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Como travar uma "guerra" contra a depressão econômica que se aproxima
Esteban Mercatante

Publicamos o texto de Esteban Mercatante, publicado originalmente no Ideas de Izquierda do La Izquierda Diario argentino.

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Os Estados Unidos somou em duas semanas quase 10 milhões de solicitações de desemprego, marcando um ritmo de colapso econômico sem precedentes. Para termos uma ideia, antes da pandemia o recorde de crescimento das solicitações de desemprego semanal havia sido em 1982, com 695 mil novas aplicações. A perda de empregos em 2008 foi de 2,6 milhões.

O índice semanal da atividade econômica que a Reserva Federal de Nova York mostra também dá conta deste colapso: em uma semana alcançou os níveis mais baixos desde a Grande Recessão iniciada em 2008. Mas, na época o naufrágio que agora está ocorrendo em 7 dias se deu em 3 meses.

As coisas não estão melhorando no país que registrou o primeiro surto. A economista Betty Wang da ANZ estimou, no início dessa semana, que a economia Chinesa cairá 9,4% anual no primeiro trimestre. E poderia retroceder outros 2,1% no segundo. Apesar do “êxito” declarado por Xi Jinping no combate à pandemia, em Wuhan não acabaram as restrições sanitárias, por medo de um novo aumento dos contágios (de acordo com fontes oficiais de fontes estrangeiras e não locais); a isso se soma o efeito sobre a produção dos setores exportadores que geram as quedas na Europa, EUA e no resto do mundo. O processamento de contêineres, que caiu 10,6% nos primeiros meses do ano (enquanto as exportações caíram 17,2%), não termina de se recuperar.

A agência Fitch informou nesta quinta-feira (2/4) que espera um declínio na atividade econômica mundial de 1,9% neste ano, com retrocessos nos EUA de 3,3%, queda de 4,2% na União Europeia e 3,9% no Reino Unido. Para a China, espera-se um crescimento, mas menor que 2%.

Estes prognósticos são muito mais tenebrosos que os que as organizações internacionais e agências privadas realizaram apenas um mês atrás. Isso apesar dos governos terem anunciado pacotes de resgate que superam tudo o que já foi feito até então. Essa semana Trump assinou a lei aprovada rapidamente para tomar medidas fiscais por 2,2 trilhões de dólares, o equivalente a 10% do PIB anual deste país. A isso se soma a promessa de injeções maciças de dinheiro dos bancos centrais para dar liquidez ao sistema financeiro e conter a quebra de empresas.

Para os valores envolvidos e o ritmo com que foram lançados, estes resgates superam amplamente os lançados durante a Grande Recessão. Não evitarão o naufrágio da economia e os milhões de desempregados.

Quem Trump e o Congresso salvam?

Vejamos o exemplo dos Estados Unidos, que lançou o que seria até agora a artilharia mais pesada frente à crise. Não deveria nos surpreender que as grandes corporações estão assumindo a maior parte do pacote fiscal aprovado pelo Congresso: 500 bilhões de dólares (um pacote que supera a produção da economia argentina anual) estarão dirigidos para salvar empresas através do Fundo de Estabilização do Intercâmbio que a Secretaria do Tesouro maneja. Este fundo (existente desde 1934) permite ao Tesouro realizar empréstimos ou garanti-los de maneira opcional. A assistência pode beneficiar empresas (financeiras ou não) asim como estados e cidades. O pacote inclui empréstimos específicos para empresas aéreas, de logística e outras que são consideradas “críticas” para a segurança nacional. As empresas que aceitem empréstimos estarão obrigadas a manter durante um ano 90% dos seus empregados, ou seja, tem permissão para despedir 10%.

A magnitude dos fundos de resgate às empresas não se explica exclusivamente pelas disrupções geradas pela pandemia nos circuitos de produção e circulação de mercadorias, que são de uma magnitude nunca antes vista. Devem ter aumentado não por uma catástrofe natural, mas sim pelos níveis recorde de endividamento que as empresas acumulam. Estes passivos e a fragilidade financeira relacionada com os níveis de capitalização na bolsa de valores altíssimas anteriores a esta crise (vinculados ao bombeamento monetário sistemático), que também está intimamente relacionada a essa maré de dívidas, amplificam os efeitos catastróficos da pandemia e das medidas tomadas para enfrentá-la. Nada disso pode ser colocado na conta do vírus. Muitos dos setores empresariais que agora apelam a falácias do tipo “saúde vs. economia” para sustentar a produção que alimenta sua ganância de lucro, faz tempo que vêm alimentando sua rentabilidade à custa de decisões que aumentaram a vulnerabilidade, isto é, agindo "vs. a economia".

Formalmente, o setor corporativo estará levando o mesmo que os 165 milhões de contribuintes que receberão total ou parcialmente o cheque de 1.200 dólares por contribuinte (que ganhe menos de US$75 mil por ano ou 150 junto com seu cônjuge) e mais 500 adicionais por filho menor de 17 anos. Esta transferência é muito pequena: como mostra Rob Urie, em um país onde o acesso à saúde é caríssimo, isso não cobre mais que 5% do que pode chegar a custar a internação por coronavírus para quem tiver o infortúnio de contraí-lo. A atribuição para esta medida alcança os 500 bilhões de dólares. Na realidade, como eventualmente haverá o pagamento de impostos de alguns dos beneficiários, o custo destas transferências será menos que o recebido pelas grandes empresas. Representará um desembolso total de 301 bilhões de dólares, de acordo com a Tax Foundation.

Outros 350 bi estarão dirigidos para outorgar empréstimos às empresas de até 500 trabalhadores, para pagar seus salários e outros gastos (e poderão em alguns casos não ser reembolsados).

Há também redução de impostos sobre as contribuições patronais, enquanto se aumenta a duração do seguro desemprego (e se adicionam valores de 600 dólares semanais enquanto dure a crise, o que triplica o montante da atribuição).

Cuidar da saúde não parece ser uma grande prioridade, a julgar pelos recursos adicionais que serão outorgados. A assignação adicional prevista por este pacote, para um sistema sanitário que vem cronicamente sendo precarizado e com falta de pessoas, será de 150 bi. Apenas 7% do resgate multimilionário.

Ao mesmo tempo, com este pacote, numerosas empresas foram autorizadas a negar licença médica aos funcionários. Isso vai valer para as pequenas empresas para a qual a ausência dos empregados "poderia levá-los a parar de operar" ou para os quais a ausência gera "risco substancial". Mas também têm o poder de negar licenças gigantes como Amazon e McDonald’s. Aqueles a quem pode ser negado licença médica remunerada também incluem profissionais de saúde.

O extraordinário apoio orçamentário dos governos para a economia, embora necessário, piorará as coisas de alguma maneira. Aos países que foi permitido a aparição de um mercado de trabalho irregular e precário, se torna particularmente difícil canalizar a ajuda financeira aos trabalhadores com um emprego tão inseguro. Enquanto isso, o grande alívio monetário dos bancos centrais ajudará os ricos em ativos. Por trás de tudo, os serviços públicos subfinanciados estão esmagando o fardo da aplicação de políticas de crise.

Quem afirma isso é uma fonte insuspeitável de animosidade frente a um pacote dirigido para salvar as empresas: o Financial Times. “Precisa de reformas radicais”, afirma a mídia. Claro, as reformas “radicais” que esse porta-voz das altas finanças está disposto a tolerar são uma espécie de versão pasteurizada das políticas do estado de bem-estar, como pode ser “um maior papel na economia”, com algumas variações que, no máximo, podem alcançar “políticas consideradas até recentemente excêntricas” como um imposto à riqueza (que excentricidade é tirar dos mais ricos uma fatia de tudo que aumentou sua riqueza nas últimas décadas) ou uma renda básica universal (RBU). Esta última, aplicada como uma transferência que apenas cobre o equivalente a uma pequena parte da cesta de bens necessários para não cair na pobreza entendida como um ingresso, pode tranquilamente andar de mãos dadas com um reforçamento dos ataques do capital contra o trabalho para introduzir novos níveis de flexibilização das condições de exploração. O fato de o Financial Times afirmar que isso deve ser "colocado sobre a mesa" explica o grau de choque da classe dominante frente a ameaça real sobre seus privilégios como resultado da “fragilidade do contrato social” que o vírus traz a tona. Mas também revela que a RBU não é o começo de uma ruptura com o domínio do capital sobre a força de trabalho que alguns de seus proponentes imaginam.

Economia de guerra?

O economista Michael Roberts fez esta pergunta em um recente post em seu blog, ao passo daqueles que apressadamente saíram para rotular dessa maneira as medidas que foram tomadas para enfrentar as conseqüências econômicas da batalha contra o "inimigo invisível". Partindo do óbvio contraste entre uma economia trabalhando a toda força para preparar os preparativos para o combate e outra necessariamente paralisada como ocorre hoje para conter a expansão do vírus (algo que afeta inclusive aqueles países que não declararam uma quarentena geral como os EUA), Roberts aponta o abismo que separa as medidas implementadas até o momento, e aquelas que caracterizam uma economia em guerra. Não apenas a “guerra contra o vírus” está sendo feita a máquina média, quando recentemente os governos começaram a flertar com o impulsionar (mas não impôr) a reconversão de indústrias para fabricar respiradores, ou timidamente (e apenas em países colapsados pela emergência sanitária) declaram de interesse público e nacionalizam setores como a saúde, como o Estado Espanhol e a Irlanda.

A “batalha” por minimizar os estragos econômicos e evitar o fantasma de uma grande depressão, se livra com recursos que não se assemelham aos postos em marcha durante os preparativos de guerra. É certo que todos os neoliberais partiram a queimar seus livros, e gritam por uma intervenção estatal mais enfática do que os entusiastas do estatismo ao longo da vida. “Agora somos todos keynesianos”, poderão dizer, como disse Nixon quando viu a necessidade de terminar seu flerte com as ideias de Milton Friedman para abraçar políticas mais próximas as do seu antagonista. Mas como já mostraram as políticas do New Deal, o maior intervencionismo público, o aumento do gasto e outras formas de estímulo (ou inclusive de certa inversão pública) não terminam nunca de reconduzir a economia norte americana ao crescimento depois da depressão. Como afirma Paula Bach:

O New Deal com a sua implementação de instituições, comissões e múltiplas medidas cheias de pragmatismo, resultou si mesmo em um mecanismo ciclópico de contenção da crise. Não conduz a uma verdadeira prosperidade da economia norte americana mas implementou uma série de emendas, como o seguro desemprego, empregos estatais extremamente precários, aumentou a destruição de colheitas e matança de animais para reduzir a oferta e recuperar os deprimidos preços do agro, subsidiou os produtores para que reduzissem a área semeada, entre muitas outras medidas. Todos estes mecanismos chegaram em partes a reduzir a desocupação, apaziguar a tensa situação social e permitir tirar a economia da paralisação em que se encontrava. Porém, o grande problema da sobreacumulação de capital e do subconsumo, não podía ser resolvido pelas medidas do New Deal.

No final da década de 30, com o país encaminhado para intervir na matança imperialista, a economia levanta voo. Isso não aconteceu graças a resposta do capital privado aos estímulos criados pelo setor público, como afirmam Andrew Bossie y J.W. Mason, esta foi a tentativa inicial das agências estatais responsáveis pela produção bélica. “A forma mais direta de estimular a inversão é subsidiária através de créditos impositivos. Essa abordagem foi testada durante a mobilização, mas com resultado limitado”, afirmam. Ainda durante esses anos foram realizadas uma variada série de ensaios para beneficiar o capital privado no negócio da guerra (que seguiram se aperfeiçoando na posguerra com o desenvolvimento do “complexo militar-industrial”), o que terminou impondo a implementação em grande escala da inversão pública, ainda que em muitos casos essa foi canalizada através de assinaturas privadas. Em média, esse investimento público atingiu 23% do PIB, equivalente a várias vezes o investimento privado nesses mesmos anos. Para comparação, afirma Roberts que “na maioria das economias capitalistas, a inversão do setor público é de aproximadamente 3% do PIB, enquanto a inversão do setor capitalista é de mais de 15%.” Ambas somam menos que o investimento estatal durante a guerra.

Encarar um resgate multimilionário das empresas (que por um longo período de tempo manterão deprimido o investimento) multiplicando a dívida pública, outorgando pobres compensações para os milhões de afetados pela destruição de empregos, não tem nada a ver com a inversão pública em grande escala que teve lugar durante a economia de guerra, ainda que alguns (neo e pós) keynesianos afirmam que as medidas em curso estão tomando aquela como modelo).
Certamente haverá quem afirme que ainda é cedo, e políticas estaduais mais agressivas podem vir além dos limites daqueles que estão sendo lançadas hoje.

Porém, mesmo que a crise de 2008 sendo certamente ultrapassada pela de hoje, a expectativa de um revival keynesiano se chocou com a resistência da classe capitalista contemporânea. Assim, a prioridade de salvar o sistema financeiro preservando suas orientações essenciais e fazer política fiscal de forma relativamente limitada, produto de uma das recuperações mais débeis em 80 anos e deu lugar a o que alguns economistas do mainstream começaram a debater se a economia norte americana se encontrava em uma trilha de estagnação secular. “O que precisamos de verdade é um âmago de invasão alienígena que provoque um gasto massivo na defesa anti alienígena”, ironizava Paul Krugman em seu livro Acabe já com esta crise sobre as dificuldades para superar o impasse travado durante a última década e sobre a possibilidade de implementar políticas fiscais em escala mais agressiva. Impasse identificado como majoritariamente político, mas que é sobretudo social, pela resistência da grande burguesia. Sua ironia, por outro lado, encerra uma amarga verdade para os defensores do keynesianismo: seu “êxito” estava inseparavelmente ligado à destruição massiva (de forças produtivas e de vidas) que produziu a II Guerra Mundial. Sem ela se torna impensável o boom pós guerra, um período excepcional e irrepetível para o capitalismo (salvo que atravessamos por uma destruição de valor equivalente a da guerra).

Ainda que a situação empurrou em alguns casos os governos capitalistas a moverem-se relutantemente nessa direção (intervindo em setores como a saúde), e pode fazê-lo em maior escala com a piora da situação e aumento da mobilização dos trabalhadores, não pode esperar que estes, empenhados na defesa dos interesses dos grandes ganhadores do ciclo neoliberal, nenhuma resposta a altura da crise.

O que faz falta

Colocando em movimento as atuais forças produtivas, bastaria não apenas para realizar o programa de Roosevelt, mas para superá-lo consideravelmente. As máquinas, as matérias primas, os trabalhadores, tudo é aproveitável, para não mencionar as necessidades da população. Se, apesar disso, o plano é irrealizável -e não é- a única razão é o conflito irreconciliável que se desenvolveu entre a propriedade capitalista e a necessidade social de uma produção crescente… Se a própria equipe de trabalho fosse reorganizada sobre a base de um plano socialista unificado, os cálculos sobre a produção poderiam ser superados consideravelmente e poderiam assegurar a todo o povo um nível de vida alto e cômodo, baseado em uma jornada de trabalho extremamente curta.

Era isso que defendia Leon Trotsky quando fazia um balanço da brecha entre as pretensões do New Deal e o que este havia alcançado efetivamente nos finais de 1938. Não é necessário esperar que uma conflagração bélica sobrevenha no horizonte (ainda que os tambores soam cada vez mais alto, sendo incluída a responsabilidade pelo coronavírus outro motivo para agravar a tensão) para evitar o caminho de penúrias e da depressão. Mas a alternativa não virá dos governos capitalistas, cuja principal preocupação, continuando com a guerra de classes levada a cabo contra o povo trabalhador nas últimas décadas, está em assegurar a saúde de empresas, não o bem estar do povo trabalhador. Depois da Grande Recessão, as classes dominantes e seus representantes políticos convivem sem maiores preocupações e com indicadores sociais deteriorados a níveis alarmantes, que se mantiveram apesar da recuperação do emprego. Não temos motivos para esperar que dessa vez seja diferente. Seguindo Roberts, o que é preciso para reviver a produção, a inversão e o emprego não é “resgatas as grandes empresas com subvenções e empréstimos para que possam voltar a “business as usual” (negócios como de costume), mas com “inversão estatal massiva, a propriedade pública dos setores estratégicos e a direção estatal dos setores produtivos da economia”. A única maneira de assegurar isso com a iniciativa da classe trabalhadora, para lutar pela nacionalização dos principais meios de produção, começando hoje por aqueles que poderiam contribuir enormemente com a emergência sanitária e seguido por todos aqueles que a burguesia manteria inativos durante um naufrágio econômico por falta de garantia de lucro. Isso não virá dos governos burgueses, exceto a conta-gotas nos setores que seja inevitável, e com a intenção de devolvê los ao capital privado quando for possível. O mesmo que defendia Trotsky frente ao fracasso do New Deal quase dez anos depois do crack de 1929 na Wall Street, vale hoje para enfrentar a catástrofe que se vê:

para salvar a sociedade o que é indispensável e urgente é separar os meios de produção de seus atuais proprietários parasitas e organizar a sociedade de acordo com um plano racional. Assim será realmente possível, pela primeira vez, curar a sociedade dos seus males. Todos que sejam capazes de trabalhar devem encontrar um emprego. A jornada de trabalho deve diminuir gradualmente. As necessidades de todos os membros da sociedade encontraram a possibilidade de uma satisfação crescente. As palavras “pobreza, crise e exploração” sairão de circulação.

 
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