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TRIBUNA ABERTA
Ficar em casa nem sempre é estar em segurança: Aumento da violência contra mulher diante do confinamento por Covid-19.
Cristhenes Silva
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais na UFCG (PPGCS-UFCG)

O governo federal registrou um aumento de 9% no volume de denúncias recebidas pelo Ligue 180, serviço que recebe informações sobre violência doméstica. Os dados foram divulgados em 02 de abril de 2020, os números são relacionados ao balanço contabilizado da semana anterior comparado ao mesmo período de 2019.

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Considerando que o cenário da pandemia pelo coronavírus é recente, não há dados oficiais de pesquisa que possam demonstrar com precisão as possíveis mudanças no aumento de casos de violência doméstica no Brasil, mas mesmo assim o mencionado registro é um dado muito preocupante.

Atualmente, mesmo com as divergências de entendimento, posicionamento e interesses entre representantes dos Estados e do País, as famílias estão sendo orientadas a manter o isolamento social, sob a recomendação do Ministério da Saúde e órgãos internacionais de saúde publica como a Organização Mundial de Saúde (OMS), como forma de adiar o avanço do novo coronavírus.

Em meio a essas medidas, um dado que chama atenção é o mencionado: de acordo até com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Ligue 180, que recebe denúncias de violência contra a mulher, registrou um aumento de quase 9% no número de ligações com denúncias desse tipo de ocorrência.

No Brasil, um dos Estados que adotou as primeiras medidas de restrições de circulação para evitar a transmissão do coronavírus, foi o Rio de Janeiro, que apresenta a elevação de mais de 50% nas notificações de casos de violência contra a mulher em relação ao mesmo período no ano passado. O aumento da violência em meio a uma da crise sanitária evidencia um problema mundial, com mais gente permanecendo em casa nos setores sociais que podem faze-o.

Segundo dados extraídos da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), a média diária entre os dias 1º e 16 de março foi de 3.045 ligações recebidas e 829 denúncias registradas, contra 3.303 ligações recebidas e 978 denúncias registradas entre 17 e 25 do mesmo mês, um aumento percentual de 8,47%. Neste cenário de confinamento podemos visualizar que se potencializa as tensões, conflitos e confrontos já existentes nesta sociedade machista e patriarcal. Assim como a crise sanitária aprofunda uma crise econômica profunda já existente o método da quarentena em alguns estados ou e isolamento social, sem testes massivos, aprofunda a violência machista dentro dos lares.

Refletindo sobre este cenário, vale ressaltar que a violência se apresenta e se manifesta de diferentes formas, como a violência doméstica, violência de gênero e violência contra mulheres. A violência de gênero pode se manifestar através de violência física, violência psicológica, violência sexual, violência econômica, violência no trabalho, violência patrimonial e violência simbólica, todas essas variantes resultam diretamente no rompimento de direitos formalmente existentes e na reafirmação de condutas e condições estruturais de subjugação da mulher nesta sociedade capitalista patriarcal.

No Brasil, os dados que descrevem a violência contra as mulheres apontam para a existência de um problema agudo e de longa duração. A violência que acarretou na morte das vitimas, atingiu mais de 50 mil mulheres entre 2000 e 2010, ano em que a taxa de mortes foi de 4,6 por 100 mil habitantes. Este crime está ligado à violência conjugal e apresenta seus assassinos, pessoas com quem mantinham ou mantiveram um relacionamento afetivo. Esse fenômeno é conhecido como feminicídio íntimo, visto como desfecho de histórias marcadas pela violência se constitui de violência fatal contra as mulheres em diferentes realidades.

Diante do cenário atual de forte discurso de ódio, intolerância, projetos de governo antidemocrático, crescente bonapartização do regime, falar de violência de gênero e crimes praticados tendo como motivação o fato da vítima ser do gênero feminino, se torna algo urgente e necessário.

Para entender o que é o feminicídio é necessário compreender o que é a violência de gênero, já que o crime de feminicídio é a expressão extrema, final e fatal das diversas violências que atingem as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade social e de poder entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias. Este tipo de crime em sua maioria apresenta como agressor, homens que possui algum tipo de relação afetiva com as vítimas, como mencionamos, sejam maridos, namorados, ex – companheiros, no ambiente privado da sociedade, como o espaço familiar. Legitimados nas bases tradicionais e culturais de uma sociedade, neste caso a capitalista.

Este crime faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas se caracterizam pelo uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie, visto que em geral a violência fatal, vem precedida de atos de violências anteriores.

No Brasil, o crime de feminicídio, mesmo com limitações, foi definido desde que a Lei nº 13.104 que entrou em vigor em 2015, alterando o artigo 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) para incluir o tipo penal como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Assim, segundo o Código Penal, feminicídio é “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino”, isto é, quando o crime envolve: “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Neste contexto, a perspectiva de gênero é essencial para compreensão da Lei do Feminicídio, ou em outras situações que revelam menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Por estar diretamente ligada a compreensão das relações e dos papéis atribuídos socialmente aos homens e mulheres, se apresentando como categoria analítica, vinculadas as de raça e classe que promoveram a inclusão dos explorados e oprimidos na história, como também tem possibilitado a análise do significado e da natureza da sua opressão e a compreensão acadêmica de que as desigualdades, face ao poder, estão relacionadas ao menos a estes três elementos- gênero, raça e classe.

Ao falarmos das relações de gênero, inevitavelmente estaremos tratando das relações de poder, estas que operam em todos os níveis das relações sociais da sociedade e que estão em permanentes conflitos de interesses.

Atualmente, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH). O país só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de casos de assassinatos de mulheres.

Visto que a sociedade é marcada pela desigualdade social, nesse marco uma distribuição desigual dos recursos, baseada no fundamento de uma violência que é simbólica mais que se transforma em prática uma violência física, que não reside nas consciências mistificadas a que bastaria esclarecer, e sim nas disposições modeladoras pelas estruturas de dominação de classe que as produzem, só se pode chegar a uma ruptura da relação de cumplicidade que as vitimas da dominação simbólica tem com os dominantes com uma transformação radical das condições sociais de produção das tendências que levam os dominados a adotar, sobre os dominantes e sobre si mesmos, o próprio ponto de vista dos dominados ( neste caso a vítima). Isto em luta constante contra as ideias dominantes de uma época, o senso comum que expressa essa ideologia dominante que reforça e legitima as desigualdades de gênero.

Em busca destas transformações, existem ações institucionais como o Pacto de enfrentamento á Violência contra as mulheres, Redes de atendimento às mulheres, Plano Nacional de Políticas para as mulheres, Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher, o Ligue 180, construções de leis, nomenclaturas sociais e jurídicas próprias as questões de gênero relacionados a violência, que se apresentam como ferramentas no processo de formulação, monitoramento e coordenação das políticas que lutam em defesa dos direitos humanos das mulheres. Acabam sendo muito insuficientes.

Concluímos como afirma Heather Bradford num artigo publicado neste jornal, a desigualdade entre mulheres e a violência contra elas reforça seu papel econômico no lar para sustentar o capitalismo. O capitalismo oprime para explorar de forma diferenciada mais e melhor. Considerando que a pandemia do COVID-19 pode durar meses, vir em ondas, e que é pouco provável que essa seja a última pandêmica causada e piorada pelo capitalismo, a questão de como manter pessoas seguras durante uma pandemia sem piorar a opressão de mulheres requer uma consideração profunda.

Vimos que a omissão do Estado, com a ausência de ações ostensivas, a falta de preparo dos profissionais de saúde, segurança. E discursos preconceituosos, classistas e sexistas, acabam por fortalecer as praticas de violência. Assim, por hora, é necessário no lugar de redirecionar manter casas de abrigos abertos e seguros, garantindo as necessidades de funcionários e sobreviventes, desenvolver alternativas para o policiamento, construir comunidades frente ao distanciamento social, e impor demandas ao estado por provisões sociais maiores, são algumas das coisas que podem ser feitas de forma mínima para lidar com a epidemia de violência doméstica no contexto de uma pandemia.

 
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