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EDITORIAL MRT
Lições da greve dos transportes na França para a luta no Brasil
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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Em 2018 estourou um dos conflitos de classe mais novos dos últimos anos: o dos Coletes Amarelos na França, que com sua radicalidade chamaram a atenção de todo o mundo. Foram meses e meses de manifestações que abriram uma nova etapa da luta de classes internacionalmente, que vai da Catalunha ao Iraque, do Líbano a Hong Kong, passando pelo ciclo de revoltas populares na América Latina. Agora, vemos um desenvolvimento mais profundo e classista: a greve dos transportes na França, com exemplos espetaculares de auto-organização. Acreditamos que estes exemplos deveriam ser um centro de reflexão da esquerda brasileira em um momento de grandes ataques do governo bolsonarista, fruto do golpe institucional.

Em primeiro lugar é importante apontar o enorme bloqueio midiático que a luta dos transportes na França tem sofrido, o que faz com que o Esquerda Diário seja a principal imprensa no Brasil que difunda todo o processo de luta (veja o dossiê completo do Ideias de Esquerda sobre a França) que envolve a RATP (os metroviários e demais transportes metropolitanos de Paris) e a SNCF (os ferroviários), sua radicalidade contra o governo de Macron e sua busca por hegemonia operária entre setores mais amplos da sociedade.

Mas o que mais chama atenção deste processo são três pontos que se entrecruzam: a) a centralidade da classe trabalhadora e seus métodos de luta; b) a auto-organização pela base dos trabalhadores; e c) o enfrentamento contra a burocracia sindical.

Contra todas as toneladas de livros escritos nas últimas décadas para "provar" que a classe trabalhadora não tem uma importância fundamental, negando seu papel como sujeito social potencialmente hegemônico, o movimento atual coloca em primeiro plano a importância dos trabalhadores no controle das posições estratégicas que fazem funcionar a sociedade (indústria, transportes, serviços, etc.). A nova configuração da classe, que se tornou mais heterogênea e sofreu um amplo processo de fragmentação (efetivos, contratados, terceirizados, sem contrato, desempregados, nativos, imigrantes), diferenciando-a da aparência tradicional do século XX - tudo isso não impediu que a ocupação dos centros nevrálgicos da economia possibilitasse aos trabalhadores situar-se em um local privilegiado para articular um poder independente capaz de aglutinar o povo explorado e oprimido a partir das unidades de produção (empresa, fábrica, escola, campo).

Outra das características distintivas do movimento atual é que a radicalidade expressa no movimento dos Coletes Amarelos em 2018 foi absorvida pelos trabalhadores. Isso quer dizer que os operários não aceitam mais de forma passiva as negociatas e manobras de suas direções sindicais burocráticas, tendo como lema "a greve é dos trabalhadores". A título de exemplo, os trabalhadores eletricitários, com seus métodos "Robin Hood" de cortar a energia dos capitalistas e religar o serviço às famílias pobres que não podem pagar por ele, recentemente cortaram a energia da sede da central sindical CFDT, cujo secretário-geral, Laurent Berger, é um colaborador aberto da reforma previdenciária macronista.

A auto-organização pela base é também um traço distintivo do processo. O mais importante fenômeno se dá com a Coordenação RATP-SNFC, dos trabalhadores do transporte em Paris. Essa Coordenação, segundo os próprios participantes do movimento, foi o sustentáculo central que garantiu que a greve permanecesse de pé no duro período do fim de ano, quando as burocracias sindicais da CFDT e da CGT buscavam gradualmente desativar o processo. Chegou a reunir mais de 100 representantes de até 14 terminais de ônibus (de um total de 21), de três linhas de metrô e das duas linhas de trens urbanos, assim como de algumas estações, centros técnicos da SNCF. A Coordenação é parte de um fenômeno de reorganização com um forte caráter anti-burocrático, uma espécie de "sindicalismo de base" que são majoritariamente trabalhadores de menos de 40 anos, muitos de origem imigrante. Tem por isso como um eixo no enfrentamento à burocracia sindical, que faz de tudo para impedir que a greve siga se aprofundando e generalizando até a derrubada da reforma da previdência de Macron.

A ocupação da estação de Lyon num ato contra a repressão aos grevistas; marcha de mais de 3000 pessoas em pleno 26 de dezembro contra os chamados da burocracia à passividade e à trégua; e a coletiva de imprensa na qual os grevistas fizeram um contra-discurso de fim de ano, respondendo ao que fez Macron, são exemplos da potência da luta dos trabalhadores que ganhou grande repercussão midiática em toda a Europa.

Dessa forma, vai surgindo também através da Coordenação RATP-SNCF uma nova geração de militantes operários que se destacam como dirigentes políticos de sua própria luta. Um dos principais porta-vozes dessa luta é o ferroviário Anasse Kazib, militante trotskista da Courant Communiste Révolutionnaire (tendência do NPA), que é a organização irmã do MRT na França. Anasse se transformou em uma das principais referências do movimento, não apenas na luta, mas também na mídia e nos debates, deixando em ridículo distintos funcionários do governo Macron em plena rede televisiva nacional. Alvo do ódio da extrema direita, representa uma camada política de trabalhadores classistas e antiburocráticos cujo desenvolvimento dá amplas perspectivas para a esquerda francesa na batalha pela construção de um partido revolucionário dos trabalhadores nesse país imperialista central.

Essas são características que fazem do processo francês algo que merece toda a atenção da esquerda brasileira. Entretanto, espanta o silêncio dessa mesma esquerda, que não atua como um fator de choque contra o bloqueio midiático da imprensa burguesa. Nunca é demais lembrar que, mesmo num ano eleitoral, o centro de gravidade está na luta de classes, e o exemplo de combate mais importante vem da arena internacional, sem cujas experiência é impossível construir uma força anticapitalista e socialista. Neste sentido, consideramos que as correntes do PSOL e seus parlamentares deveriam ser parte ativa de difundir a luta francesa e tirar lições deste processo.

No marco de suas modestas forças, a CCR vem batalhando para aprofundar as tendências antiburocráticas e à auto-organização, tanto impulsionando a Coordenação dos transportes, quanto editando o diário Révolution Permanente (seção francesa da rede internacional de diários La Izquierda Diario) que já em 2018 havia se tornado um ponto de referência para um setor durante o movimento dos Coletes Amarelos, com mais de 2 milhões de acessos mensais (superando a audiência de jornais históricos como L’Humanité, ligado ao Partido Comunista Francês), e que está novamente cumprindo um papel importante. A organização dos Comitês do Révolution Permanente no Norte e no Sul da região parisiense com dezenas de grevistas da RATP, da SNCF, professores e estudantes, assim como em Tolouse e Bordeaux, produziram um polo de organização militante. Colocamos todas as nossas energias para, fundindo-nos com o melhor do movimento operário, da juventude e da esquerda francesa, abrir caminho à construção de um partido revolucionário dos trabalhadores.

Em um cenário mundial em que vemos um novo despertar da luta de classes, a grande pergunta é como passar justamente da revolta à revolução, e fazer com que as energias liberadas pelas rebeliões tenham como objetivo não apenas a pressão extrema, mas a construção de uma nova ordem. Mas o que vemos é que as importantes revoltas populares ao redor do mundo ainda não deram origem ao desenvolvimento de organismos próprios da classe operária que superem suas direções burocráticas. Também por isso consideramos que a luta francesa tem uma importância histórica.

É uma oportunidade perdida que a esquerda brasileira hoje esteja em debates eleitorais que buscam reeditar "frentes amplas" que diluem o programa revolucionário, ao invés de conectar o debate eleitoral com a luta de classes e as saídas para enfrentar os ataques. Particularmente no Brasil isso se faz urgente uma vez que as direções burocráticas das centrais sindicais atuam fortemente como freio de qualquer tipo de mobilização, enquanto as reformas da previdência, trabalhista e novos ataques vem passando a toque de caixa.

A Coordenação RATP e SNCF mostra como os trabalhadores podem dar uma visibilidade à greve que sai dos objetivos atomizados da burocracia, obcecada por negociar não a favor dos trabalhadores, mas para conter a luta e manter se em sua posição de privilégios de classe. Com ações que furam o bloqueio da mídia, enlouquecem o governo e fazem as burocracias ter que pensar novas formas de contenção, a luta francesa é um saudável contra-exemplo, frente a como a esquerda atua com a burocracia sindical no Brasil, negando-se a criticar suas tréguas e freios ou até mesmo denunciar suas traições, cujo exemplo máximo foi o desmonte da greve geral do 14J ano passado que permitiu uma tranquila aprovação da odiosa reforma da previdência em nosso país. Além de permitirem tais direções traidoras como parte dos movimentos como é a Frente Povo Sem Medo da qual a CUT também é integrante. Dessa forma é impossível aparecer como um contraponto a política da burocracia sindical.

Por isso o Esquerda Diário está buscando difundir este processo de luta aos leitores brasileiros e chamamos todos a participar da jornada em apoio a greve dos transportes na França que realizaremos no próximo dia 24 quando uma nova mobilização ocorrerá neste país.

 
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