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CORONAVÍRUS
Na Argentina trabalho doméstico é "serviço essencial", e domésticas estão expostas ao vírus
Ires Lescano

Na Argentina o decreto presidencial que impõe a quarentena total como medida preventiva para a disseminação do coronavírus revelou um novo golpe para as trabalhadoras domésticas, que sempre foram um setor ignorado em termos de direitos trabalhistas.

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Tradução de texto originalmente publicado no site La Izquierda Diario, parte de nossa rede internacional de diários. Escrito por Ire Lescano, trabalhadora doméstica @Pan y Rosas Zona Norte del GBA.

Na Argentina o decreto presidencial que impõe a quarentena total como medida preventiva para a disseminação do coronavírus revelou um novo golpe para as trabalhadoras domésticas, que sempre foram um setor ignorado em termos de direitos trabalhistas.

Leia mais: Quarentena geral na Argentina: uma medida sem GPS, cheia de incógnitas para vida de milhões

O trabalho doméstico se enquadra como uma “tarefa essencial” em uma das categorias do Decreto de Necessidade e Urgência de Alberto Fernández. Porque? Porque muitas das trabalhadoras domésticas se enquadram na categoria de trabalho que abrange cuidado de pessoas, sejam elas crianças, idosos ou doentes. Muitas vezes, ou melhor, na maioria das vezes, não nos necessitam para cuidar dos doentes mas simplesmente para que façamos o trabalho doméstico de limpeza, etc.

Estamos, portanto, isentas de cumprir o "isolamento social, preventivo e obrigatório" e somos forçadas a ir aos locais de trabalho, pedindo aos nossos patrões que nos escrevam uma autorização para apresentar às forças de segurança, casos sejamos detidas nas vias públicas. O pior, nosso sindicato (Sindicato Servicio Doméstico) é que está administrando a produção dessas notas. O modelo de "autorização" pode ser encontrado na página deles.

A publicação na página do sindicato, com a nota que precisam fazer as patroas, tem quase 500 comentários, muitos contando que ainda que a categoria não seja correspondente, estão lhes pedindo que trabalhem igualmente e muitos comentários com raiva contra as ações do sindicato.

Segundo o INDEC, existem cerca de 1.730.000 trabalhadoras domésticas na Argentina, das quais apenas 515.000 estão registradas. O restante, 1.215.000 mulheres trabalhadoras, estão em absoluta precariedade, com salários mais baixos do que as registradas, privadas dos direitos trabalhistas mais básicos e expostas à discriminação e ao desprezo de suas patroas.

Como cume da estigmatização que recebemos diariamente dos funcionários de casas particulares, na última sexta-feira foi oficializado o aumento de jornadas e salários mínimos que recebemos. O valor é nada mais que 10% e é dividido em duas parcelas, uma em março e outra em maio. O salário mínimo atualizado com esse aumento percentual é de $17.785 (aproximadamente 280 USD) para aquelas que trabalham com folga. Aquelas que trabalham sem folga, as que deixam suas casas e família por mais de 5 dias por semana, aqueles que trabalham com pouquíssimas horas de descanso e dormem nos cubículos que seus chefes as destinam em suas casas luxuosas, passariam a receber a quantia insignificante de $19.777 (aproximadamente 310 USD). Se em janeiro uma família precisou de $ 40.373 (aproximadamente 630 USD) para que não fosse considerada pobre, isso significa que o salário das trabalhadoras domésticas é equivalente a metade da cesta básica.

Eu não esqueço

Eu não me esqueço da foto de uma trabalhadora limpando as janelas por fora à beira de cair do quarto andar. Lembro-me disso toda vez que passo por aquele prédio localizado a alguns quarteirões da casa onde trabalho. Também não esqueço as conversas que tive com as colegas de Nordelta (distrito de Buenos Aires) quando elas começaram uma grande luta enfrentando os patrões que não as deixavam viajar nas vans, porque cheiramos mau e falamos com sotaque.

Esse ódio de classe que os patrões têm por nós não deveria ser replicada pelo Estado, no entanto, depois de ouvir o depoimento em rede nacional ontem, e hoje me inteirar sobre as migalhas que estão sendo oferecidas com o nome de aumento salarial, eu perguntaria ao presidente e aos governadores peronistas do Cambiemos que se reuniram; perguntaria ao ministro do trabalho, se eles acreditam que as empregadas domésticas, que em sua maioria trabalham informalmente, sem estarem registradas, sem ter convênio médico e que recebemos uma miséria, podemos nos dar ao luxo de ficar em quarentena e aceitarmos não receber metade do mês, ou são tão ingênuos que acreditam que os patrões que nem querem pagar o obrigatório, nos pagariam um salário sem que trabalhemos.

Para nós é impossível fazer quarentena sem arriscar perder nossos empregos, eles não podem nos forçar a escolher entre nos expor ao contágio, trabalhar em casas que estão em quarentena e expor nossas famílias também, ou perder a única renda que temos.

Nosso sindicato, que decide e negocia pelas nossas costas, que nada fez por um aumento digno além de "pedir reflexão" ao ministro Morôni, novamente diante da crise sanitária, não disse uma palavra sobre os direitos que temos para poder reivindicar a licença com pagamento que deveríamos tirar durante a quarentena.

Hoje fiquei com indignação e raiva ao ver na página do sindicato o formato da nota de autorização para poder circular que o empregador tem que nos dar e, abaixo, ler centenas de comentários de minhas companheiras de diferentes partes do país, dizendo como as patroas as obrigam a trabalhar normalmente visto que não estão doentes. E a resposta do sindicato? Nenhuma. E a resposta do Estado? Para nós é sempre a mesma: nenhuma.

Fica claro que as medidas do governo, longe de servir à prevenção e tratamento da grande maioria, são apenas para cuidar dos bolsos e do bem-estar dos patrões, de todos eles. Porque os patrões e as patroas de quem limpamos suas casas e criamos seus filhos são os mesmos que nas fábricas e serviços precarizam os trabalhadores e também exigem que eles não faltem ao trabalho.

No entanto, volto a lembrar do exemplo de minhas companheiras de Nordelta, que venceram a luta contra a discriminação e o ódio da classe privilegiada porque elas não se resignaram e porque se aliaram a outros trabalhadoras da classe, se aliaram aos estudantes, às trabalhadoras da cooperativa Madygraf, a antiga Donnelley, hoje sob gestão dos trabalhadores, e aos professores fazendo assim com que suas demandas fossem ouvidas com muita força.

Elas nos mostram o caminho. E hoje é a nossa vez de nos organizarmos, juntamente com outros setores, aos trabalhadores, estudantes e nos nossos bairros, para estabelecer Comitês de Segurança e Saúde por zonas, entre trabalhadoras registrados e precárias, para que também nós possamos lutar por nossa saúde, pela proibição das demissões e suspensões, para que o salário de cada trabalhadora seja respeitado, para defender e exigir acesso a uma saúde pública de qualidade, para que os hospitais tenham os suprimentos necessários para enfrentar esta pandemia e para que seus trabalhadores possam fazê-lo sem dar sua vida a ela. Por isso precisamos exigir e impor que o Estado destine todos os recursos necessários à saúde e não ao pagamento da dívida pública ou com subsídios a empresas privadas. A dívida é com nós e com nossas famílias, não com os chefes ou o FMI.

 
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