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EDITORIAL MRT
Qual o papel da esquerda diante da crise sanitária e política no Brasil?
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED
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A última semana foi marcada por uma nova escalada reacionária do bolsonarismo. Depois de se enfrentar com os governadores atacando as medidas de isolamento social, Bolsonaro se viu obrigado a aceitar o peso dos militares no controle do combate à epidemia e do que chamamos de bonapartismo institucional, ou seja, toda a ala do regime que quer manter os ataques aos trabalhadores, mas sem violar todas as orientações sanitárias, como faz Bolsonaro. Com a ida à manifestação do último domingo Bolsonaro mostrou uma tentativa de "reequilibrar" o jogo político para reafirmar seu peso e se firmar com sua base olavista, porém, seus objetivos não foram alcançados já que moveu uma base muito pequena nas ruas e menor que outros momentos nas redes. Ainda assim sua atitude foi suficiente para jogar mais lenha na fogueira da crise política aberta no país.

Com quase 3 mil mortes no Brasil o país começa a entrar nas semanas mais decisivas da pandemia, sem nenhum plano para a efetivação de testagem massiva na população, e sem nenhum setor que aponte para a contratação de todos os trabalhadores da saúde disponíveis, garantia de todos os equipamentos de segurança e a necessária centralização do sistema de saúde no Estado, e sob controle dos trabalhadores. Essas medidas elementares deveriam estar acompanhadas de um plano de guerra também contra os efeitos da crise econômica na classe trabalhadora, sabendo que serão os trabalhadores terceirizados, precários e informais os que mais sofrerão com essa situação. Contra toda a burocracia para receber o auxilio emergencial, este valor deveria ser de R$ 2 mil para cada trabalhador sem renda e desempregado e, combinando a isso, a proibição de todas as demissões.

Tais medidas de emergência terão que ser impostas pela organização dos trabalhadores, partindo daqueles que não podem fazer a quarentena, como os serviços essenciais e outros que seguem trabalhando mesmo sem ser serviço essencial. Nesse sentido é exemplo a manifestação dos trabalhadores do Hospital De Pronto Socorro Mário Pinotti, em Belém, que ilustra este editorial. Também os metroviários de São Paulo, que impulsionam uma campanha por testes massivos e EPIs para efetivos e terceirizados. Outro exemplo é o ato que ocorrerá nesta quinta (23) às 12h30 no Hospital Universiário da USP, convocado a partir do Conselho Diretor de Base do Sintusp, exigindo testes, EPIs, mais contratações e liberação de todos os grupos de risco. Para cercar de solidariedade os trabalhadores convocamos, a nível nacional, um twittaço para o horário do ato com a hashtag #HUdaUSPemLUTA. Chamamos toda a esquerda e os movimentos sociais a se somarem neste twittaço, fazendo com que esta ação alcance trabalhadores da saúde e de outros setores essenciais em todo o país.

Para além das medidas de emergência, que só serão impostas mediante o desenvolvimento massivo da organização dos trabalhadores, há um debate em curso no país sobre o "sumiço" da esquerda e da oposição. Muitos que falam disso estão se referindo ao PT que está impressionando pela sua ausência no cenário político nacional, com Lula voltando da quarentena para declarar que é preciso que Bolsonaro saia do poder, mas somente alguns dias depois que o PT havia se definido contrário à palavra de ordem "Fora Bolsonaro". Não obstante, ontem a bancada federal do PT se reuniu junto a Lula e votou outra posição, chamando o Diretório Nacional a rever essa decisão, chamando a lutar pelo "Fora Bolsonaro". Mas ainda se mantém o setor do PT, particularmente ligado aos governadores, contra essa linha. Fazem uma espécie de “divisão de tarefas”, se ligando aos setores populares que querem o Fora Bolsonaro, por um lado, mas por outro seguindo seu papel de sustentáculo da busca de uma estabilidade com Bolsonaro num governo com cada vez mais peso dos militares como árbitros.

O fato é que o PT não somente atua com uma política de completo abandono dos trabalhadores a partir dos sindicatos que dirige - toda a burocracia sindical da CUT e também da CTB estão em plena quarentena protegidos em suas casas - como também a partir dessas entidades estão clamando para que sejam Rodrigo Maia e os governadores que assumam o controle do país. Neste cenário se fortalece, portanto, a busca por uma "frente amplíssima" para tirar Bolsonaro do poder. Essa frente seria a expressão de "deixar pra trás as diferenças" e se unir para "o bem do país". Só que não se trata disso: se trata de colocar o país nas mãos de outros setores golpistas, que igualmente nos atacam, com um discurso “racional” frente à pandemia, deixando os trabalhadores sofrendo as consequências sanitárias nos seus locais de trabalho, e as consequências econômicas com demissões e cortes de salário.

Neste processo a esquerda de fato, que tem posições políticas independentes do PT, está dividida. No próprio PSOL as correntes majoritárias, com mais peso na Executiva Nacional, se aproximam mais da política do PT de apoiar "qualquer tipo de saída institucional" agitando a palavra de ordem Fora Bolsonaro sem apresentar nenhuma medida de organização dos trabalhadores, e sequer apontando qualquer contradição da política de abrir espaço para Mourão. Mas isso não surpreende, pois este setor foi o que assinou, junto com o PCB, PT e partidos burgueses, um manifesto pedindo que Bolsonaro renuncie e colocando um programa de exigências a um governo Mourão.

Nossa opinião como MRT é que o conjunto da esquerda que se reivindica socialista e revolucionária deveria se negar a ter uma política que abre espaço para Mourão. Por isso, consideramos positivo todos aqueles setores que adotam a consigna de “Fora Bolsonaro-Mourão” na sua agitação e consideramos que devemos construir uma unidade ao redor desta consigna, dentro da qual cada um pudesse defender a sua perspectiva de como isso se daria, pois sabemos das diferenças neste terreno.

Nesse sentido, consideramos equivocada a política do MES (PSOL) de colocar o centro na política de impeachment de Bolsonaro, seguindo sem questionar o problema grave de que é uma política que, na prática, abre espaço para Mourão e um governo ainda mais diretamente militarizado. A este manifesto pelo impeachment encabeçado pelo MES, infelizmente, se somaram inclusive setores do Bloco de Esquerda Socialista do PSOL e o PSTU, o que nos parece uma contradição com a agitação correta que vêm hierarquizando de “Fora Bolsonaro-Mourão”. No caso do PSTU, inclusive fez um chamado recente à uma campanha de massas por essa consigna, o que consideramos uma proposta importante que deve ser levada adiante.

A Resistência (PSOL) se aproxima da linha da maioria da direção do PSOL, mas não deixa clara sua proposta. Por um lado, solta um artigo onde defende o Fora Bolsonaro “por qualquer forma jurídico-política disponível”. Por outro, um artigo em que Valério Arcary diz que "não há qualquer possibilidade, neste momento, de avançar um pedido de impeachment", ainda que "Por outro lado, hipoteticamente, sim, um impeachment de Bolsonaro seria melhor que Bolsonaro no poder. Mesmo que na forma limitada de um impeachment. Mesmo que fosse uma operação política "pelo alto". Mesmo nos limites do rito constitucional que entrega a Presidência a Mourão. Mas esta linha não é possível". Não poderia estar mais claro o erro dessa posição em que o "mal menor" pode vir de uma operação pelo alto que entregue o governo o general que começou o mês celebrando o golpe militar que "derrotou a ameaça comunista".

Nosso chamado é a que a esquerda que se reivindica socialista e revolucionária rompa com todas as políticas que levam Mourão à presidência, como a renúncia e o impeachment, para unificarmos os setores o mais amplos possíveis ao redor da consigna “Fora Bolsonaro e Mourão”. Isso criaria a possibilidade de um pólo da esquerda levantando uma posição política mais correta e independente não somente do PT, mas do conjunto do "bonapartismo institucional" como Rodrigo Maia, STF e governadores.

No marco dessa unidade, cada setor defenderia sua perspectiva, como nós do MRT que levantamos “Fora Bolsonaro, Mourão e militares”, defendendo que seja, de fato, o povo que decida, sem nenhuma ilusão que alguém irá resolver por nós a crise que vemos no país. É por isso que a partir do Esquerda Diário e o MRT estamos levantando a necessidade de batalhar pela organização dos trabalhadores para impor medidas de emergência, como apontamos no início, diante da pandemia, mas também lutar por uma nova Constituinte, que seja livre e soberana. Toda vez que alguém aponta esta saída como impossível reafirma a perspectiva de permanência dentro dos limites desta democracia degradada que vivemos hoje, incapaz de permitir que seja o povo que decida. Nós estamos no pólo oposto. Contra a ilusão utópica de que Rodrigo Maia, STF e os governadores anti-operários irão tomar os rumos do país e resolver com sua suposta "coerência" a crise sanitária, nós defendemos que é o povo que deve decidir os rumos do país e que os únicos setores capazes de "coerência" neste momento são os trabalhadores - que não somente mostram seu peso na produção, mas seu papel estratégico nos transportes e nos serviços - e seus aliados entre os explorados e oprimidos.

Não nos esquecemos da reforma da previdência, da lei da terceirização irrestrita, da reforma trabalhista e de todos os ataques. Cada um deles, de Mandetta a Dória, de Rodrigo Maia a Toffóli articularam e vibraram com a destruição dos nossos direitos. Não virá deles a resposta para essa crise. Por isso seria uma tarefa fundamental da esquerda lutar não somente pelo Fora Bolsonaro, Mourão e também os militares, mas defender uma saída realmente democrática como seria uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que pudesse terminar com o pagamento da dívida pública, impor impostos progressivos às grandes fortunas e apoiar todas as medidas de controle operário da produção. Neste processo, os trabalhadores farão experiência com essa degradada democracia burguesa e ao avançar para debater os grandes problemas do país ficará claro que somente lutando por um governo de ruptura com o capitalismo é que os problemas serão resolvidos verdadeiramente e a favor dos trabalhadores e do povo pobre.

Esse esforço por encontrar uma política que seja capaz de unificar setores da esquerda que se reivindica socialista e revolucionária nacionalmente, para nós, é parte de iniciativas exigidas por uma tarefa que está colocada internacionalmente. Nesta semana a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores - Unidade soltou declaração informando sobre o adiamento da Conferência Latino-Americana que se realizaria em maio "Queremos deixar claro que isso é apenas uma suspensão temporária até que as condições permitam realizá-la. A iniciativa da FIT-U tem maior importância ainda frente à crise sanitária desencadeada pela pandemia do coronavírus e da agudização qualitativa da crise capitalista com suas devastadoras consequências sociais para os trabalhadores e os setores populares. (...) Esse cenário reforça a necessidade de realizar a Conferência quando houver condições para promover a luta das massas operárias e camponesas contra as consequências devastadoras da crise capitalista e do coronavírus. Mais do que nunca, a tarefa estratégica é a luta por um governo de trabalhadores e pela Federação das Repúblicas Socialistas da América Latina". Iremos nos próximos dias também divulgar a nossa convocatória para um 1 de maio internacionalista.

Reforçamos a importância deste chamado e dessa discussão uma vez que no Brasil também está colocado para a esquerda que se reivindica revolucionária debater quais são as vias de construção de um grande partido revolucionário, socialista e internacionalista dos trabalhadores, que supere pela esquerda a experiência do PT e as variantes stalinistas e a fragmentação da esquerda socialista revolucionária. Se queremos nos preparar para as consequências dessa crise histórica, que abrirá espaço a maiores eventos da luta de classes mundial, devemos acelerar os debates sobre essa perspectiva.

 
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