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Coranavírus e capitalismo
Os governos capitalistas dizem: Fiquem em casa - e vão trabalhar!
Nathaniel Flakin

Em muitos países europeus, a polícia tem permissão lhe prender ou multar por se encontrar com amigos num parque. Mas ainda esperam que passemos oito horas no trabalho, com dezenas ou centenas de outras pessoas. Os governos da Alemanha, França, Itália, Austrália, e até certo ponto, dos Estados Unidos estão todos pondo em prática a mesma política contraditória. Ao invés de vidas, eles defendem os lucros capitalistas.

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Desde domingo, a Alemanha encontra-se em estado de isolamento. Os governos estaduais e federais expressamente proibiram que cidadãos se encontrem em grupos de três ou mais. Em Berlim, de onde eu escrevo, as pessoas têm de carregar consigo documentos de identificação e endereço a todo o momento.

Ainda podemos ir ao supermercado, à farmácia e dar pequenas caminhadas, mas afora isso, devemos estar em casa o tempo todo. Todas as escolas estão fechadas desde 17 de Março. Os bares estão fechados desde o dia 14. São medidas drásticas, mas importantíssimas pra desacelerar a propagação do coronavírus. O distanciamento social é necessário pra parar a contaminação.

Há, contudo, uma enorme exceção: Espera-se que as pessoas trabalhem, alem de não haver nenhuma medida contra isso. Enquanto várias pessoas estão trabalhando de casa, incontáveis outras ainda estão no vai e vem da casa para a fábrica ou para o escritório, e vice-e-versa, e é por isso que as linhas de ônibus e metrôs ainda estão em funcionamento. Isso inclui os trabalhadores essenciais, como os funcionários da saúde e de supermercados, mas também inclui milhares de trabalhadores que são forçados a comparecer ao trabalho e não sabem o porquê.

Essa política se mostra completamente irracional. Se a polícia pode multar ou até prender três pessoas sentadas juntas numa praça pelo perigo de que essas possam espalhar o vírus, como pode ser aceitável que dezenas ou até centenas de pessoas se aglomerem em espaços fechados por oito horas por dia pelo bem dos lucros das corporações? As autoridades alemãs acham que o vírus só vai infectar as pessoas fora do expediente de trabalho? Mas a Alemanha não é exceção no que diz respeito a essa política absurda. Muitos países estão respondendo à crise com decretos igualmente contraditórios e ineficazes.

Contraditório e ineficaz

A França tem políticas semelhantes, mas está aplicando-as com o punho de ferro de um estado policial. As pessoas só tem uma hora por dia para sair de casa, tendo de permanecer a menos de um quilômetro dos seus endereços. E precisam ter um certificado impresso descrevendo o que fazem na rua. A polícia está em todo o lugar, e podem até checar as mercadorias que alguém carrega para ver se é considerada "essencial". Cerca de 4.000 pessoas foram multadas no primeiro dia de quarentena pelo valor de 135 euros. O presidente Emmanuel Macron construiu esse aparato de repressão para combater a rebelião dos Coletes Amarelos. Apesar de todo esse controle rígido e repressivo, os trabalhadores ainda estão sendo solicitados nos serviços. A Airbus, por exemplo, continua produzindo aviões - levando as máscaras, agora tão necessárias e escassas nos hospitais, para a linha de produção.

A Itália entrou em quarentena no dia 9 de Março. Mas foi só no dia 21 que o Primeiro Ministro Giuseppe Comte ordenou o fechamento dos estabelecimentos não essenciais. Isso quer dizer que, por duas semanas, pediram a todos que ficassem em casa e pusessem em prática o distanciamento social - e simultaneamente fossem trabalhar! Mas até mesmo o decreto de agora que supostamente pára a produção é uma piada. O governo cedeu a pressão da Confindustria, principal associação italiana de capitalistas, e declarou vários setores da indústria como "essenciais", mesmo que não produzam nada que ajude a combater a crise. Até os call centers, onde os funcionários passam horas a fio enclausurados em pequenos cubículos, foram considerados "estratégicos". Na Itália,greves já foram mobilizadas para fechar fábricas de automóveis e outros setores que ninguém teria motivos pra considerar "essencial" em uma pandemia. Ontem foi organizada uma greve geral na Itália para que parassem toda a produção.

Na Austrália, o governo de Scott Morrison recomenda que a população fique em casa, a menos que seja "absolutamente necessário" sair. Mas o mesmo governo se recusa a fechar as escolas, já que é "absolutamente necessário" manter as crianças na escola para que os seus pais possam trabalhar. Diversas fábricas e escritórios permanecem abertos.

Os Estados Unidos ainda não possuem uma política consistente, mas estados como Califórnia e New York entraram em quarentena. Nesses estados, porem, essa política é mais relaxada, comparada a dos países da Europa, não tendo medidas para parar o trabalho não essencial. Companhias estrategicamente tentam se mostrar "essenciais" e forçam os seus funcionários a irem trabalhar, apesar dos graves riscos a saúde. Até a Starbucks, que vale mais de $60 bilhões de dólares, queria que seus funcionários continuassem fazendo seu tão "essencial" café, enquanto a Tesla se recusou a fechar a sua fábrica "essencial" por quase uma semana. Apesar de que as previsões indiquem que a pior fase da pandemia perdurará até o final de Abril, o presidente Donald Trump pretende reabrir os estabelecimentos não essenciais até a Páscoa.

Controle dos trabalhadores

Essas políticas podem parecer extremamente irracionais: governos capitalistas querem que as pessoas se distanciem socialmente no tempo livre - mas que trabalhem próximas umas das outras no expediente. Na verdade essas medidas e preocupações estrategicamente direcionadas traduzem muito bem a lógica capitalista. Os governos não podiam estar menos preocupados em proteger a saúde pública. Afinal, a função deles é proteger os lucros de uma pequena minoria que detém os meios de produção.

Então a questão é: quem pode e quem deve decidir o que é "essencial" ou não?

A resposta é simples. Os próprios trabalhadores sabem se os riscos são necessários ou não para a sociedade. A maioria dos funcionários da área da saúde, além de continuarem trabalhando, estão fazendo longos expedientes em condições perigosíssimas. Trabalhadores da indústria de equipamentos de proteção também estão estendendo os seus expedientes.

São os trabalhadores de um Starbucks, de uma fábrica ou de um escritório que podem julgar se aquilo que eles fazem é tão necessário para salvar a vida das pessoas quanto é o risco de afetar essas mesmas vidas ao sair de casa e poder espalhar o vírus. É por isso que não precisamos dos governos capitalistas decidindo que produção é ou não essencial. Precisamos dos trabalhadores no controle da produção, permitindo que os trabalhadores tomem essas decisões coletivamente.

Trabalhadores das grandes fábricas automotivas dos Estados Unidos consentiram que fabricar carros não era essencial e fecharam a indústria com greves espontâneas. Mas se as mesmas fábricas começassem a produzir respiradores artificiais e outros equipamentos necessários para salvar e ajudar vidas durante a pandemia, podemos ter certeza que esses mesmos trabalhadores, com o equipamento e medidas necessárias para a não propagação do vírus, fariam questão de produzir e ajudar a salvar vidas.

Este texto foi traduzido para o português por Rodrigo Soares. O original pode ser acessado aqui, no portal Left Voice, irmão do Esquerda Diário.

 
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