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ANÁLISE
As divisões na classe dominante e a difícil tarefa de reconstituir o centro político
Thiago Flamé
São Paulo

No vídeo em que respondeu as denúncias que ligavam, mais uma vez, seu nome aos assassinos de Marielle e Anderson, Bolsonaro invocou o fantasma da rebelião popular no Chile, uma perspectiva que tira o sono de políticos e empresários. Com uma economia que custa em se recuperar e com uma agenda de ajustes neoliberais – que agora se volta contra os servis gastos em saúde e educação – inspiradas na ditadura chilena de Pinochet, a elite brasileira tem muito com o que se preocupar.

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Já se passaram três anos (ou quatro se somamos o curto segundo mandato de Dilma que iniciou os ajustes) de uma ofensiva de contra nossos direitos. A PEC do teto dos gastos, a reforma trabalhista e já durante o governo Bolsonaro a reforma da previdência, foram as principais medidas implementadas com a promessa de que a flexibilização das leis trabalhistas e a redução dos gastos do estado trariam novos e pujantes investimentos estrangeiros que gerariam emprego e fariam a economia crescer. Apesar de todas as crises provocadas pela falta de consenso burguês em como superar a crise do regime de 1988 e que por qual arranjo político substituí-lo a partir da ofensiva golpista, a chamada pauta econômica avança, ou seja, avançam os ataques aos direitos e as condições de vida da classe trabalhadora, da juventude e do conjunto dos setores populares. Esse sim aclamado em uníssono por políticos e empresários da elite (e inclusive pelos governadores do PT, PCdoB, PDT e PSB, que negociaram migalhas da privatização do pré-sal para seus estados em troca de apoio explicito ou implícito à reforma da previdência).

Apesar do chamado remédio amargo ter sido ministrado amplamente, as promessas não foram entregues, e os defensores da política neoliberal são obrigados a todo tipo de contorcionismo retórico para justificar suas próximas medidas – que também não terão a força para fazer a economia deslanchar, num cenário mundial de redução do crescimento e tendências recessivas, ainda que a baixa inflação, retomada do credito e dos investimentos estrangeiros tenham evitado que o país se afunde novamente na recessão. No marco de uma economia estagnada, cresce a desigualdade, junto com a pobreza e o governo Bolsonaro agrava todos os problemas estruturais do país, avança contra a Amazônia e os povos da floresta, libera centenas de agrotóxicos e favorece a patronal para aumentar em níveis alarmantes a precarização do trabalho.

Nesse cenário, os setores mais lúcidos da elite política e empresarial, começam a se preocupar em como manter a estabilidade política em um país com um regime esfacelado, com um sistema de partidos carente de legitimidade e tendências a polarização social. A possibilidade de que o Brasil de amanhã pode ser o Chile de hoje tira o sono da elite brasileira. Surgem de vários lados, como expressou FHC em artigo para o Estadão nesse domingo, as tentativas de recompor o centro político – ou um liberalismo progressista nas palavras de FHC – para reabilitar o regime e recompor a legitimidade do sistema político, que parecem encontrar pouco espaço da realidade política e econômica do país.

A dança dos autoritarismos

A semana que passou foi de uma escalada da luta entre a Globo e Bolsonaro. A emissora colocou de novo no centro da política nacional o assassinato de Marielle e Anderson ao apresentar no Jornal Nacional o depoimento do porteiro do condomínio que ligaria mais uma vez Bolsonaro com a milícias, lembrando a todos quem são os vizinhos do presidente. Não fez isso por qualquer interesse em apresentar a verdade, como sabemos. Mas suas intenções também não se resumem a uma disputa entre a emissora e o presidente que ameaça sua concessão.

Tirando o agronegócio, especialmente os latifundiários, e setores do capital comercial e parcela das finanças, o restante da elite brasileira aceitou Bolsonaro a contragosto, como um remédio amargo necessário para levar a frente sua agenda de ataques. Aliado de Trump, não é bem quisto pelos Democratas, que mesmo fora do poder conservam uma enorme influência sobre a política brasileira. Foram as consequências imprevistas do golpe institucional que criaram as condições para a eleição da extrema direita e o “posto Ipiranga” Paulo Guedes, que trabalhou no Chile para a ditadura Pinochet, foi um fiador fundamental de Bolsonaro frente ao mercado financeiro.

As eleições de 2018 forma um golpe forte para as representações tradicionais da classe dominante brasileira. A eleição se polarizou entre um Lula preso apoiando Haddad e o Bolsonaro que galvanizou, especialmente depois da facada, todo o sentimento antipetista insuflado por anos nas classes médias e setores populares. Os partidos de centro-direita naufragaram e o PSDB, principal partido de centro-direita sofreu uma derrota histórica e viu a relação de forças internas de deslocar a direita com a ascensão de Dória, em detrimento do tucanato tradicional.

Contra um Congresso carente de legitimidade, até mesmo um Supremo desgastado por anos atuando como peça chave do golpe institucional e se apoiando na legitimidade que a eleição lhe conferia Bolsonaro tentou sua “nova política”. A estratégia era colocar uma pá de cal no chamado presidencialismo de coalizão (em que o presidente forma uma ampla coalizão partidária no congresso, através de cargos e recursos legais ou não, que limita a amplitude do seu poder, mas lhe dá grande preponderância para pautar a agenda política) e substituí-lo pelo que foi chamado, à falta de nome melhor, de presidencialismo de coerção. Que seria governar impondo ao Congresso sua política, via as ameaças na Lava Jato, os decretos presidenciais e a pressão de uma base de direita e extrema direita mobilizada pelas redes sociais com apoio das polícias militares, das igrejas evangélicas e de parte da cúpula militar – e não menos importante, com a sustentação do governo Trump. Mas os setores políticos e empresariais que seriam deslocados desse novo arranjo de poder – apoiados pelo Partido Democrata que não quer deixar um aliado de Trump se estabilizar no maior país da América do Sul – limitaram a ação do bolsonarismo e da Lava Jato. Se colocaram em confronto dois projetos diferentes de autoritarismo, o bolsonarista somado à Lava Jato – que chamamos de bonapartismo presidencialista imperial – que queria avançar para exercer um poder quase ditatorial desde o executivo, e um outro muito mais heterogêneo – que chamamos de bonapartismo institucional – que quer manter o poder concentrado nas cúpulas do Congresso, do STF e do Alto Comando do exército. Em comum têm o caráter antipopular do seu programa econômico liberal, mas divergem profundamente quanto ao tipo de regime que se quer construir e a como se posicionar na política externa. Por trás dessas divergências estratégicas, estão diferentes grupos econômicos e setores do imperialismo.

Os embates entre o bonapartismo imperial e o bonapartismo institucional dominaram e seguem dominado as crises internas do Bolsonarismo. O resultado desse primeiro embate entre essas duas tendências foi o fracasso do bonapartismo imperial de Bolsonaro, mas não levou a vitória, até agora, do projeto político dos seus opositores. Depois da Vaza Jato (um golpe desferido ao projeto imperial e sua pata no judiciário que era a Lava Jato), que foi levada a cabo pelo The Intercept que é controlado pelo milionário dono do Ebay e que tem múltiplas relações com setores do Partido Democrata, o projeto de bonapartismo imperial que já tinha dificuldades de se estabilizar, sofreu um golpe profundo e na medida em que teve amputada sua perna judicial que era a Lava Jato, no marco de um novo cenário de luta de classes aberto na América do Sul, tende a tomar formas cada mais autoritárias na retórica, com referências mais abertas à ditadura como vimos com a reivindicação aberta do AI-5 por parte de Eduardo Bolsonaro e do general Heleno,

Por parte do bonapartismo institucional, seus objetivos eram duplos, um mais imediato e um mais de fundo. No plano imediato seu objetivo era disciplinar Bolsonaro e obrigá-lo a colocar no centro do governo e agenda econômica e não as pautas de costumes e bandeiras próprias do bolsonarismo (que é liberal apenas por contingência e não por fé) no que até agora estão sendo parcialmente bem-sucedidos, conseguindo de certa forma normalizar o bolsonarismo e manter a estridência de Bolsonaro muito mais na retórica do que nos atos. O objetivo mais de fundo seria o apontado por FHC, de reconstituir o centro político e a centro direita, e seus tecnocratas responsáveis, dando passos atrás no golpe institucional e avançando para uma normalização de uma democracia burguesa dominada pelo arbítrio e golpismo que vivemos desde aquele golpe, para formas mais consensuais de domínio político. Essa segunda tarefa se mostrou ainda mais difícil do que a primeira. Talvez se Bolsonaro fosse um líder mais habilidoso, a extrema direita e o bolsonarismo poderiam ter avançado mais posições, mas Bolsonaro é o que é.

Enquanto bombardeia permanentemente as tentativas da elite em reconstituir os partidos de centro, buscando sempre manter sua posição de mais forte dentre os anti-petistas para assim tentar centralizar a centro-direita em um novo pleito eleitoral, é incapaz de consolidar suas próprias posições e cada vez mais se reduz aos seus apoiadores mais duros, um setor de massas ainda que minoritário. Isso leva a política burguesa a um impasse. O medo de um ataque em regra ao bolsonarismo, de características destituintes, é inverter demais a correlação de forças e ser obrigado, por pressão popular, a não só desfazer a obra político do golpe institucional, mas também questionar sua obra econômica. Bolsonaro joga com essa situação, e o pacote de ataques lançado essa semana, é também para que a elite empresarial e financeira que os deseja seja obrigada e seguir apoiando Bolsonaro.

Nenhum dos dois lados em disputa consegue inverter a balança a seu favor e a proximidade das eleições é um fator a mais para agravar essas disputas. Enquanto os ataques vão passando a oposição gira em compasso de espera, torcendo para a destruição mutua dos dois lados da disputa e a insatisfação popular vai se acumulando, de forma lenta mas continua, frente a uma economia que patina.

As elites espremidas entre o lulismo e o bolsonarismo: o fator Lula

Refletindo sobre as jornadas revolucionarias chilenas um analista da Bloomberg, da maior rede de TVs ligada ao mercado financeiro, afirmou: “no Chile não existe um movimento populista, ou um caudilho político astuto. Tal figura poderia ter sido capaz de usar a ira pública para seus próprios fins, porém também teria tido uma melhor oportunidade de controlá-la”. Na sequência do texto ele cita López Obrador, o presidente mexicano, mas a expressão “caudilho astuto”, invoca a figura de Lula.

Se o enfraquecimento da Lava Jato e a disputa entre o bolsonarismo e os fatores de poder institucionais já colocavam na ordem do dia a necessidade para a elite dominante de ir gradualmente reinserindo Lula nas lutas políticas nacionais (como lhe devolver a liberdade de expressão), a volta da luta de classes ao cenário político internacional acendeu de vez o sinal amarelo. A maioria dos analistas agora apontam como cenário mais provável que Lula esteja livre antes do fim da primavera.

Com a libertação de Lula, mesmo que sem os direitos políticos reestabelecidos (o que também pode vir a ocorrer quando o STF pautar o processo de suspeição de Moro), e elite brasileira vai dar um passo no sentido de tentar reestabelecer a legitimidade do sistema político, mas corre o sério risco de ver todas suas tentativas de recompor o centro político jogadas por terra. Que a burguesia possa se ver presa entre dois caudilhos, o da extrema direita que na verdade acaudilha muito pouco e o indesejável Lula, é uma mostra da profundidade da crise orgânica que vivemos.

A saída do ex-presidente da cadeia tende a aprofundar a crise daqueles que compartilham o desejo de FHC. Ao tender demais ao progressismo (risco que as elites brasileiras não podem ser culpadas de correr) pode-se fortalecer Lula e o PT. Ao tender demais ao liberalismo (de cunho autoritário, como diz FHC), o que tem sido feito desde 2016, quem se fortalece é o bolsonarismo e as variantes de extrema direita.

Lula não é nenhum radical, sempre deixou isso claro, ainda que sua saída da cadeia será um obstáculo a mais para seguir avançando nas medidas de ataque, já que tende a usar toda a sua astucia para desgastar Bolsonaro e abrir caminho para sua eleição em 2022. Quem o colocou no lugar onde não queria, foi o próprio golpe institucional. A figura do ex-presidente preso injustamente é muito mais de esquerda que a sua política (que, mais uma vez como o mesmo Lula gosta de repetir, fez os bancos lucrarem como nunca nos seus governos). Uma vez solto, Lula não vai abrir mão de ocupar o lugar nos movimentos sociais que o PT pode ocupar na oposição como vem fazendo, mas já mostrou que também vai ser ofensivo para ocupar os espaços de centro, renovando as alianças com alas do MDB e do centrão, dificultando mais ainda a tarefa de reconstrução de uma centro-direita burguesa.

Entre a polarização Lula contra Bolsonaro, que tende a se intensificar com a soltura deste e as dificuldades de reconstituição da centro-direita – que FHC cinicamente chama de liberalismo progressista, é preciso abrir espaço para a construção de uma esquerda revolucionaria que supere a conciliação de classes petista (coisa que o PSOL está longe de fazer) e que lute não por uma “frente ampla” de toda a oposição “democrática” - que incluiria todos os que defendem a ideia de um “centro progressista”, e diversas alas do bonapartismo institucional, mas pela unidade nas ruas e nas lutas da classe trabalhadora, da juventude, do movimento camponês e indígena, das mulheres e dos negros, lutando ao mesmo tempo pela constituição de organismo de auto-organização que suprem os limites impostos pelas burocracias sindicais e as direções conciliadoras dos movimentos sociais. Os tempos da bonança econômica dos governos de Lula não vão voltar e sequer vão voltar as condições políticas que tonaram possível os governos de FHC e ainda que a economia possa estar dando pequenos sinais de melhora, não são suficientes para por fim a uma crise orgânica que se estende por anos. A realidade coloca mais do que nunca a necessidade de uma esquerda que paute e aprofunde a lute de classes, único caminho para varrer da política nacional os responsáveis pelo golpe e pela renovada ofensiva neoliberal. Quanto tempo mais vai demorar para que a insatisfação acumulada transborde em revolta? Em boa parte isso depende de quando poderão os setores oprimidos superar os freios a sua mobilização postos pelo PT e, assim, possam desafiar o golpismo, como fez a juventude chilena despertando os trabalhadores e a maioria oprimida da população. E isso é mais que uma análise, e uma aposta estratégica a qual dedicamos nossa energia para sua realização.

 
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