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CORONAVÍRUS
O coronavírus é o verdadeiro inimigo? Sobre guerras e a criação de inimigos
Yuri Capadócia

A crise do coronavírus desencadeou verdadeiras operações de guerra por parte dos diversos governos do mundo contra esse inimigo microscópico. O presidente francês, Emmanuel Macron, foi quem primeiro afirmou e reiterou com todas as letras: “Estamos em guerra”. Mas quem é o verdadeiro inimigo e quais têm sido as armas dos governos neste campo de batalha?

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Como em todas as guerras, há uma dissimulação por parte dos governos. A construção de um inimigo é sempre funcional: “Estamos em guerra contra o vírus”, eles dizem. A burguesia cerra fileiras, momentaneamente, e seus governantes conclamam que a população siga unida e subordinada, acatando suas decisões que crescem em autoritarismo mas não em eficiência na prevenção e no tratamento.

Mas será que a guerra é mesmo contra o vírus? O novo coronavírus, o COVID-19, não é o inimigo. A verdade é que ele é uma mutação nova de uma doença que acomete a humanidade a milênios. Digo isto não para minimizar em nenhum grau o impacto catastrófico que vem tendo no mundo, cuja crise se desenrola ainda sem contornos nítidos mas com perspectivas progressivamente assustadoras. Mas para retirar as lentes de aumento que permitiram que um organismo microscópico tomasse tamanhas proporções monstruosas.

Novamente, ainda que seja uma mutação e portanto não apresente uma vacina ou cura, estamos falando de uma gripe. Dessa forma, o tratamento para seus sintomas já está no conhecimento e no repertório médico humano. A batalha mortal que os governos burgueses estão travando, não é contra o vírus em si, cujo tratamento é de conhecimento geral, mas contra sua disseminação que sobrecarrega e colapsa os sistemas de saúde ao infectar milhares de pessoas simultaneamente. As principais iniciativas dos governos tem sido nesse sentido, tentar retardar a proliferação dos casos para que não impacte penosa e tragicamente na assistência médica.

Eis aí o movimento de cortina de fumaça dos governos burgueses. O centro do discurso dos políticos capitalistas é de que é preciso deter a proliferação do coronavírus, mas pouco falam sobre a precariedade dos sistemas de saúde, precariedade que eles mesmos construíram com a implementação de uma agenda neoliberal de cortes e destruição da saúde pública. O principal organismo debilitado na luta contra esse novo vírus não é o organismo humano, mas a saúde no contexto capitalista.

Quando o centro do debate gira em torno das medidas de isolamento e quarentena, que possuem seu lugar dentro do quadro de emergência que vivemos, estamos corroborando essa dissimulação dos políticos. A chave do debate é porque os sistemas de saúde ao redor do mundo não oferecem sequer condições mínimas de tratamento para o conjunto da classe trabalhadora, quanto mais a estrutura necessária para enfrentar uma crise, que ainda que resultante de uma mutação imprevisível, tem antecedentes e que seguirá acometendo a humanidade.

O Deus Mercado está em quarentena

O neoliberalismo, em nome do Estado mínimo, buscou enxugar os gastos com saúde e asfixiar o serviço público, incentivando a penetração da iniciativa privada no lugar. O Brasil é uma boa expressão desse movimento. Em nome da responsabilidade fiscal aprovou-se a emenda constitucional do teto dos gastos que apenas em 2019 roubou do orçamento da saúde o valor de R$ 9,46 bilhões. Se a saúde no país já subsistia em condições precárias, demandando investimentos, o que esperar de uma política de retirada de verba da área? Vivemos em um país que não oferece nem mesmo saneamento básico para um amplo conjunto da população, condição mínima para a saúde pública. Discute-se as defesas brasileiras contra o vírus pensando no número de leitos de UTI disponíveis, quando no Brasil não existe água e sabão para uma camada da população.

Na linguagem médica existe o conceito de “porta de entrada”, doenças que debilitam o organismo tornando-o mais passível de outras enfermidades. Podemos usar como analogia para tratar do neoliberalismo. O neoliberalismo, em particular as políticas de austeridade levadas mundo afora no pós-crise 2008, foi uma política que ampliou as condições para a instalação do vírus. Mesmo na Europa, dos países tratados como modelo de Estados do Bem Estar Social, vemos o campo aberto que o vírus encontrou para seu avanço, principalmente em países como Itália, Espanha e Grécia, submetidos a duros ajustes fiscais.

Entretanto, o neoliberalismo, em particular o neoliberalismo senil desse ciclo pós-crise de 2008 incapaz de restaurar integralmente a hegemonia burguesa e as taxas de crescimento de uma economia empacada, é apenas a nova mutação de uma doença mais antiga que acomete à humanidade senão a milênios já a alguns séculos.

A revolução burguesa que resultou no capitalismo, nem sempre foi uma doença. Porém, todo o desenvolvimento técnico que ela propiciou, e que hoje deveria estar a serviço de vencer a dita guerra contra o corona, não é empregue a serviço população. Em um artigo desse mesmo site, Danilo Paris, ao relembrar que após a eclosão dos casos na China os governos do resto do mundo tiveram de 2 a 3 meses para se preparar, perguntava:

“Para ir mais a fundo na questão. Frente à uma pandemia dessa magnitude, por que nenhum governo do mundo reestruturou o conjunto de seu complexo produtivo para responder aos problemas epidemiológicos? Começando pelo mais básico, as indústrias químicas e de fármacos, com capacidade para produzir álcool em gel e máscaras, deveriam ter sido reestruturadas para produzir esses itens aos milhões, e distribuí-las para toda a população. Por que não foi pesquisado e desenvolvido novas formas de produção do teste para o vírus?

Essa medida, elementar para que o país pudesse fazer testes massivos poderia já ter sido implementada há muito tempo, e o conjunto dos laboratórios, públicos ou privados, já ter iniciado sua produção bem antes de atingirmos um alto nível de contágio. Os setores industriais metalúrgicos e que produzem equipamentos hospitalares, há muito tempo deveriam ter aumentado sua capacidade de produzir tudo o que fosse necessário para aumentar a estrutura hospitalar, como por exemplo a produção de ventiladores pulmonares mecânicos, ou oxigênio comprimido em cilindros, que são fundamentais para salvar milhares de vidas. Ainda, toda a rede hospitalar já deveria estar inteiramente unificada para atender toda a população, não havendo divisão entre público e privado.”

Leia mais:Capitalismo, um sistema incapaz de enfrentar uma gripe

Os capitalistas apenas agora, frente a imposição de uma verdadeira barbárie, ousam ensaiar medidas consequentes como essas, numa nova mutação do capitalismo, um “capitalismo de estado”. Apenas flertam com medidas como essa, buscando ainda desviar do centro da questão, o enfrentamento da propriedade privada. Na Espanha, o governo do reformista Pedro Sánchez, anunciou a estatização temporária do sistema de saúde privado, grifando em letras maiúsculas para a burguesia que se trata de uma medida TEMPORÁRIA. Preferem insistir em medidas paliativas ao invés de avançar definitivamente a cura da doença.

Mas aí que está, o coronavírus expõe as debilidades imunológicas de uma sociedade atomizada, em que a saúde é privada, em que a produção é fragmentada. Para responder ao inimigo os governos são obrigados a avançar em medidas de centralização econômica. Montadoras automobilísticas são chamadas a produzir respiradores mecânicos, numa mostra da reestruturação produtiva. Ao mesmo tempo que esses governos burgueses definem qual ramo da produção é essencial ou não. Aqui no Brasil, Bolsonaro colocou os call centers como serviços essenciais, expondo milhares de trabalhadores ao risco, como mostramos numa série de denúncias sobre as condições precárias, unicamente para manter os lucros dos capitalistas. Na Argentina, Alberto Fernández classificou as empregadas domésticas como serviços essenciais.

A produção capitalista está de quarentena frente a crise do coronavírus. A medida que a produção capitalista sucumbe fruto de sua irracionalidade e ineficiência, o Estado burguês é chamado a intervir promovendo o “capitalismo de Estado”. Mas se instala um debate sobre a produção, quais são os serviços essenciais ou não. Mesmo entre os trabalhadores, que não querem perder suas vidas em nome de um emprego precário com um salário baixo e insustentável mesmo em contextos sem crise. Não a toa aqui no Brasil, a revolta contra o descaso por parte de governo e patrões se inicia com inúmeras paralisações no telemarketing. Protestos em que os trabalhadores gritam “Não vamos morrer na PA”.

Frente a barbárie que se anuncia pela atual crise, os políticos burgueses concedem em pequenas medidas de uma planificação estatal, mas uma planificação que parte da perspectiva de classe do estado, que mantém na linha de frente da exposição jovens precários, que serão chamados a servir como soldados no front, arriscando suas vidas frente ao descaso também dos patrões que se recusam a ser consequentes com medidas sérias de prevenção a seus trabalhadores.

A produção capitalista já está questionada mesmo por esses políticos demagogos, porém para que seja superada, é imprescindível entender que apenas o controle operário dos trabalhadores pode oferecer a cura. Somente os trabalhadores podem eleger quais ramos são essenciais ou não, ou como reestruturar as demais cadeias produtivas para atender a esses objetivos essenciais. E nesses ramos essenciais de produção, como produção de alimentos, logística e abastecimento, saúde, cabe aos próprios trabalhadores organizados através de comissões decidirem as condições necessárias para a continuidade da produção.

A verdadeira cura para essa atual pandemia, para sua crise econômica adjacente, e para as futuras crises, econômicas ou sociossanitárias, é os trabalhadores tomarem as rédeas da produção humana, sendo capaz de direcioná-la para a plena satisfação de suas necessidades.

 
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