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Coronavírus
A UE está deixando a Itália morrer
Madeleine Freeman

A União Europeia está deixando o povo italiano morrer enquanto o país encara o maior surto pandêmico do coronavírus que a Europa presenciou até agora. A UE apenas se preocupa em estabilizar os mercados e proteger os lucros capitalistas - não se preocupando em proteger as vidas das milhões de pessoas que vivem e trabalham na Europa.

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REMO CASILLI/REUTERS

Os objetivos que a União Europeia propõe a si mesma são "promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus cidadãos". Ela reivindica "oferecer liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas". Declara compromisso em "incrementar a coesão econômica, social e territorial e a solidariedade entre os países da UE".

Porém, a UE abandonou a Itália - que é um membro desde a fundação da UE em 1958 - à própria sorte desde o início da pandemia de coronavírus. Ignorando os pedidos italianos por ajuda, não faz nada além de exacerbar a escalada da crise econômica e de saúde pública na Itália. A falta de respostas mostra que cada um desses princípios citados são exatamente o que são: não apenas promessas vazias, mas mentiras descaradas. Longe de uma organização democrática para a paz e a cooperação, a UE é uma federação controlada pelas potências europeias predominantes, cuja única preocupação é proteger os lucros capitalistas enquanto os mercados mundiais tropeçam.

O Surto na Itália

A Itália foi o primeiro país na Europa a entrar em isolamento completo, como resultado da severidade do surto de coronavírus. Em 9 de março, o governo fechou as fronteiras e todas as empresas, exceto mercados e farmácias. Escolas, universidades e eventos públicos também foram fechados ou cancelados. A polícia patrulha as ruas, aplicando multas às pessoas que saem de suas casas sem permissão por escrito. Trabalhadoras da saúde estão montando UTIs improvisadas nos corredores dos hospitais e estão elas mesmas trabalhando até a beira da exaustão, tratando o máximo de pessoas que podem.

Mas essas medidas emergenciais não foram o suficiente para evitar que o coronavírus avançasse sobre o país, infectando milhares em taxas crescentes e matando mais e mais pessoas a cada dia. Já existem aproximadamente 35.713 casos de coronavírus no país, que resultaram em impressionantes 3.000 mortes até agora. O governo anunciou na quarta-feira que 475 dessas mortes ocorreram em um período de apenas 24 horas.

Como muitos dos países mais atingidos pela crise, após décadas de medidas de austeridade e cortes em programas socais, o governo italiano e o sistema universal de saúde estavam despreparados para conter a disseminação do vírus ou tratar dos infectados. Sem pessoal, camas ou equipamentos médicos suficientes para tratar os pacientes, médicos foram forçados a priorizar o tratamento - não para os com os piores sintomas, mas para os com as maiores chances de recuperação.

Enquanto isso, a economia italiana, que já estava fraca antes da crise golpear, foi paralisada na medida em que os mercados mundiais quebravam, a produção parava e o país era forçado a aplicar recursos extras para combater a epidemia.

O governo, sem um plano de contingencia para combater uma crise de saúde pública assim, fracassou em suas medidas iniciais em relação ao surto, aumentando a taxa em que o COVID-19 se disseminou. Está salvando as empresas italianas enquanto os hospitais estão sobrecarregados e a maioria das pessoas está lutando para sobreviver à crise. A maioria dos trabalhadores está em quarentena domiciliar, forçados a fazer um esforço de trabalho dobrado ao trabalhar a partir de casa e cuidar de suas famílias simultaneamente. Aposentados não podem sobreviver à quarentena com as pensões miseráveis que recebem.

Muitos outros trabalhadores ainda estão sendo forçados a estarem no trabalho, arriscando exposição. Isso fez com que um setor de trabalhadores da Itália e de outros países iniciassem uma luta contra as condições de trabalho inseguras e o fracasso da classe dominante em combater a pandemia. Eles estão se organizando em seus locais de trabalho, iniciando greves, paralisações e boicotes por doença que reivindicam a garantia do pagamento no tempo de quarentena, caso fiquem doentes, equipamentos de proteção e medidas estruturadas para manter eles e seus entes queridos seguros durante a pandemia.

À medida a classe dominante vacila e o surto se intensifica, muitas outras ações desse tipo serão necessárias para combater essa crise que o capitalismo criou. Porém, a economia italiana e seu sistema de saúde aos pedaços não são as únicas razões pelas quais a crise atingiu tal ponto. E não são os únicos motivos porque ficará pior.

A UE se importa com lucros, não pessoas

No último mês, quando a epidemia do coronavírus começou a atingir um ponto crítico na Itália, com casos de contaminação aumentando rapidamente e a economia italiana praticamente parada, a Itália pediu à UE que enviasse ajuda e suprimentos médicos. A UE e todos os países membros ignoraram completamente o chamado. De fato, vários países, incluindo a Alemanha, até pararam de exportar suprimentos médicos vitais, como máscaras, para a Itália. O resto da Europa cortou todo o transporte da e para a Itália - uma tentativa vã de impedir que o surto se espalhasse. Em vez de trabalhar com a Itália para conter o vírus e cuidar dos afetados, a UE reforçou as fronteiras que tanto gosta de dizer que não existem entre os países membros.

Embora a UE seja antes de tudo uma instituição econômica, responsável pela regulamentação do euro, ela também alega ser uma aliança política de 27 países que trabalharão juntos em tempos de crise. O Mecanismo de Proteção Civil da UE é uma divisão da UE projetada especificamente para ajudar países sobrecarregados por desastres - e supostamente permite que eles recebam ajuda dos países membros e a ajuda da UE no planejamento de uma resposta à crise. Possui fundos de quase €500 bilhões para esses fins. Mas quando a Itália pediu essa ajuda, recebeu pouco mais do que o silêncio de seus supostos aliados.

Em vez disso, a UE concentrou-se na economia da Itália e em seus potenciais efeitos nas perspectivas de mercado da UE. A economia da Itália já estava fraca quando a crise bateu. Possui altos níveis de dívida pública (uma das mais altas do mundo) e alto desemprego, tornando-a uma das economias mais precárias da UE. Décadas de medidas de austeridade do governo italiano (sob pressão da UE) deixaram-no sem o equipamento necessário para combater a crise e colocam a responsabilidade de uma resposta nas costas dos milhões de trabalhadores que são forçados a ficar em casa sem tempo livre suficiente, que foram demitidos ou que ainda estão sendo forçados a trabalhar e correm o risco de exposição ao vírus.

Além disso, o Banco Central Europeu (BCE), que é o braço econômico da UE, deixou a Itália definhando, apesar do estrago causado pela pandemia em sua economia. Christine Lagarde, presidente do banco, disse em 13 de março que o BCE não é responsável pelo alívio da dívida dos países atingidos por um grave surto de coronavírus. A mensagem era clara: a Itália está sozinha. Depois que esses comentários provocaram críticas internacionais, Lagarde corrigiu suas palavras como um "mal-entendido", mas isso não impediu que os mercados italianos caíssem drasticamente após a conferência de imprensa.

Pouco depois, quando pressionada sobre sua resposta à crise da Itália, a Comissão Europeia (o ramo executivo da UE) anunciou que adotaria uma abordagem "compreensiva" do aumento dos gastos do governo da Itália e não a disciplinaria por violar os padrões da UE em matéria de restrições orçamentárias e crescimento econômico, à luz das circunstâncias extraordinárias que o país enfrenta. O órgão aconselhou a Itália a implementar medidas fiscais e certos cortes para realocar fundos para o sistema de saúde sobrecarregado.

Enquanto isso, a UE concordou em disponibilizar mais 25 bilhões de euros (US$28 bilhões) em fundos para combater a crise, mas até agora ainda está discutindo sobre como alocá-los. É provável que eles usem o fundo de emergência para criar linhas de crédito para países afetados pelo vírus e permitam ao BCE comprar dívidas do governo - em outras palavras, a UE está especulando em cima da pandemia, tentando melhorar as condições para os bancos do mundo à custa da vida e dos meios de subsistência de milhões de pessoas.

Nesse sentido, essa "resposta" é o neoliberalismo levado às suas conclusões mais extremas. A UE preferiria que a Itália instituísse medidas adicionais de austeridade e restrições orçamentárias para sair de uma crise que exige mudanças estruturais urgentes e radicais para retardar e combater o surto. Apesar de sua retórica de trabalhar em conjunto para combater a crise social e econômica, a solução da UE é endividar a Itália ainda mais, para que os bancos possam evitar uma desaceleração incontrolável agora e garantir lucros depois. Em vez de coordenar uma resposta européia unida para enfrentar a pandemia, tratam a crise como unicamente econômica.

Ao mesmo tempo, enquanto a UE coloca todos os seus esforços em proteger os mercados, os países membros individuais tendem a tomar decisões mais "nacionalistas" em suas respostas ao surto. Como resultado da profundidade da crise, os estados europeus estão passando das regras do jogo neoliberal para uma espécie de "capitalismo de estado" e, ao fazê-lo, estão dispostos a sacrificar a Itália para se salvar. Cada país está instituindo suas próprias medidas de emergência para fortalecer sua economia e infraestrutura médica precarizada e para retardar a propagação do vírus. A França ordenou que as pessoas ficassem em suas casas. A Espanha tomou controle dos prestadores privados de serviços de saúde e está requisitando suprimentos médicos.

Esses dois fenômenos mostram que, quando se trata de situações reais, a UE não é uma organização de cooperação internacional, mas simplesmente um aparato pelo qual é fácil movimentar capital e alavancar a dívidas governamentais. E nessa tensão, podemos ver claramente que o capitalismo não está equipado para lidar com a crise atual.

Deveria ficar claro que, mesmo com suas limitações estruturais e burocráticas, a UE tem os recursos para diminuir os efeitos do surto de coronavírus na Itália. Poderia intervir para salvar vidas. Afinal, é uma aliança das maiores potências da Europa. Atualmente, a UE controla quase 20% do PIB mundial - possui recursos para apoiar diretamente a Itália durante todo o período. Seus países membros possuem grandes indústrias de equipamentos médicos. A UE poderia coordenar um esforço para fornecer a assistência médica necessária à Itália e conter a propagação e o impacto do vírus, já que coordenou esforços em menor escala antes para impedir incêndios na Suécia em 2018.

Porém, a UE existe para promover o livre comércio entre os países europeus em benefício dos países mais poderosos da Europa e às custas da grande maioria das pessoas que vivem dentro de suas fronteiras. Sua principal diretiva é proteger a economia e os lucros capitalistas. Como resultado, está subestimando a extensão da crise da saúde pública. Mas, ao fazê-lo, está falhando em cumprir até mesmo seu mandato principal. A UE está tentando tomar as mesmas medidas que adotou para combater a crise de 2008, medidas que resultaram na falência da Grécia e em seu endividamento crônico; se essas medidas foram catastróficas para a Grécia, certamente serão piores para países como a Itália na atual crise.

À medida que a contagem de mortes na Itália aumenta - com hospitais incapazes de cuidar de pacientes doentes e familiares forçados a se despedir de seus entes queridos infectados via Skype e FaceTime - a UE deixou claro que não se importa com o “bem-estar” dos milhões de pessoas dentro de seus limites. Não há “solidariedade” com as dezenas de milhares de pessoas que lutam contra a doença, os milhões de pessoas em quarentena ou os trabalhadores que estão sendo forçados a trabalhar no meio de uma crise de saúde pública. As fronteiras flexíveis da UE - que agora fecharam com a propagação do vírus - revelaram-se “abertas” apenas ao comércio e à imposição de dívida externa.

O fracasso da UE em responder à crise da Itália expõe de maneira aguda as limitações da coordenação internacional capitalista - que nunca pode proteger os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos mais atingidos pelas crises do capitalismo. Mas também mostra a urgência e necessidade de um verdadeiro esforço internacionalista no interesse da classe trabalhadora, do tipo que somente o socialismo pode oferecer.

Este artigo foi traduzido para o Esquerda Diário por Caio Reis. O original se encontra aqui, em nossa mídia irmã, localizada nos Estados Unidos, o Left Voice.

 
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