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WITZEL
Witzel e o agressivo choque à direita nas relações raciais no Rio de Janeiro
Carolina Cacau
Professora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe
Renato Shakur
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

80 tiros num trabalhador. 6 jovens mortos em uma semana. Granadas por cima das casas na favela da Cidade de Deus. Recorde de mortes da polícia em 20 anos. Quase 900 pessoas mortas em 6 meses. Os números revoltantes de 8 meses do Governo Witzel, escancaram pós eleição do Bolsonaro, os efeitos da política racista que a extrema direita pretende levar adiante na vida dos negros e dos trabalhadores.

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80 tiros num trabalhador. 6 jovens mortos em uma semana. Granadas por cima das casas na favela da Cidade de Deus. Recorde de mortes da polícia em 20 anos. Quase 900 pessoas mortas em 6 meses. Os números revoltantes de 8 meses do Governo Witzel, escancaram pós eleição do Bolsonaro, os efeitos da política racista que a extrema direita pretende levar adiante na vida dos negros e dos trabalhadores.

A medida que endurece o combate ao crime organizado com sua política de repressão e assassinatos em favelas e periferias, as milícias no Rio vão expandindo seu controle territorial e surgem denúncias da ligação delas como a do clã Bolsonaro no envolvimento do assassinato de Marielle Franco, inclusive nenhuma das mortes pelas mãos da polícia nesses 6 meses foi em áreas dominadas pelas milícias.

No Rio de Janeiro todo dia em média 5 negros são assassinados. Essa é a sensação que nós temos todos os dias ao acordar, que pelo menos cinco de nós irá morrer covardemente assassinado. Segundo o Atlas da Violência de 2019, 75,5% das vítimas de homicídios são negros, para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio, três negros foram mortos. No dia 31 de agosto, a polícia de Witzel assassinou o bebê Benjamim de apenas um mês de idade. Sua mãe Sara que ainda tentou socorrer o filho foi impedida pelos próprios policiais que colocaram um caveirão na porta de sua casa, sem deixá-la sair com o filho todo ensanguentado. Nas redes sociais, culpou a polícia assassina de Witzel.

FONTE: JORNAL O DIA

Os assassinatos de crianças infelizmente são bastante comuns, as operações durante o horário escolar são constantes, ao ponto de uma escola pública colocar uma placa no telhado que alerta a polícia: “Escola, não atire”. Jenifer de 11 anos foi baleada no peito numa operação em Triagem, zona Norte do Rio, em pleno meio dia quando centenas de crianças saíam para ir à escola. Todos se lembram também do caso da jovem Maria Eduarda de 13 anos, assassinada com um tiro de fuzil nas costas dentro da escola, em 2017.

FOTO: JORNAL EXTRA - DOMINGO PEIXOTO

A perseguição e extermínio de negros faz parte da história do Rio de Janeiro, desde os tempos da escravidão, com uma elite escravocrata que surgiu espremida entre a rebeldia dos escravos nos quilombos e os interesses da metrópole, deu origem a uma burguesia sedenta por lucros e que odeia os negros. Se é verdade que as denúncias contra a violência policial, os assassinatos impunes, os autos de resistências forjados e as operações que violam casas de moradores fazem parte da realidade cotidiana do Rio de Janeiro, é verdade também que é uma novidade ter um governador que faz questão de incentivar o genocídio em favelas, inclusive dizendo que jogaria um “míssil” nas favelas.

O choque à direita nas relações raciais no Rio de Janeiro

Desde o golpe institucional e com a eleição de Bolsonaro, o extermínio de negros e negras só tem aumentado. O assassinato de Marielle Franco, uma ferida aberta do golpe institucional e de Mestre Moa, morto a facadas por um bolsonarista são expressões do que temos chamado de choque à direita das relações raciais no Brasil.

Nós do Quilombo Vermelho temos discutido que a eleição de Bolsonaro significou uma mudança profunda nas relações raciais no Brasil, as quais não estão claras quais serão as consequências e respostas. Segundo Alfonso, D.:

“o choque à direita nas relações sociais é uma expressão da superação à direita da ‘democracia racial’, termo cunhado por Gilberto Freyre, um questionamento do que se conhece como ‘mito da democracia racial’[...] A questão é complexa, pois o entendimento geral que baliza (balizava?) a compreensão de uma suposta ausência de racismo e de identificação negra no Brasil está sendo questionado pela direita, pelas palavras e ações de Bolsonaro, seus aliados e uma parcela importante de seu eleitorado”.

A democracia racial é uma ideologia racista da burguesia brasileira que sustenta um discurso mentiroso que o Brasil, por conta de seu processo de miscigenação e branqueamento da população negra, havia se tornado um país sem racismo e apagado para sempre as marcas profundas da escravidão.

Na visão de Freyre, não existe racismo porque a relação do negro no pós abolição é o resultado da fusão, desigual, mas ainda assim uma fusão, entre o negro africano, com seu ritmo, musicalidade, talentos culinários e o caráter, determinação e liderança do português. Por isso, não existiria racismo, porque dessa fusão surgiu a sociedade brasileira, porque os negros, portugueses e indígenas, se fundiram em um só povo, o povo brasileiro.

O choque à direita nas relações raciais significa um projeto político, econômico e cultural que se expressa mais intensamente a partir da eleição de Bolsonaro, no qual os negros não tem nada a oferecer ao país desde sua identidade e sua luta anti-racista, sua única escolha é se enquadrar ao que a direita chama de “cidadão de bem”, aceitando os ataques aos seus direitos como a reforma trabalhista e da previdência e todas as mazelas sociais que o racismo estrutural pode oferecer. Nesse projeto, o negro que não se enquadra deve ser eliminado, e o sinal dessa disposição estatal só pode ser dado, por uma burguesia forjada da forma como a brasileira se forjou, espremida entre o medo das revoltas dos negros e a pressões da metrópole, hoje do imperialismo.

O governador do Rio Wilson Witzel representa esse choque à direita das relações raciais e o projeto político que no Rio de Janeiro tem cara de uma guerra aberta aos negros e trabalhadores é expressão da superação à direita da democracia racial de que falamos acima. Bolsonaro, Witzel e não podemos esquecer também de Crivella e seus ataques à cultura negra, também dizem que não existe racismo no Brasil, enquanto tem uma política agressiva e racista de ataque à identidade negra, em seus aspectos culturais, traços fenótipos e cor da pele, deixando para trás o discurso mitológico da democracia racial. Eles vêm tornando ainda mais explícitas as marcas da escravidão e do racismo nas vidas de negros e trabalhadores, mais vivas do que o racismo que marcou a vida de gerações, e no que ainda depender de sua disposição vão intensificar ainda mais o racismo e a precarização das vidas dos negros.

São medidas que acenam para uma base mais de direita e reacionária da burguesia e da própria classe média (pelo peso que tem no RJ) e os trabalhadores que votaram nele comprando o discurso de combate à violência, que mostram que Witzel está disposto a ser um “Bolsonaro consequente” no sentido de levar à prática algo que as próprias declarações de Bolsonaro dão margem. Ao mesmo tempo, a eleição de uma figura como Witzel só foi possível por conseguir dar uma saída à direita à crise orgânica se apoiando em uma nova relação de forças aberta com o golpe institucional (intervenção federal) e na derrota da classe operária com sucessivos ataques como a lei da terceirização irrestrita e a reforma trabalhista, o que só foi possível graças à traição da burocracia sindical. O que Witzel está fazendo tem um sentido mais imediato, de ser um choque de “ordem” para manter a dominação em um momento de crise orgânica e degradação das condições de vida da massas, mas também tem o objetivo de testar uma nova correlação de forças, que retroage ao grau de naturalização em que cenas chocantes, que em outro momento poderiam causar mais escândalos, passem a se tornar mais naturalizadas e num sentido estratégico, serve para manter os negros e pobres “no seu lugar”, sob o disfarce do discurso da ordem e segurança.

Para combater Witzel e o racismo

Wilson Witzel, Marcelo Crivella e Bolsonaro representam esse choque à direita das relações raciais, eles têm a intenção de tornar ainda mais intenso para os negros e a classe trabalhadora toda a miséria que o capitalismo e o racismo tem a oferecer. O discurso falso de que não há racismo no Brasil fica pra trás, o país miscigenado e “sem racismo” vai dando lugar a outro onde os negros irão perecer nas mãos da burguesia como já acontecia, mas agora em outro ritmo e intensidade, sendo forçados a trabalhar até morrer com a reforma da previdência ou então pelas mãos da própria polícia.

A direita vem dando saídas radicais à questão negra, enquanto isso, a esquerda nacionalmente segue sem um plano de lutas para dar combate a esse avanço reacionário. Isso ficou claro quando os setores que dirigem hoje (PT e PCdoB) as principais centrais sindicais do país, CUT e CTB, e também a majoritária da UNE separaram a luta da reforma da previdência da luta em defesa das universidades, assim como seguem sem um plano de lutas contra os ataques de Bolsonaro. Dentro do movimento negro e da própria esquerda, existem setores que seguem a mesma política de separar a luta dos trabalhadores e dos negros, tendo inclusive sentado com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre para negociar a reforma da previdência e o pacote anti-crime de Sergio Moro, como se ataques dessa magnitude pudessem ser revertidos com reuniões, com o agravante de parlamentares negras do PSOL terem participado das negociações.

O PT também esteve presente nessas negociações, adotando uma estratégia que só pode levar a classe trabalhadora a derrota, separando as demandas da nossa classe e as demandas do povo negro. E não podemos esquecer dos ataques dos governos do PT aos negros e trabalhadores que ao mesmo tempo que reconheceu o racismo discursivamente e garantiu conquistas que vinham sendo exigidas pelo movimento negro, triplicou a terceirização, aumentou a população carcerária e mulheres negras continuavam morrendo em abortos clandestinos. Além disso, foi nos governos do PT que vimos a ocupação do complexo da Maré pelo exército assinado pela presidente Dilma e desde de 2004 com Lula o exército brasileiro oprimia trabalhadores negros no Haiti.

O PSOL segue apostando numa saída parlamentarista. Nas últimas eleições deram peso para as candidaturas de negros e negras, mas essa localização não pode ser vista como um fim em si mesmo e tem que estar a serviço da luta de classes. Por isso é escandaloso que uma figura que tem tanto peso no Rio de Janeiro, como Marcelo Freixo, tenha protagonizado uma vergonhosa entrevista com Janaína Paschoal e que tenha propostas absurdas como a ideia de "melhorar" o pacote anti-crime de Moro, posturas que precisam ser combatidas vivamente pelos setores críticos de seu próprio partido. As candidaturas de negros e negras são uma voz de denúncia do racismo de dentro do parlamento, mas também deveriam ser uma força ativa na organização de centenas de milhares de negros e negras nas ruas, locais de trabalho e estudo, estes que confiaram seus votos a elas com o intuito de combater o racismo e a extrema direita, junto à classe trabalhadora. No último período, o peso e a força da expressão da cultura e da identidade negra expressaram-se politicamente nas revoltas contra o assassinato da Marielle, de milhares que saíram às ruas por todo o país para denunciar o racismo e em repúdio a esse assassinato brutal. Naquele momento, fizemos um chamado ao PSOL, seus parlamentares, sua juventude e suas figuras mais conhecidas a que encampasse conosco um encontro nacional por justiça à Marielle, que seria uma forma de colocar as candidaturas e as posições públicas conquistadas pelo PSOL a serviço de organizar a luta e a revolta que vive em nossos corações desde o dia 14 de março de 2018. Nosso chamado ainda não foi respondido, e seguimos achando fundamental que a luta por justiça por Marielle seja inserida em um plano capaz de vencer.

Os trabalhadores e os negros também não podem ter nenhuma ilusão na justiça burguesa, esperando que vai ser pelas mãos da lava-jato ou com pedidos de impeachment – tal como o PSOL faz muitas vezes – que pode-se encontrar saída à violência urbana, da moradia e do desemprego. O Rio de Janeiro vive uma crise econômica profunda e uma resposta à altura à questão negra só pode vir com um programa que combata a “guerra às drogas”, que só intensifica a repressão agressiva contra os negros e que legalize as drogas para acabar com o monopólio do comércio de drogas que alimenta o tráfico, a própria polícia e as milícias, e a indústria das armas

Ver também: Chega de assassinatos e prisões! Por que legalizar todas as drogas?

É preciso se organizar em cada local de estudo, trabalho e moradia, com um programa que responda de fundo, de forma radical, aos ataques extremos que sofremos. Por isso defendemos que: basta de sangue negro escorrendo nas favelas! Pelo fim dos autos de resistência, mecanismo que legitima e ampara a polícia para matar nas favelas e baixada fluminense. Pelo fim das UPP’s e de operações policiais em favelas que só aumentam o número de negros assassinados pela polícia. Exigimos liberdade imediata para Rafael Braga, para o Dj Renan da Penha, presos por serem negros e sentenciados por um judiciário racista e golpista. Liberdade imediata para Preta Ferreira, cantora e ativista pelo direito à moradia e para Babi Querino, presa por ser negra e ter cabelo crespo! Liberdade para todos os presos que ainda não foram julgados e júri popular para rever as sentenças e condenações dos presos pela justiça racista.

Seguimos na luta por justiça para Marielle que só pode ser através da exigência de que o Estado garanta recursos e todas as condições para a realização de uma investigação independente, disponibilizando materiais, arquivos para organismos de direitos humanos, peritos especialistas comprometidos com a causa, e que parlamentares do PSOL, representantes de organismos de direitos humanos, de sindicatos, de movimentos de favelas, etc., que sejam parte da investigação. Somente a partir de uma forte mobilização será possível impor ao Estado essa investigação verdadeiramente independente que chegue aos mandantes da morte de Marielle Franco.

A questão da moradia, que é um problema na vida de vários trabalhadores e que ficou mais que escancarado nas chuvas que tiveram no início deste ano, só pode ser sanado com um plano de obras públicas que garanta moradia digna para a população negra e pobre, ao mesmo tempo que gere empregos aos desempregados. O estado deve indenizar todas as vítimas das enchentes, da polícia militar e dos ataques aos terreiros no Rio de Janeiro. Os ataques a terreiros de candomblé e umbanda são parte do aprofundamento do racismo, por isso dizemos: Basta de ataques às religiões de matriz africana!

As burocracias sindicais cumprem um papel nefasto de separar as lutas pelas demandas econômicas dos trabalhadores pela via dos sindicatos, dos problemas sentidos pelas massas negras, como por exemplo a questão da violência e o desemprego. Por isso não podemos separar a luta dos negros e negras das batalhas para revogar a votação da reforma da previdência, da reforma trabalhista e da lei de terceirização irrestrita. Por tudo isso, é necessário organizar uma fração revolucionária e anticapitalista que atue no movimento negro e nos sindicatos e movimento estudantil com a perspectiva de unificar nossa classe e juventude contra os ataques econômicos e todas as opressões. Essa é a unidade que nossa classe precisa.

Os resultados e as consequências do que vão significar profundamente em nosso país o choque à direita das relações raciais ainda está por vir. Por hora, vemos diante nossos olhos que a superação do mito da democracia racial à direita se traduz num obstáculo à vida de negros e pobres. Fato é que esse regime em mutação aponta para saídas que colocam a cultura negra e identidade negra como elementos a serem eliminados da sociedade brasileira, reforçando e aprofundando o racismo, por um lado e por outro, intensificando ainda mais os ataques mais nefastos ao conjunto da classe trabalhadora. Devemos lutar pelo exato oposto, em defesa de nossas vidas, da cultura tradicional que nos é roubada, da reivindicação de poder ter o cabelo e a cor que se quiser, de poder sonhar com uma vida que não passe pelo crivo do presídio ou pela ameaça das balas da polícia e das milícias. É preciso batalhar para que esse mito nefasto se supere à esquerda, revelando o racismo e batalhando pelo fim da opressão racial.

 
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