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A economia brasileira em meio a ventos não muito favoráveis lá fora
Yuri Capadócia
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Mesmo com o resultado superavitário, o fechamento da balança comercial de 2019 trouxe más notícias para o governo Bolsonaro. O resultado de US$ 46,7 bilhões foi o pior desde 2015, e registrou um recuo de aproximadamente 20% em comparação com o saldo de 2018 (US$ 58 bilhões). A queda é explicada, principalmente, pelo desempenho das exportações, que caíram 7,5% para US$ 224 bilhões. Mas mesmo as importações sofreram redução, de 3,3%, chegando a US$ 177,3 bilhões.

O resultado assinala um contraponto à euforia dos analistas do mercado financeiro que vem prevendo em 2020 a retomada definitiva do crescimento econômico, com a aceleração do ritmo da economia. Como expressão dessas perspectivas otimistas, no dia de ontem a Bovespa fechou com forte alta - o Ibovespa subiu 2,53%, a 118.573 pontos, hoje sob impacto da tensão no Oriente Médio após o atentado ianque em Bagdá, que matou um general iraniano, as bolsas caem levemente (-0,32% no momento de fechamento desta matéria) mas o preço do petróleo sobe fortemente (+3,45%). A valorização do petróleo deve pressionar no bolso do brasileiro e na inflação, mas por outro lado valoriza a exportação de petróleo brasileiro, o segundo maior produto de exportação do país.

Esse cenário conjuntural beneficia a exportação de petróleo mas a depender da evolução do conflito pode afetar fortemente as exportações a todo Oriente Médio, países que são importantes compradores de carnes e soja brasileiras. Os contornos concretos de como evolui a economia, a geopolítica e a luta de classes internacionais ganham cada vez mais importância em meio a uma persistente debilidade da economia nacional.

Os analistas burgueses comemoram a trégua momentânea na disputa comercial entre EUA e China, vendo nessa paz provisória o afastamento definitivo da crise econômica que fragiliza o comércio internacional. Primeiramente, como debatido pela economista Paula Bach neste artigo, análises como essas, invertem a relação de causa efeito entre a crise econômica e a guerra comercial. A guerra comercial sino-estadunidense, não é mero produto da ação de Trump, nem é a causa da crise econômica, pelo contrário, é uma implicação direta da crise e das dificuldades da economia mundial retomar seu dinamismo desde 2008, resultando no acirramento da competição e do protecionismo entre as grandes potências. Além disso, o ataque patrocinado por Trump ontem que resultou no assassinato do general e braço direito do aiatolá do Irã Khalemeni, lançou imediata instabilidade no comércio internacional, provocando um choque do preço do petróleo, ante a perspectiva do crescimento das tensões no Oriente Médio.

O resultado da balança comercial, junto desse explosivo crescimento das tensões no Oriente Médio, são um lembrete de que as incertezas do comércio internacional permanecem como o principal ponto de imprevisibilidade para qualquer análise. Se a aproximação das eleições norte-americanas são um incentivo para que Trump busque uma estabilização nas tensões com a China e um resultado econômico favorável, por outro lado, são também um incentivo para que dê uma cartada como essa no Irã e busque mobilizar seu eleitorado e a opinião pública norte-americana em torno de uma guerra patriótica contra o “terrorismo” e mesmo certa dose de islamofobia. Os efeitos dessa segunda hipótese para a economia mundial através de um choque do petróleo seriam no mínimo negativas e recessiva senão catastróficos. A única reação de Bolsonaro em relação ao escandaloso assassinato cometido pelo imperialismo, mantendo a sua submissão a Trump, foi lamentar o provável efeito sob o preço do combustível.

Mesmo o cenário de prolongamento da trégua entre China e EUA não é dos mais favoráveis ao Brasil. Parte do resultado inferior das exportações brasileiras na comparação de 2018 com 2019, se deve ao fato de que em 2018, no auge da guerra comercial, o agronegócio brasileiro foi o principal vitorioso, se beneficiando da falta de concorrência no mercado chinês aumentando largamente sua exportação. Com o fim das sanções a soja norte-americana, essa explosão da venda do grão brasileiro não se repetirá, o auge da venda de carnes ao mesmo país, resultado da gripe suína, não compensam na mesma proporção a concorrência americana.

Junto a isso, outra conclusão a partir do resultado da balança comercial é a debilidade da indústria nacional e o aprofundamento do processo de reprimarização da economia brasileira. As vendas do Brasil para o exterior recuaram mais em relação a produtos manufaturados (-11,1%). Pela primeira vez em quarenta anos, os produtos básicos representaram mais da metade das vendas brasileiras ao exterior. Contrariando toda a propaganda do governo de que os tratados de livre comércio assinados fomentariam o comércio, o país vendeu menos para Mercosul, América Central e Caribe, União Europeia, África e Ásia. A crise na Argentina, principal destino dos nossos produtos manufaturados, foi o principal responsável por esse desempenho.

Para Bolsonaro, ou os setores do mercado financeiro adoradores de Paulo Guedes, não há espanto com esses dados de reprimarização da economia, trata-se da execução de um programa que eles chamam de “especialização produtiva”. A transformação do país numa espécie de celeiro do mundo é precisamente o projeto desses atores, que não possuem o menor comprometimento com a superação da subordinação da economia nacional. O crescimento econômico tão alardeado por eles, cujas previsões para 2020 giram em torno de 2%, se assenta precisamente sob essas bases precárias: a exportação de produtos básicos (soja, petróleo, ferro, carnes, milho e algodão nesta ordem de grandeza); a estabilização do consumo interno - a ver como se sustentará após os efeitos da injeção do FGTS; e a precarização dos postos de trabalho. As taxas de desemprego pouco serão amenizadas por esse frágil crescimento, sendo a informalidade e os empregos precários, como os serviços fornecidos pelos aplicativos, o principal refúgio para essa imensa mão-de-obra cada dia mais empobrecida e cada dia mais explorada.

A verdade é que as perspectivas otimistas do mercado financeiro são bastante distante da realidade concreta dos trabalhadores, que independente do nível de crescimento - seja 1,5% ou até 2,3% do último boletim FOCUS do Banco Central - estará aquém de minimamente contrabalancear os efeitos nefastos da aplicação dos ataques recentes: a retirada dos direitos trabalhistas, a reforma da previdência, as privatizações. Nas próprias pesquisas de aprovação do governo Bolsonaro se reflete essa discrepância entre a percepção dos banqueiros, que aprovam esse governo feito sob medida para eles, e a percepção dos trabalhadores e dos oprimidos, em que cresce sua rejeição.

Caso o conflito oriundo da agressão americana ao Irã e ao Iraque não evolua, caso persista a trégua na guerra comercial EUA-China, caso os efeitos do Brexit não sejam muito agudos, caso a crise argentina não se deteriore, caso a luta de classes em nosso continente não atrapalhe planos econômicos e políticos, e várias outras variáveis políticas, econômicas e da luta de classes na esfera internas não se desenvolvam é possível que ocorra algum crescimento econômico, mas ele está longe de resolver debilidades estratégicas da economia nacional que entrou em longos anos de “estancamento secular” segundo alguns economistas neoliberais.

Para se aprofundar na análise da economia brasileira leia “O novo mix econômico de Paulo Guedes: corte de direitos, dependência e desigualdade social

Esse estancamento secular, que em maior ou menor grau se evidencia em diferentes países, é fruto em última instância do rompimento da hegemonia neoliberal. Em nenhum lugar os brutais ajustes demandados pela burguesia conseguem produzir um crescimento econômico consolidado. Essas taxas de crescimento pífias, incapazes de repor o nível de vida dos trabalhadores, se constatam nos diferentes países, e somada a insatisfação da população com o descarregar da crise sob suas costas, como a reforma da previdência de Macron na França, ou o reajuste dos combustíveis no Equador, provocam o despertar da luta de classes e a contestação profunda de seus regimes, como o caso mais emblemático no Chile. Todos esses exemplos ressaltam a falta de um projeto para combater a crise criada pelos capitalistas, são eles ou nós.

Somente a luta das massas, a exemplo do povo chileno, equatoriano, francês e haitiano podem parar os ataques desse governo de extrema-direita e da sua geringonça neoliberal e oferecer um programa alternativo dos trabalhadores para a persistência da crise econômica no país.

 
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