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DOSSIÊ: HISTÓRIA DA UNE
O movimento estudantil até 1968: um debate de estratégias para enfrentar os desafios de hoje
Mariana Duarte
Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Bruna Rosa

A 51 anos do Congresso de 1968 em Ibiúna, invadido pelas forças militares durante a ditadura, é necessário relembrarmos o papel que a União Nacional dos Estudantes (UNE) então cumpriu e, a partir dos erros e acertos da história do movimento estudantil nacional, tirarmos as conclusões necessárias para que o movimento possa fazer a diferença em meio a um dos governos mais reacionários do mundo na atualidade.

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Para isso, pretendemos aqui retomar 3 pontos de debate que consideramos imprescindíveis para um movimento estudantil antiburocrático, pró-operário e anti-imperialista: a aliança com a classe operária, a adoção de uma estratégia de auto-organização dos estudantes em nível nacional, e a construção de um partido revolucionário da classe trabalhadora capaz de organizar sua hegemonia sobre o conjunto dos setores oprimidos e dirigir o movimento de massas rumo à revolução social.

Retomamos aqui o movimento estudantil que reagiu ao brutal e simbólico incêndio da sede da UNE, na Praia do Flamengo, no 1° de abril de 1964, por exemplo, porque nos mostra como a organização dos estudantes representava uma ameaça para os militares. Em 1965, os estudantes da USP organizaram uma greve de 7 mil num cenário em que era vigente a Lei Suplicy (novembro de 64), que proibia as entidades estudantis, como Centros Acadêmicos e Diretórios Centrais de Estudantes, assim como a realização de “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”. Essas e outras batalhas, como as de 68 – ocupação da Maria Antônia, em que o Comando de Caça aos Comunistas do Mackenzie largaram fogo contra os estudantes que lutavam contra a ditadura, a Marcha dos Cem Mil nas ruas paulistanas – só demonstram essa fúria estudantil.

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Os antecedentes: até 1967

No ano do golpe militar-civil-militar, a principal corrente que se desenvolvia no movimento operário e estudantil era o Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Anteriormente, nos anos de governo João Goulart, já expressava sua orientação de apoiar as “reformas de base” e de ter como principal política a chamada “Frente Única Nacionalista e Democrática”, em que seriam também englobados setores da burguesia nacional na luta supostamente anti-imperialista.

A verdade é que o “partidão”, como ficou conhecido, ao tomar essa estratégia de conciliação de classes e uma postura “pacifista”, de transição pacífica ao socialismo, como também ignorar o golpismo do alto escalão das forças armadas, colocando muitas ilusões do chamado dispositivo militar do governo Jango, e ao mesmo tempo utilizar sua base nos muitos sindicatos e entidades estudantis que dirigia para fortalecer a atuação parlamentar dessa frente democrática, asfaltou uma rodovia que conduzirá à derrota sem luta em 1964 – uma verdadeira tragédia histórica que marcou o início da decadência sem volta do velho “partidão”. Essa tragédia se aprofundou com a sua inércia no desenrolar do governo militar. Com a tomada do poder pelos militares em abril de 1964, o partido foi aos poucos perdendo forças, principalmente entre estudantes, que se revoltaram com sua política de conciliação de classes – importada diretamente do XX Congresso do PCUS dominado pela burocracia soviética agora sob controle de Khruschov, que facilitou a vitória do golpe de 1964.

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Fruto de suas análises políticas que tinham como principal base a oposição entre nação e imperialismo – como se a burguesia de países atrasados como o Brasil não fosse aliada do imperialismo para submeter a classe operária – o “partidão” acabou por ter uma política cuja “contradição entre burguesia e proletariado assumiam caráter não prioritário, não exigindo uma solução radical”. Para o PCB, a burguesia nacional, em oposição à burguesia imperialista, se colocava objetivamente ao lado do proletariado nacional – o que se provou como uma gigante capitulação, levando a uma derrota de grandes proporções do movimento operário na década de 60.

Em oposição a essa concepção é que rompem do PCB duas alas. Uma delas já tinha rompido em 1962, dando origem ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que toma para si uma linha teórica maoísta, inspirados na Revolução Chinesa. Mas, no pós 64, vão surgindo ao longo dos anos seguintes dissidências estudantis que conformarão uma linha mais guevarista, com a tática de foquismo. As dissidências tendiam a não aceitar alianças com setores burgueses e, não muito tempo depois, acabaram por fazer parte de algumas das principais correntes da guerrilha nacional.

A influência do maoísmo e do foquismo no movimento estudantil brasileiro

Ambas não tinham como motor da revolução a classe operária, mas o movimento camponês e o foco guerrilheiro, ou seja, não tinham como centros organismos de democracia operária e partidos operários revolucionários, como foram os sovietes russos, e, sim, priorizavam formações de partido-exército. Tanto na China quanto em Cuba, essas estratégias levaram a formações de Estados já burocratizados.

A tendência de Mao Tsé-Tung tinha uma estratégia de “guerra popular prolongada”. Consiste em desenvolver uma dinâmica revolucionária apoiada no campesinato, que engloba setores da burguesia nacional, pequena-burguesia urbana e proletariado (bloco das 4 classes), na ideia de que, para países com capitalismo semicolonial, se desenvolvesse uma revolução de caráter burguês-popular em geral (de libertação nacional).

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Já sobre o “foquismo” em Cuba, é uma tendência que priorizou na revolução a atuação focalizada no campo e na área urbana de guerrilhas (na versão do foquismo adotada pelo sociólogo francês Regis Debray).

Essas revoluções já nasceram burocratizadas, porque foram conduzidas por um aparato de partidos basicamente militares (de base camponesa, no caso do Partido Comunista Chinês), que governaram esses países, em vez dos órgãos de democracia de base, proletária. Nessas revoluções, nunca a emancipação foi obra dos próprios trabalhadores e camponeses com seus órgãos e partidos formados pela vanguarda mais avançada do proletariado. Na verdade, o PC chinês e o cubano conscientemente nunca praticou ou estimou a democracia fabril, os comitês de fábrica, muito menos os sovietes, e fundaram as bases sociais revolucionárias com a imposição de partidos-exército.

O 29° Congresso da UNE em 1967

No congresso de 1967, foram essas duas tendências teórico-políticas que se apresentaram na disputa para dirigir o movimento, na forma da Ação Popular (AP) e das Dissidências Estudantis do PCB junto com a POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária). O marco político foi a proposta de Reforma Universitária com o Acordo MEC-USAID, em 1966.

O acordo previa uma reformulação curricular do ensino superior para a formação de quadros técnicos mais alinhados à política e aos objetivos norte-americanos, imperialistas, e a centralização do poder das universidades nas mãos das reitorias. A disciplina de Educação Moral e Cívica foi uma decorrência sua no ensino básico. Não sem resposta do movimento estudantil, foram realizados protestos pelas principais capitais contra o MEC-USAID e o regime, que ocasionaram o “massacre da praia vermelha” no Rio de Janeiro, em que a polícia cercou a Faculdade de Medicina e promoveu um espancamento generalizado de mais de 500 estudantes.

Na disputa pela direção da UNE, a Ação Popular, que possuía maioria, seguia uma estratégia de “guerra popular”, baseada na aliança entre operários, camponeses e estudantes que tinha como principal método as manifestações de rua – mesmo em momentos de refluxo das lutas –, e colocava que essa aliança serviria para a luta não somente para as pautas estudantis contra a ditadura, mas contra o regime militar e todas as suas políticas.

Em outro polo, estavam as já mencionadas dissidências estudantis do “partidão” ao lado da POLOP que, influenciadas pela Revolução Cubana, passaram a adotar a estratégia foquista. Esse polo defendia que o movimento estudantil tinha que ter pautas próprias, ter como centro somente a luta contra a política de ataque à educação do governo militar. Naquele congresso, foram essas duas posições que dividiram os principais cargos da diretoria da União Nacional dos Estudantes.

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Ambas as posições tinham como base de análise a concepção de que o Brasil, por seu caráter de desenvolvimento atrasado em comparação com alguns dos demais países capitalistas, possuía um impasse estrutural de avanço da burguesia nacional na qualidade de classe dominante. Defendiam a tese de que existia uma crise irreversível do capitalismo no Brasil, a qual levaria inquestionavelmente à derrubada do regime militar pelas próprias contradições da burguesia nacional e que era apenas uma questão de tempo até que “o barril de pólvora” explodisse. Será está a concepção, dentre outros equívocos de ordem estratégica, que levará a que as principais correntes de esquerda naquele momento fizessem uma leitura imprecisa dos acontecimentos de 1968.

A AP, influenciada pelo maoísmo, considerava que a tarefa principal do movimento de massas naquele momento era a da derrubada do regime militar e, apesar de não possuírem uma postura pacifista como era a do PCB, também defendiam a tese de Mao – emprestada do socialismo num só país de Stálin e sua concepção de revolução por etapas nos países atrasados – de oposição entre nação e imperialismo, que levava novamente à conclusão de que era necessária uma frente única com a burguesia nacional que estivesse a serviço de organizar um “gigantesco exército das forças populares”, diluindo o papel fundamental da classe operária como única classe capaz de dar cabo aos interesses das massas. Reeditando parte da política de traição do PCB, a AP não reconhecia o caráter estratégico da classe trabalhadora na produção como única capaz de impor uma derrota às grandes empresas que financiavam o regime militar e diluíam seu papel em meio à fórmula de aliança estudantil – operária e camponesa.

As dissidências estudantis e a POLOP por sua vez, ao aderirem ao guevarismo, partiam de uma concepção de não aliança sob nenhuma circunstância com a burguesia nacional, no entanto, tampouco reconheciam o papel dos trabalhadores enquanto sujeito revolucionário. Com sua estratégia baseada nos “focos”, substituíam a organização operária por um pequeno exército pequeno-burguês, que acabou por levar a uma exposição e à destruição da vanguarda de lutadores que se conformava contra o regime, como ocorreu no caso do massacre de nossos lutadores na guerrilha do Araguaia e em todas as guerrilhas urbanas cujos dirigentes mais famosos foram Marighela e Lamarca.

Auto-organização estudantil e aliança com os trabalhadores

Quando pensamos sua atuação no movimento estudantil, é necessário reforçar como carecia a ambas as posições hegemônicas uma estratégia que desse conta de organizar o movimento estudantil nacional desde as bases através da defesa de uma política de auto-organização. Isso significa que uma estratégia que tivesse como objetivo a construção de assembleias massivas capazes de organizar comandos nacionais de estudantes e articular de forma massiva e nacional o movimento.

Nossa inspiração também reside nas batalhas dos estudantes junto aos trabalhadores nas greves de Contagem (MG) e Osasco (SP). Os estudantes compunham com os trabalhadores o apoio ativo à auto-organização, que acontecia pela política das oposições operárias, em especial a de Osasco, a qual, em desacordo com a estrutura sindical oficial dependente do Estado, ou seja, dos militares que estavam no poder, formavam comissões de fábrica – processo que foi interrompido pela derrota de 1968 e a adesão dos principais ativistas operários à estratégia guerrilheira.

Seria muito difícil abordar aqui os diversos aspectos teóricos e políticos a partir dos quais podemos tirar as lições dos rumos, então, dados ao movimento estudantil e operário no combate à ditadura militar. Mas frente aos desafios que encaramos hoje em meio a um governo de extrema-direita que tem como objetivo destruir os sonhos das futuras gerações, faz-se necessário um debate sobre os três principais aspectos de suma importância para o movimento estudantil naquele e neste momento: a aliança incondicional com a classe operária e seu reconhecimento como sujeito revolucionário; a adoção de uma estratégia de auto-organização dos estudantes em nível nacional; e a construção de um partido revolucionário da classe trabalhadora capaz de dirigir o movimento de massas rumo à revolução social.

Consideramos que estes três aspectos fundamentais poderiam ter feito a diferença naquele momento que precedia o levante estudantil de 1968. As lições tiradas desde então devem servir como guia para o agora, em que vemos novamente os partidos hegemônicos do movimento estudantil nacional seguindo uma política de conciliação com os partidos que realizaram o golpe institucional em 2016 e que hoje batalham para a aprovação da reforma da previdência. As atuais direções da UNE mantêm a política de conciliação de classes defendida na época pelo maoismo, porém, sem a sua cara radical da “guerra popular prolonagada”. É o caso do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e de sua juventude, a União da Juventude Socialista (UJS) – que hoje possui a presidência da UNE – que tem seu governador no Nordeste, ao lado dos demais governadores do PT, apoiando a Reforma da Previdência do Governo Federal e defendendo sua ampliação para estados e municípios.

 
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