A prostituição da atual medicina não é segredo pra ninguém. Há anos a medicina tem deixado “de propor a adaptação da sociedade ao bem-estar do homem, [e buscado] sacrificar o homem em benefício da ordem social”. Não bastasse esse vazio na filosofia médica, vivemos nos marcos do capitalismo, ou seja, da necessidade de valorização do capital em detrimento do humano e do social. Qualquer indústria, para justificar sua existência, necessita reverter lucro àquele que se denomina dono dos instrumentos daquela determinada produção. Isso é válido também na indústria farmacêutica, de produção de medicamentos, equipamentos hospitalares e de diagnóstico, em suma: na indústria médica.
É pensando no lucro e não na vida que os medicamentos são produzidos. Ao mesmo tempo, sabemos que no capitalismo, a relação do Estado, suas instituições e órgãos com a sociedade não é neutra, nem equilibrada. O Estado funciona unicamente como “balcão dos negócios comuns de toda a classe dos proprietários”. E assim atuam todas suas instituições, desde as insuspeitas Agências de Controle, Saúde e Vigilância até as Universidades e centros de pesquisa, fontes do conhecimento e da transmissão de algum saber. A indústria médica, para sobreviver, precisa das Universidades para a formação de médicos que sigam unicamente os protocolos que permitam a venda e comércio dos seus produtos; precisa de pesquisadores que não desenvolvam estudos que minimizem os seus lucros, mas sim que aumente o mercado de acesso aos seus produtos; precisa de órgãos de vigilância e repressão que evitem que médicos formados e pesquisadores mais críticos ‘saiam da linha’; precisa de pacientes ignorantes quanto a possibilidade de serem sujeitos sobre sua própria vida, doença e saúde; precisa de uma mística que eleve o “sapato e jaleco branco” acima dos mortais.
A indústria do câncer, tal qual a indústria da AIDS/HIV, a indústria psiquiátrica e demais indústrias que fabricam medicamentos e equipamentos para síndromes ou doenças degenerativas – assim como as pesquisas em torno delas – estão muito mais interessadas em gerar lucro do que curar as doenças. Como escreve o médico Gilson Dantas “É por essa simples razão – e por essa profunda determinação – que tais produtos produzem amplamente e regularmente danos, iatrogenias, efeitos colaterais pavorosos e também produzem a morte.” O avanço dessa medicina jamais caminha no sentido da cura, mas apenas do retardamento maior do tempo em que os efeitos colaterais levem o paciente à morte, para que ele possa seguir o máximo de tempo possível consumindo os produtos desta indústria e gerando lucro, como um moribundo em eterna degeneração.
E é pra garantir essa lógica que, vez ou outra, os agentes de repressão, controle e vigilância são obrigados a atuar. Quando médicos, pesquisadores ou indivíduos encontram métodos, modos de vida e/ou medicamentos alternativos que levem o paciente a uma qualidade de vida e reaquisição de uma saúde anteriormente debilitada, esses órgãos estatais atuam duramente em prol da defesa dos interesses da indústria médica. Argumentando a falta de “estudos clínicos”, que tal produto não seria “remédio”, falta de autorização por “órgãos competentes”, falta de “procedimentos legais”, esses órgãos tentam traçar como legítimo e inquestionável os atuais (velhos) métodos de tratamento, como se estes fossem o máximo possível onde a ciência conseguiu chegar e, portanto, qualquer outra terapia ou medicamento alternativo seriam ceder a “fórmulas mágicas ou poções milagrosas”.
É com esse conteúdo que o Gabinete da Reitoria da USP se pronunciou na última terça-feira (13) desaconselhando a utilização da fosfoetanolamina, a tal substância que estaria curando pacientes com câncer. Após a justiça conceder várias liminares obrigando a USP a conceder a substância a quem solicitasse, a Reitoria resolveu, por via de um comunicado reproduzido abaixo na íntegra, “alertar” os pacientes e familiares contra “exploradores oportunistas” que utilizariam da situação de aflição dessas pessoas para lucrarem.
Oras, mas não seria exatamente esse o método do qual se vale a indústria do câncer desde as campanhas midiáticas pela utilização periódica dos equipamentos médico-hospitalares como mamografia, tumografia e biópsia? E, em seguida, subordinando o paciente ao diagnóstico subjetivo que fica sob o crivo da avaliação protocolar e viciada do médico de plantão? E a pressão psicológica, médica e social exigindo os tratamentos convencionais por quimioterapia, radioterapia e cirurgias invasivas? Tratamentos esses sobre os quais existem milhares de artigos que demonstram que os efeitos colaterais podem ser mais nocivos do que a própria doença diagnosticada e que são utilizados há mais de três décadas sem nenhum avanço! E quanto a esses verdadeiros “exploradores oportunistas”? O que diz a Reitoria da Universidade de São Paulo? Nada!!!
Não obstante, a USP nos dá uma dica a serviço de quem estariam suas pesquisas e porque tamanha virulência em demonizar as pesquisas em torno dessa substância (e de qualquer outra que possa apresentar tratamentos alternativos – e que não visem lucro – à doenças degenerativas). Mais preocupada em verificar a possibilidade de envolver docentes ou funcionários em processos administrativos e denunciar ao Ministério Público os atores que podem estar sinceramente envolvidos na busca da verdadeira cura do câncer, a Reitoria da USP dispara que “Por fim, alertamos que a substância fosfoetanolamina está disponível no mercado, produzida por indústrias químicas, e pode ser adquirida em grandes quantidades pelas autoridades públicas. Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade.”
Nesse parágrafo a Reitoria sela com quem está o compromisso da produção do conhecimento dentro da Universidade de São Paulo: com as indústrias, o lucro e o capital. Não é a toa que a Reitoria vem reprimindo o Sindicato dos trabalhadores da USP, aumentando o processo de desmonte da Universidade e a demissão de funcionários, cortando a permanência estudantil e atacando a carreira docente. Seu objetivo é fazer da USP cada vez mais um centro de excelência privado à serviço da acumulação de capital para poucos industriais e latifundiários e não um espaço universal, público, de ampla e livre circulação de ideias e com o conhecimento à serviço dos interesses da maioria da população trabalhadora.
Abaixo, na íntegra, Comunicado do Gabinete da Reitoria de 13/10:
A Universidade de São Paulo (USP) foi envolvida, nos últimos meses, na polêmica do uso de uma substância química, a fosfoetanolamina, anunciada como cura para diversos tipos de cânceres. Por liminares judiciais, a Universidade foi obrigada a fornecer o produto para os que a solicitam. Em respeito aos doentes e seus familiares, a USP esclarece:
• Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.
• Além disso, não foi respeitada a exigência de que a entrega de medicamentos deve ser sempre feita de acordo com prescrição assinada por médico em pleno gozo de licença para a prática da medicina. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva - e pelo acompanhamento do paciente.
• Portanto, não se trata de detalhe burocrático o produto não estar registrado como remédio – ele não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso.
• É compreensível a angústia de pacientes e familiares acometidos de doença grave. Nessas situações, não é incomum o recurso a fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes. Não raro essas condutas podem ser deletérias, levando o interessado a abandonar tratamentos que, de fato, podem ser efetivos ou trazer algum alívio. Nessas condições, pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas.
• A USP não é uma indústria química ou farmacêutica. Não tem condições de produzir a substância em larga escala, para atender às centenas de liminares judiciais que recebeu nas últimas semanas. Mais ainda, a produção da substância em pauta, por ser artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos.
• Por fim, alertamos que a substância fosfoetanolamina está disponível no mercado, produzida por indústrias químicas, e pode ser adquirida em grandes quantidades pelas autoridades públicas. Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade.
Os mandados judiciais serão cumpridos, dentro da capacidade da Universidade. Ao mesmo tempo, a USP está verificando o possível envolvimento de docentes ou funcionários na difusão desse tipo de informação incorreta. Estuda, ainda, a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes.
Nada disso exclui, porém, que estudos clínicos suplementares possam ser desenvolvidos no âmbito desta Universidade, essencialmente dedicada à pesquisa e à ciência.
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