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RACISMO POLICIAL
A Casa Grande agradece: esboço sobre a política de “segurança” do PT de 2002 ao pacote anti-crime
Ricardo Sanchez

A bancada da bala não se fortaleceu sozinha, a aceitação e naturalização de políticas racistas contra juventude não surgiu do nada. Foram alimentadas. O salto no número de jovens, de crianças mortas pelas polícias não é explicável somente pela chegada de Bolsonaro ao Planalto. O apoio do PT a repressão policial, ao encarceramento em massa de jovens negros não nasceu com a votação da Lei Anti-Crime de Moro e Bolsonaro. Esse apoio tem uma longa história e está cada vez mais forte em cada estado governado pelo partido de Lula.

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Ilustração de Alexandre Miguez

O punitivismo defendido por Bolsonaro, Moro e a bancada da bala obteve uma vitória semana passada, as custas de não emplacar todo o programa de Moro, conseguiram mesmo assim que aumentassem as possibilidades que policiais podem matar sem punição, aumentaram as condições para permitir um aumento do encarceramento em massa no país. Não somente conseguiram aumentar hipóteses de “excludente de ilicitude”, de mirar na cabecinha e atirar como diz o reacionário governador do Rio, como também aumentaram as penas que atingirão sobretudo jovens e negros. A vitória não foi exatamente como Sérgio Moro queria mas contou com um dado a mais: quase todo o PT e uma parte expressiva do PSOL, especialmente Marcelo Freixo, votou junto ao PSL, PSC, etc. A direita racista, punitivista foi acompanhada pelo PT e pelo PSL em aumentar as penas de jovens e negros.

Alguns milhões de jovens e trabalhadores progressistas se chocaram com o apoio de 40 parlamentares do PT e até mesmo de Marcelo Freixo do PSOL ao pacote “anti-crime” de Moro, de Bolsonaro e da bancada da bala. Essa votação não caiu do céu. Não foi uma escolha entre mal menor e mal maior. No caso do PT é mera continuidade na bancada federal de uma trajetória política de andar de braços dados com os aprendizes de Bolsonaro.

Na “segurança pública” nota-se exatamente o mesmo fenômeno do PT fortalecer as forças golpistas e a extrema-direita, como fez com o judiciário, com o agronegócio, com as bancadas religiosas, com uma construção de hegemonia que tomava a população como indivíduos consumidores e não como portadora de direitos, nem falar como classe social. No presente artigo buscamos examinar, à voo de pássaro, alguns dados e fatos marcantes das duas últimas décadas nesse terreno e como onde o PT governa está ocorrendo um salto tão grande, se não maior, da violência policial em tempos bolsonaristas.

Fenômenos culturais, alianças políticas e hegemonia às avessas

Na televisão um policial de uma tropa especial espanca um jovem negro em troca de uma delação, promete, talvez, lhe poupar a vida. Multidões aplaudem, adotam o policial como um símbolo da limpeza do país da criminalidade e da promessa de mudar tudo que estaria podre por aí. Se trataria de 2019 da direita e de racistas comentando sobre Paraisópolis?

Bem que poderia ser, mas a imagem me remete a dezembro de 2007.

Com milhões de cópias piratas Tropa de Elite estreava primeiro nas casas depois como blockbuster nos cinemas. O PIB brasileiro crescia 6,1% ao ano, o dólar estava a R$ 1,79. Lula terminava seu primeiro ano no segundo mandato. Surgia uma nova classe média de trabalhadores precários que já não se contentavam em comprar geladeira e televisão, compravam passagem áreas para visitar os parentes no norte. Era a aurora dos dias de crescimento econômico, de Brasil potência, naquele mesmo ano o país foi escolhido para sediar a Copa. Um ano antes o pré-sal havia sido descoberto, dois anos depois o Rio de Janeiro era escolhido como cidade-sede das Olimpíadas de 2016.

Já há alguns anos dominava a audiência das televisões no comecinho da noite – como acontece até hoje – um estilo de programa policial clamando por sangue, aplaudindo as intervenções policiais mais violentas. Tempo de Datena, de Wagner Montes. O próprio Lula foi a público elogiar a primeira tirada do filme, que segundo ele tinha “qualidades extraordinárias”. E mesmo naqueles dias de promessa reformista, Lula e o PT elogiavam essa mesma violência.

Davam apoio moral e material ao que anos depois veio a ser batizado como “bancada da bala”. No ano seguinte, em 2008 surgia a primeira UPP no Rio de Janeiro. Carregava dinheiro federal, auxílio de R$250 a cada policial pelo bilionário queridinho do planalto Eike Batista, e trazia em sua bagagem impagáveis ensinamentos de repressão cotidiana adquiridos pelo Exército na ocupação militar do Haiti iniciada em 2004 depois de golpe de estado franco-americano e que só terminou em 2017, derrotada pelo desgaste nas massas haitianas.

O primeiro comandante brasileiro da missão de repressão dos negros daquele país, que foi o primeiro a abolir a escravidão, tinha sido o hoje ministro bolsonarista General Augusto Heleno. Naquele ano de 2007 o chefe da missão era o ex-ministro de Bolsonaro, General Santos Cruz, depois ele seria sucedido pelo atual presidente dos Correios de Bolsonaro, General Floriano Peixoto. Junto ao secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Mariano Beltrame, eis os pais intelectuais de um modelo de repressão que veio substituir em determinados locais e conviver em outros com um modelo mais diretamente de tiroteio. Modelo atualmente em renascimento pelas mãos do reacionário Witzel. O modelo das UPPs e controle territorial de áreas importantes no Rio de Janeiro, para “gringo ver” nos mega-eventos foi feito em acordo com o PMDB de Temer e Cunha, Paes, Cabral e Pezão. O aprendizado haitiano foi impagável para a iniciativa. Mais tarde, a intervenção federal no Rio de Janeiro, em meio a qual à vida de Marielle Franco foi arrancada, apoiou-se na experiência haitiana para administrar a repressão em uma escala ainda superior, em um estado inteiro e por um ano.

A própria ocupação do Haiti teve seus momentos “Witzel” e seus “momentos UPP”, com o massacre em Cité Soleil com 63 mortos e 14 desaparecidos, experimentos mais de ocupação permanente em Bel Air, Cité Militaire, e posteriormente na mesma Cité Soleil.

Com Tropa de Elite e seu culto a matar jovens ou com formas mais “cidadãs” de repressão permanente, com humilhação e esculacho diário, como as UPPs, estava dado de uma maneira ou outra que a política de segurança era bater, prender, e com variações na quantidade: matar. Bater, prender, matar jovens negros acusados de tráfico de drogas. Em meio ao Brasil potência, à promessa de desenvolvimento, em meio à preparação à Copa, Olimpíada, recepção ao Papa, se mostrava que esse mesmo desenvolvimento ocorria sangue negro.

O discurso de ordem incluiu aliança política do PT com o PP de Paulo Maluf (e Bolsonaro naquele momento) nacionalmente e com especial destaque em São Paulo e na Bahia, em nome de tirar os tucanos e tirar os carlistas. Essa política rendia votos e elogios no Cidade Alerta, no Balanço Geral. No Rio de Janeiro significava um favorecimento às milícias ao estabelecer um foco da política repressiva em determinados locais e no controle de territórios. Com as milícias se sabe não somente quais negócios prosperaram, mas também quais políticos. Essa combinação local e nacional era uma maneira de dizer estar construindo uma hegemonia, mas se tratava de uma hegemonia às avessas, como escrevia naqueles mesmos anos (mas com outros objetos que não a segurança pública) o falecido sociólogo Chico de Oliveira. A hegemonia às avessas seria quando um setor subalterno adota como suas posições de outra classe social e faz todos conflitos se passarem de forma que não a luta de classes, como conflitos de pequena política.

Surgiam naqueles anos incentivos materiais a políticas tipo UPP, a criação e financiamento de uma tropa de elite nacional, a Força de Segurança Nacional, surgida em 2004, e depois especializada em reprimir greves operárias (Jirau, Santo Antônio, Belo Monte), protestos populares, e só mais tardiamente em torturar presos.

Eis também anos de uso generalizado na utilização das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). De acordo com estudo do Ministério da Defesa de todas as 138 vezes que as Forças Armadas foram chamadas a reprimir desde 1992, 68 vezes foram em mandatos do PT.

Eis como em anos de fortaleza eleitoral, de crescimento econômico, o PT alimentou uma firme base de apoio da extrema-direita nacional e que suas posições políticas tenham tamanha força popular no país. Esse apoio material e político se traduziu em vários dos principais dados racistas da política repressiva do Estado.

Execuções e aprisionamento em massa de negros

De forma sustentada aumenta a população carcerária brasileira. São em sua maioria jovens e negros. De forma intensa aumenta o número de pessoas mortas pelas forças policiais, em sua maioria jovens e negros, como se viu no recente massacre em Paraisópolis.

Em dezembro de 2003, primeiro ano de mandato de Lula, havia 308.304 presos no país, ou a cada 1000 habitantes, havia 1,82 pessoas estava detrás das grades. Na metade do primeiro ano de mandato de Dilma, já eram 513.802 trancafiados, ou 2,61 a cada mil pessoas. Nos primeiros meses de Temer já tínhamos 726.712 mil detidos, ou 3,53 presos a cada mil habitantes. Esse aumento constante se deu especialmente devido a um salto no encarceramento de jovens acusados de porte e tráfico de drogas. Esses números fazem a população carcerária do Brasil ser a terceira maior do mundo (sendo que o país é o sexto em população) e a quarta maior taxa de aprisionamento por habitantes do mundo, perdendo só para EUA, Rússia e Tailândia nesse quesito.

Esse salto aconteceu especialmente nos governos do PT. Desde a lei de drogas de 2006 até julgamento do STF em 2016 entendeu-se que o tráfico de drogas seria um crime hediondo, portanto inafiançável, e portanto sujeito a prisão temporária com a mera acusação policial. É assim que em 2016 o sistema penal nacional dispunha de 40,2% dos presos sem nunca ter sido julgados e do total de presos 32,6% eram acusados de tráfico.

Essa característica nacional de prender negros acusados de tráfico, presente em estados campeões de encarceramento como São Paulo, desde sempre governado por tucanos, que tinha em 2016 uma taxa de 31,6% dos presos sem julgamento era até pequena comparada com estados governos pelo PT e PCdoB. Em Minas Gerais, Bahia e Maranhão em 2016 as taxas eram respectivamente de 57,8%, 58,2% e 58,6%. O Rio de Janeiro, cravava número quase idêntico à média nacional em 2016, 40,1%. Ou seja, onde o PT e aliados governava (e governa) as taxas de aprisionamento de pobres, negros, sem julgamento, é superior à média nacional.

Esse fato ilustra muito bem como não surgiu do nada o voto petista em comum com os bolsonaristas e moristas nessa semana. Ele também se expressa num salto nos assassinatos policiais, que como se sabe, atingem preferencialmente alvos negros. São agathas, são os 9 de Paraisópolis, e tantos outros que aparecem como acidentes, como gente que estava no lugar errado e portanto “merecia”.

Segundo o Fórum de Segurança Pública entre 2017 e 2018, 75,4% de todos os mortos por polícias eram negros, não há estatísticas detalhadas por raça estado a estado, mas é visível como não somente no Rio de Janeiro de Witzel aumentam os assassinatos, especialmente de negros.

O Rio de Janeiro registrou, oficialmente, 1546 assassinatos por policiais de janeiro a outubro desse ano, um aumento em relação aos números já imensos de 2018 quando foram registrados 1534 em igual período. A Bahia, por sua vez, registrou 350 assassinatos desse tipo até junho desse ano, um salto gigantesco dos 31 assassinatos registrados em 2007 primeiro ano do PT governando aquele estado.

Esse salto em violência policial, racista, na Bahia apesar de mais de uma década de governo petista, não vive somente em estatísticas, mas também em iniciativas comuns com o governo Bolsonaro como a instalação de dezenas de escolas militares. Assim fica mais compreensível como a política petista, em que pese discursos de Lula, falando da escravidão, de revoltas, é de apoiar essa base política e material, fortalecendo esse elemento racista do Estado não somente como oposição adaptada mas como agente onde governa.

Alimente corvos, lhe arrancarão os olhos

A trajetória do PT em apoiar as forças repressivas e racistas do Estado expressa uma mesma política que tem sua contrapartida nos incentivos às reacionárias igrejas quando era governo federal e onde ainda é governo estadual, no auxílio ao agronegócio, ao amém ao judiciário e a cada força da “ordem” e bom negócio dos capitalistas. As forças golpistas e da extrema direita foram, e são alimentadas, pelo reformismo e pela conciliação, em que pese seus discursos que ocorrem ao mesmo tempo que votam junto à direita, ao mesmo tempo que organizam nenhuma resistência aos ataques em curso.

Diz ditado espanhol “alimente corvos e estes lhe arrancarão os olhos”, no entanto, os olhos que são arrancados não são somente os do petismo, mas das massas do país, especialmente dos negros. Essa retomada em voo de pássaro da história recente do PT em apoiar politica e materialmente as forças assassinas do Estado também ilustram a necessária crítica a votação de parte dos parlamentares do PSOL, partido que aparece como à esquerda do PT.

A posição de Freixo, com todo o seu peso nacional é não somente uma afronta a todos aqueles que até hoje exigem justiça por Marielle, votando junto daqueles que quebraram a placa com seu nome, como também se constitui como um empecilho a que ganhe força um questionamento profundo a toda a política racista do estado brasileiro, que começa com as forças policiais e sua autorização a matar impunemente, passa pela repressão a greves e manifestações e encontra guarida na imensa proporção de presos sem sequer julgamento. O PT e também Marcelo Freixo abandonaram a perspectiva de uma resposta minimamente séria e social ao problema da violência e decomposição social da juventude, sua resposta não parte de enfrentar o problema com emprego, saúde, educação, cultura, mas se mantém tal como a direita e todos capitalistas nos marcos de qual resposta repressiva é necessária . É necessário retomar um caminho que dê uma resposta radicalmente social e democrática, portanto anticapitalista, que coloque questionamentos como esse e tenha como premissa e objetivo lutar pelo fim das polícias e erguer uma nova sociedade.

Que o PT vote junto com a extrema direita faz sentido já que governa de braços dados com parte dela nos estados do nordeste e se prepara a mostrar à Casa Grande como podem voltar a ser hábeis comandantes do Estado nacional para garantir os interesses dos de cima, mesmo que às custas de uma ou outra medida limitada de acesso a renda e educação aos de baixo. É possível ver na votação de Marcelo Freixo, Fernanda Melchionna, e Edmilson Rodrigues, todos eles prováveis candidatos a prefeito, uma tentativa de mostrar a setores da ordem como eles podem ser assimiláveis e apoiáveis em suas candidaturas, como várias pessoas tem comentado critica ou elogiosamente nas redes sociais.

A construção de uma esquerda anticapitalista e socialista no país com maior população negra fora da África, com a terceira maior população carcerária do mundo, quando jovens se divertindo são asfixiados por policiais, quando um músico é executado pelo Exército com 200 tiros, quando crianças indo a escola tem vidas ceifadas passa pela crítica radical a todo autoritarismo judiciário e a todo racismo do Estado, começando por suas polícias. Este caminho exige tirar lições do presente e do passado, ter uma posição de radical combate político e programático ao Estado e é oposto daquele que é trilhado onde o PT governa e nessa votação no Congresso Nacional junto a parte do PSOL. Esse caminho começa pela luta intransigente por justiça por Marielle, para que todo auto-de-resistência seja julgado por júri popular composto em sua maioria por negros, e pela libertação imediata de todos aqueles presos sem sequer terem sido julgados, sem posições democráticas elementares como essas não há ponto de partida para a luta antirracista, anticapitalista e socialista no país.

Ao contrário de uma estratégia meramente eleitoral e institucional, que consiste em tudo ceder para esperar 2020 e 2022, para hipoteticamente assumir os governos já sob a base de heranças malditas nunca questionadas, como a que norteia as ações do PT e de Freixo, é necessário uma outra socialista e revolucionária. Uma estratégia que se inspire e tire lições da rebelião atual das massas negras no Haiti, da luta de classes no Chile, na França, na resistência das massas ao golpe de Estado na Bolívia e se enfrente com o racismo do Estado brasileiro.

 
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