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IMPERIALISMO
Cinco momentos em que os Estados Unidos interveio no Irã
Nina DeMeo

Antes do recente ataque aéreo no Irã, os Estados Unidos havia estendido seu braço imperialista no Irã durante vários momentos chave da história. Segue aqui uma breve retomada da intervenção dos Estados Unidos no Irã.

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O ataque aéreo perto do Aeroporto Internacional de Bagdá – autorizado pelo presidente Donald Trump e que resultou na morte do principal comandante militar do Irã, Qasem Soleimani – intensificou o que já eram altas tensões entre o Irã e os Estados Unidos. A relação entre o Irã e os EUA tem sido durante muito tempo uma relação de contenção e violência. Para entender esta história, devemos começar com o golpe de 1953 organizado pela CIA, que derrubou o primeiro-ministro democraticamente eleito Mohammad Mosaddegh e instaurou como líder do Irã Shah Mohammad Reza Pahlavi, um ditador pró EUA.

O golpe de 1953

Em 1951, Mohammad Mossaddegh foi nomeado primeiro ministro do Irã com um amplo apoio popular. Um dos primeiros atos importantes de Mossaddegh foi nacionalizar as reservas petroleiras do Irã – que haviam estado sob controle britânico através da Anglo-Iranian Oil Company (agora parte da British Petroleum) durante os 50 anos anteriores – e expulsar os interesses corporativos estrangeiros.

Ainda que Mossadegh não era comunista, tinha o apoio do Partido Comunista. Os britânicos, enfurecidos pela perda de seus interesses estrangeiros, jogaram com os temores da era McCarthy sobre o comunismo nos EUA para convencer a administração de Eisenhower da necessidade de empreender a operação Ajax, um plano arquitetado para expulsar Mossadegh.

Em agosto de 1953, Mossadegh havia sido deposto pela CIA; o Shah, cuja influência havia se debilitado sob o governo do primeiro ministro Mossadegh, tomou o poder mais uma vez. Com a liderança de Shah, o Irã foi empurrado para uma ditadura cruel durante a qual os iranianos foram submetidos a tortura e prisão pela polícia secreta, conhecida como SAVAK, que foi treinada e financiada pela CIA. O brutal governo de Shah, de 26 anos, acabaria levando à Revolução Islâmica de 1979.

A Revolução Islâmica e a crise dos reféns dos EUA de 1979

Sob o governo de Shah, Irã experimentou o que se denominou como “revolução branca” para modernizar e ocidentalizar o país. O Shah, respaldado pelos EUA, serviu às elites e as massas pobres sofreram desesperadamente com seu governo. Ao final dos anos 70, o Irã viveu uma onda de protestos antigovernamentais que foram recebidos com uma repressão muito severa. O Shah declarou a lei marcial (norma que o Estado implanta em determinada nação com o intuito de substituir todas as leis e autoridades civis por leis militares), o que levou a uma greve geral e a um apagão da economia iraniana.

Durante a revolução, O Shah se viu obrigado a fugir do Irã e escapou para os EUA, supostamente para buscar cuidados médicos. De 4 de novembro de 1979 até 20 de janeiro de 1981 – 444 dias no total – um grupo de estudantes universitários iranianos tomaram como reféns 52 diplomatas e civis estadunidenses na embaixada dos EUA. As demandas dos estudantes ara a libertação segura dos reféns incluíram: 1) Devolver o Shah ao Irã para ser julgado; 2) Liberar os ativos do Irã congelados nos EUA ao povo iraniano (Washington congelou os bens iranianos nos bancos americanos e suas filiais em represália pela tomada de reféns na embaixada dos Estados Unidos); 3) Uma promessa de que os EUA não interfeririam mais no Irã; e 4) Uma desculpa dos EUA sobre a anterior ingerência no irã, especificamente o golpe de 1953.

Durante a revolução, muitos islâmicos teocráticos aumentaram sua popularidade por seu sentimento antiamericano e anti-imperialista compartilhado. O aiatolá Khomeni, um dos líderes religiosos do Irã, que no governo de Shah havia sido forçado a um exílio de 14 nos por falar contra a secularização do Shah no Irã, foi aclamado em seu regresso ao Irã. Finalmente, tomará o poder e estabelecerá seu regime em 1979, estabelecendo oficialmente a República Islâmica do Irã, de natureza teocrática. Embora a revolução tenha começado com um amplo sentimento anti-imperialista e anti-ditatorial, foi usurpada por clérigos reacionários que reprimiram os revolucionários de esquerda e instituíram um estado teocrático autoritário.

Participação na guerra entre Irã e Iraque e derrubada do voo 655
Em 1980, o Iraque sob a liderança de Saddam Hussein, liderou um ataque contra o Irã, iniciando a guerra de 8 anos entre as duas nações. O Iraque queria anexar a província de Khuzestan, rica em petróleo, na fronteira ocidental do Irã. A guerra entre Irã e Iraque foi uma das mais letais e brutais do século XX. Quase meio milhão de iranianos foram assassinados.

Fiel a sua natureza imperialista, Estados Unidos jogou para ambos os lados do conflito, assegurando o desequilíbrio regional de modo que nenhuma das duas nações obtivesse a vantagem. Ao fazer isso, os EUA mantiveram sua fortaleza na região, cimentando o ressentimento dos iranianos em relação aos EUA. Este apoiou o Iraque proporcionando dinheiro, armas e serviço de inteligência. Além do mais, os EUA, assim como seus aliados, ajudaram o exército iraquiano com o desenvolvimento de armas químicas que foram usadas extensamente contra o Irã. Os Estados Unidos também proporcionaram armas ao Irã, apesar de manter um embargo contra a região, no que ficaria conhecido como o escândalo Irã-Contras.

Um dos momentos mais trágicos e contestados da participação dos Estados Unidos ocorreu no final da guerra entre o Irã e o Iraque, quando o USS Vincennes, um cruzador de mísseis guiados, abateu o voo 655 da Iran Air, um voo civil que estava viajando de Bandar Abbas (Irã) para Dubai (Emirados Árabes Unidos). O tiroteio ocorreu no Estreito de Ormuz e resultou na morte dos 290 passageiros.

Cabe destacar que o Estreito de Ormuz é um lugar incrivelmente estratégico para o comércio internacional porque é a única passagem marítima do Golfo Pérsico para o mar aberto. Um terço do gás natural liquefeito do mundo e quase 25% do consumo total mundial de petróleo passam por ele. Apesar de ter sido declarado culpado em 1996 pela Corte Internacional de Justiça e de ter sido condenado a pagar uma indenização de 130 milhões de dólares, os Estados Unidos não pagou até que o presidente Obama assumiu o cargo e nunca se desculpou formalmente pelo terrível incidente.

Sanções e embargos (década de 80, 1995 e atualmente)

A ingerência dos EUA no Irã não tem sido somente de golpes para mudanças de regime e intervenções militares, mas também de intervenção econômica em forma de sanções comerciais e embargos. Imediatamente depois da crise dos reféns na embaixada estadunidenses do Irã, o presidente Jimmy Carter assinou a Ordem Executiva 12170, que congelou os ativos iranianos, num esforço de pressionar os sequestradores para que liberassem os reféns estadunidenses.

Estas foram as primeiras sanções que os EUA impuseram ao Irã. Embora eles não tenham feito nada para aliviar as tensões diplomáticas durante a crise dos reféns, eles criaram um precedente para a estagnação política entre as duas nações que, nos anos seguintes, muitas vezes resultaram na emissão de sanções e embargos no lugar de negociações políticas diretas. Duzentos e doze dias após a crise dos reféns, Carter foi ainda mais longe, interrompendo todas as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Irã e encerrando toda a ajuda alimentar ao Irã. Embora os Estados Unidos tenham concordado em revogar as sanções após a libertação dos reféns, apenas algumas foram retiradas.

Sob o governo Reagan, que coincidiu com a guerra entre o Irã e o Iraque, o Irã foi designado como um estado que promove o terrorismo, o que deu a Reagan a possibilidade de instalar novas sanções. No entanto, apesar de manter uma forte posição pública em apoio às sanções, Reagan vendeu secretamente armas ao Irã sem a aprovação do congresso em 1986, o que mais tarde seria conhecido como o escândalo Irã-Contras, a fim de financiar o grupo anticomunista dos Contras na Nicarágua lutando contra o governo sandinista.

O governo Clinton foi caracterizado por algumas das sanções mais duras contra o Irã. Em 1995, o presidente Clinton proibiu o comércio dos EUA com a indústria de petróleo do Irã e, mais tarde, qualquer comércio dos EUA com o Irã. As sanções mais recentes contra o Irã, sob o atual presidente Donald Trump, levaram a uma grave crise econômica para o povo iraniano, que levou à erupção de protestos generalizados contra o governo, inicialmente desencadeados pelo aumento dos preços dos combustíveis. Esses protestos foram recebidos com violenta repressão pelo governo iraniano. Décadas de sanções contra o Irã por uma superpotência global como os Estados Unidos desestabilizaram a economia do país, colocando continuamente as massas do Irã em uma situação econômica precária. Essas sanções, em particular, ocorreram sob os governos democratas e republicanos. Trump anunciou novas sanções contra o Irã durante sua conferência de imprensa na quarta-feira passada.

Acordo nuclear de 2015

O acordo com o Irã, também conhecido como Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA, sigla em inglês), foi orquestrado pelo governo Obama em 2015 após anos de tensão sobre as supostas tentativas do Irã de desenvolver um programa de armas nuclear. O acordo foi assinado por um grupo de potências mundiais conhecido como P5 + 1 (EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha). Os negociadores iranianos concordaram com restrições que permitiriam ao Irã continuar mantendo as necessidades de energia do país por meio de urânio enriquecido, limitando suas atividades nucleares, em troca da suspensão das sanções econômicas impostas a ele.

Em 2016, os inspetores declararam que o Irã estava cumprindo suas obrigações com o acordo e, consequentemente, todas as sanções internacionais relacionadas à energia nuclear contra o Irã foram retiradas. Pouco depois, o Irã começou a enviar petróleo para a Europa pela primeira vez em três anos. Como o petróleo representou 80% das exportações do Irã, a economia deste país recebeu um grande impulso graças ao acordo nuclear alcançado até o momento.

De forma controversa, o governo Trump pediu para se retirar do acordo após sua eleição em 2016. Trump, sob pressão de importantes aliados dos EUA na região, como Israel e Arábia Saudita, argumentou que o acordo não tratava do comportamento regional do Irã. Em 2018, os Estados Unidos se retiraram do JCPOA e as sanções foram novamente impostas, paralisando rapidamente a economia do Irã e atingindo os trabalhadores daquele país com maior força. A taxa de desemprego no Irã subiu para 13,8% naquele ano e a moeda iraniana, o rial, caiu para mínimos históricos. A retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear desencadeou um efeito dominó, e a retirada causou sanções que, por sua vez, criaram uma situação econômica cada vez mais frágil no Irã.

A decisão do governo Trump de matar o chefe-geral do Irã na semana passada seguiu o precedente de manobras imprudente de Trump. Dias após o assassinato de Soleimani, o Irã respondeu anunciando que não iria mais aderir a todas as disposições estabelecidas no acordo nuclear. Essa recente escalada de Trump, juntamente com sanções econômicas recentes, são outros exemplos recentes do imperialismo dos EUA na região. Essa participação dos EUA serve apenas para piorar a vida da classe trabalhadora iraniana e ameaça uma guerra que afetará grandemente os mais vulneráveis no Irã. A única maneira de amenizar essa situação é a retirada das forças americanas da região e a eliminação das sanções.

Este artigo foi publicado originalmente na seção de Tribuna Aberta do Left Voice, mídia estadunidense que integra a rede internacional Esquerda Diário.

 
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