demagogia, uma porção de acting destinada a "mostrar gratidão" àqueles que são a estrutura viva do império de Bezos.

Mas o "empreendedor" baseia seu sucesso em uma fórmula tão antiga quanto a exploração burguesa: o capital existe para - nas palavras de Marx - sugar até a última gota possível de trabalho vivo [1]. A classe trabalhadora vê suas energias sugadas. Observa suas veias translúcidas. Sente no corpo um cansaço que nasce dos músculos e da consciência. Um cansaço alimenta ódio.

A precarização do trabalho é a fórmula (nada) mágica que torna possível as mansões de Jeff. Os limites da organização sindical são o que permite o empreendedor de desfrutar de uma praia particular de 200 metros no estado de Washington.

De tempo em tempo essa realidade é desvelada ao mundo. Em 2014, a Confederação Internacional dos Sindicatos consultou seus filiados. Forçados a fazer uma escolha difícil, eles tiveram que determinar quem é o pior empregador do mundo. Apesar da competição ter sido muito acirrada, o prêmio foi para o dono da Amazon.

Em 2018, sua prática antissindical floresceu aos olhos do mundo. Um vídeo institucional interno vazou para a mídia. Lá, a gerência sugeriu uma bateria de ideias para combater a organização dos trabalhadores. Em uma confissão quase pecaminosa, ele declarou: "Nosso modelo de negócios é baseado na velocidade, inovação e obsessão do cliente, e esse tipo de coisa normalmente não está relacionado aos sindicatos".

A única relação lógica é direcionada à possibilidade de interromper o fluxo de mercadorias para exercer o direito ao protesto. "Velocidade" e "inovação" são apresentadas aqui como negações robustas a qualquer direito trabalhista.

O "modelo Amazon" foi queimado sob o olhar público. Um repórter do jornal britânico The Sun informou que os funcionários sofriam penalizações pelo "desperdício de tempo" que era ir ao banheiro. Em um depósito enorme, que abrigava 1.200 trabalhadores, tinha apenas dois banheiros. A contracapa era a degradação humana: trabalhadores forçados a urinar em garrafas para não sofrer sanções.

Sob a ditadura do lucro capitalista, cada segundo desperdiçado é igual a uma perda [2]. Em todo momento em que a exploração é suspensa é uma afronta ao valor sagrado da acumulação. A aceleração do tempo de produção e transporte implica a compressão de outro tempo: o do descanso dos trabalhadores, o da recuperação da fadiga. O "modelo Amazon" segue os padrões de conduta empresária das últimas décadas [3]. A "chave do sucesso" reside em aniquilar a vida do trabalhador com o objetivo de aumentar o capital e, consequentemente, a fortuna individual.

Nesse assédio constante às condições de vida profissional, a Amazon não mediu esforços para impedir a organização sindical. Nesta semana, revelou-se que a rede Whole Foods usa um mapa de calor para vigiar as lojas onde a possibilidade de sindicalização é maior.

O sistema - uma espécie de cópia da mecânica orwelliana de 1984 - define uma série de registros que incluem fatores de "risco externo", "riscos do mercado" e o "sentimento de membros de uma equipe". Como se o século XX não tivesse passado, o segundo item se inclui, por exemplo, um "índice de diversidade" relacionado à diversidade racial e étnica em cada estabelecimento.

Esse olhar vigilante rastreia todas as tentativas de resistência ao poder do capital. Por trás do mecanismo administrativo de vigilância, os interesses de Jeff Bezos, o homem e a personificação concreta do capital e seus interesses materiais, são erguidos.

Essa busca incessante pelo lucro determina tanto a gestão empresarial diante da pandemia quanto, logicamente, a resistência trabalhadora que emerge. O homem mais rico do mundo se recusa a perder o pódio. Escolhe sacrificar a saúde e a vida dos trabalhadores em prol do lucro. No protocolo implantado diante do coronavírus, é relatado que "se as pessoas estiverem com febre", será solicitado a elas "ficar em casa e voltar ao trabalho quando não tiverem mais febre por pelo menos três dias". Expondo milhares de trabalhadores ao contágio, o "moderno" Jeff Bezos está muito próximo de seus colegas exploradores nos chamados países em desenvolvimento.

Essa arrogância obscena do capital nutre suas raízes nas profundezas do próprio modo de produção. Karl Marx, aquele imenso pensador e revolucionário que nesta semana arrepiou os pelos dos gorilas liberais argentinos, o fez há um século e meio.

"Em seu impulso cego e excessivo, em sua fome canina devoradora do trabalho excedente, o capital não apenas rompe as barreiras morais, mas também rompe as barreiras puramente físicas da jornada de trabalho. Usurpa do trabalhador o que seu corpo precisa para crescer, se desenvolver e se manter saudável. Ele rouba o tempo necessário para assimilar o ar livre com a luz do sol. Ele rouba o tempo destinado às refeições e o incorpora, sempre que possível, no processo de produção (...) o capital não quer saber do limite de vida da força de trabalho. O que lhe interessa é, única e exclusivamente, o máximo de força de trabalho que pode ser mobilizada e posta em ação durante uma jornada. E, para atingir esse desempenho máximo, não há problemas em abreviar a vida da força de trabalho”[4].

Somente cegueira obtusa ou um cinismo militante poderiam ver uma causalidade. As palavras, nascidas em 1867, gozam de uma vitalidade que deve ser invejada por uma multiplicidade de teorias sociais nascidas nas últimas décadas.

Mas a ganância empresarial não é inofensiva. Não é inconsistente. A semana que terminou testemunhou uma nova greve na Amazon. Uma ação coordenada que atingiu mais de 70 instalações em todo o país e passa a fazer parte de um ciclo mais geral de lutas, que atravessa o território governado por Donald Trump.

Diante do poder do capital, começa a erguer-se o poder da classe trabalhadora, aquela que move as alavancas da economia. Aquela que embala e transporta as mercadorias que enriquecem Jeff Bezos. A partir dessa posição estratégica, contabiliza uma força essencial para os confrontos que virão.

À medida em as certezas e os sentidos rangem, o espectro da luta de classes começa a ganhar corpo. À luz das tensões que atravessam o mundo, os fantasmas que o liberalismo tentou conjurar, voltam a iluminar a cena.

Notas

[1] “El capital es trabajo muerto que no sabe alimentarse, como los vampiros, más que chupando trabajo vivo, y que vive más cuanto más trabajo vivo chupa” (El Capital, Tomo I. P. 179. FCE).

[2] “El capital constante, es decir, los medios de producción, no tienen, considerados desde el punto de vista del proceso de incrementación del capital, más finalidad que absorber trabajo, absorbiendo con cada gota de trabajo una cantidad proporcional de trabajo excedente. Mientras están inmóviles, su simple existente implica una

 
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