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REFORMA DA PREVIDÊNCIA
As violentas medidas da reforma da previdência aumentam desigualdades
Letícia Parks

O relatório é violento, digno de filme de terror. Tende a ser o fim da aposentadoria rural, obriga o idoso a esperar até os 70 anos para o auxílio BPC. É a impossibilidade da grande maioria da classe trabalhadora de ter direito ao benefício na terceira idade, forçando a grande massa brasileira a trabalhar até morrer, no país onde jovens não conseguem emprego e onde a média de trabalho formal só diminui. Já as forças repressivas, que matam nossos jovens todos os dias, foram presenteadas e ainda querem mais.

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O maior de todos os ataques: a idade mínima para aposentadoria não significa nada sem a comprovação de 3 décadas inteiras de contribuição registradas

“§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:

(...)
III - no âmbito da União, aos sessenta e dois anos de idade, se mulher, e aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, ou na idade mínima estabelecida em lei complementar dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo”

Hoje, pode se aposentar qualquer trabalhador que apresente um tempo mínimo de contribuição de 20/25 anos, sendo que a idade mínima vale apenas para o servidor público (observado o fator previdenciário 86/96, que soma idade e tempo de contribuição, tendo que chegar a essa soma. Por exemplo, se você contribuiu 26 anos e tem 60 anos de idade, pode se aposentar).

Da forma como é hoje, uma série de pesquisadores já demonstraram como menos de 40% dos trabalhadores na terceira idade conseguem apresentar esse tempo de contribuição. Esses que não comprovam, hoje têm direito a um tipo especial de aposentadoria, que é o BPC, que se baseia no salário mínimo e é disponibilizado às mulheres e homens quando atingem 55 e 60 anos de idade.

Isso mostra como a reforma de hoje, longe de ser “generosa demais”, como diz o governo, seus economistas e o “Centrão”, é incapaz de garantir direitos mínimos à moradia, alimentação, saúde e lazer, pois há décadas o DIEESE calcula um salário mínimo ideal bem maior do que os míseros R$998 com que mais de 60% dos idosos vivem hoje. Tampouco é preciso fazer ajustes de contas que cortem daí, como aceita hipocritamente a suposta oposição de Tabata Amaral, PSB, PT, PCdoB, entre outros.

Com essa violenta proposta do governo, todos, sem exceção, teriam que em primeiro lugar chegar aos 62 anos de idade, se mulher, e 65 anos, se homem. Além de apresentar idade mínima, o tempo de contribuição também é obrigatório. Ou seja, se você mulher chegar aos 62 anos mas não tiver 15 anos comprovados de contribuição ao INSS, terá que trabalhar mais até que tenha. Em média, um trabalhador acumula apenas 9 meses de contribuição por ano de trabalho, e tem, em nossa época, começado a conseguir registro de trabalho cada vez mais tarde. Em termos práticos, para alcançar 15 anos de contribuição completos, estamos falando de cerca de 20 anos para a média de contribuição que um trabalhador consegue apresentar hoje.

Se levamos em consideração que aumenta o trabalho precário, que nossa juventude está massivamente desempregada, os registros diminuem e, portanto, as contribuições também, e esse tempo pode ser ainda maior.

O cálculo do valor da aposentadoria se dará sobre todos os salários já registrados pelo trabalhador

“Parágrafo único. O benefício concedido nos termos deste artigo terá seu valor apurado de acordo com a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7o a 9o do art. 29 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.”

A média aritmética simples pode ser a forma mais suave e oculta de dizer que todos os seus salários, inclusive aqueles do começo da sua carreira, serão calculados para a sua aposentadoria. Hoje, o cálculo incorpora apenas os salários mais altos do trabalhador, como forma de representar na aposentadoria as melhorias de emprego e de renda que se registrou na vida. Essa nova forma de calcular – de onde vem um enorme montante da “economia” de mais de R$1 trilhão – faz com que os salários mais baixos de nossa vida despenquem o valor final da aposentadoria, tornando o salário do teto do INSS quase inatingível pela maioria da população.

Ainda assim, mesmo que você sobreviva depois de 20 anos de trabalho e 62/65 anos de vida – o que não é tão fácil assim para os mais pobres, com vidas menos duradouras que as dos mais ricos, e que o IGBE se recusa a calcular, usando uma taxa bastante abstrata de média de vida para dizer que viveremos todos 75 anos – seu salário de aposentado não vai ser lá essas coisas. Inclusive, ele só será 100% do valor médio dos seus salários se você conseguir comprovar não 15 anos de contribuição, mas 25! É isso mesmo, se você comprovar os mínimos 15, seu salário vai ser só de 60% da média de todos os salários da sua vida.

Uma violência contra as massas trabalhadoras que pode ser uma tortura prolongada

Observe o relatório. Você vai ver que nele está cheio de “nos termos da lei”. Isso significa que boa parte do que foi alterado na constituição terá seus termos melhor discriminados em leis complementares, tal como o tempo de contribuição, a média salarial e a própria aposentadoria rural, que não será mais regulada pela constituição mas por lei simples, e a idade mínima. É isso mesmo, a cada vontade do Congresso de mudar a idade mínima já bastante alta que a reforma propõe, isso pode ser feito com maioria simples.

A diferença fundamental aí é que a lei simples não precisa de ⅔ de maioria do congresso para ser alterada, ela pode ser criada, mexida e transformada por completo com 51% dos votos. Obviamente, é preciso lembrar que qualquer alteração na lei sempre estará submetida não às maiorias congressuais e do Senado, mas pela força que o movimento de massas mostras nas ruas, escolas e locais de trabalho, mas certamente, tornar lei simples é uma forma de tirar os holofotes de cada nova alteração, assim como tornar mais fácil que as vontades desse Congresso historicamente reacionário se valham posteriormente à implementação da reforma da Previdência, sem depender dos acordos que agora contém as vontades, por exemplo, dos parlamentares da bancada da bala, que apesar de dizerem que a reforma os desfavorece, fica claro pelo relatório que foram os grandes vencedores de todo esse projeto.

Policiais civis, por exemplo, terão sua aposentadoria regulada por lei simples. O exército foi agraciado com uma aposentadoria especial acima do teto do INSS e com uma nova patente ainda mais rica na sua carreira para estimular que cheguem aos 20 anos de contribuição. A polícia e bombeiros militares, por sua vez, ainda que tenham que obedecer às idades mínimas e tempos de contribuição definidos pelos estados (assim como os funcionários públicos de cada estado), foram também presenteados com as regras de pensão das forças armadas, que, como sabemos, são bastante generosas em comparação com a família daquele faxineiro que morreu despencando do prédio e que, a partir de agora, terá direito a apenas um salário mínimo desde que comprove renda exclusiva dele. No caso dos militares, os familiares recebem pensão vitalícia de acordo com o último salário, mesmo que todos os membros da família possuam renda própria. A partir da aprovação dessa reforma, policiais e bombeiros militares também.

“Explicitamos, com a nova redação dada ao § 7o do art. 40, que as pensões pagas a dependentes de servidores falecidos também observam, tal como se procede no Regime Geral de Previdência Social, o valor do salário mínimo, nas hipóteses em que constituírem a única fonte do conjunto de beneficiários. Quanto ao mesmo tema, a nova versão do substitutivo esclarece que a pensão diferenciada a dependentes de policiais é derivada não apenas de agressões sofridas no exercício, mas também em razão da função.”

“Art. 15. Enquanto não for editada a lei complementar a que se refere o § 2° do art. 42 da Constituição Federal, aplicam-se aos policiais militares e aos bombeiros militares as regras de transferência para inatividade e pensão por morte dos militares das Forças Armadas.”

Uma reforma violenta para nos fazer pagar pela crise dificilmente seria barrada pela suposta e inútil oposição parlamentar do PT e PCdoB, suas negociações e acordos com o Centrão

Ficou claro com a leitura do relatório que os únicos pontos que caíram da reforma de Guedes foram a extinção do BPC (que no relatório só se pode acessar ao chegar aos 70 anos de idade!), a semi-extinção da aposentadoria rural (essa que não se descarta um ataque posterior em lei simples) e a capitalização, que tem sido aclamada como projeto independente posterior por figuras como Merval Pereira, que corretamente aponta (de um ponto de vista agressivamente oposto ao desse diário) que o atual relatório abre passagem para o regime de capitalização.
Isso porque:

1) ele torna tão irreal e distante a possibilidade de aposentadoria, que os trabalhadores mais qualificados ou com mais estabilidade financeiramente certamente buscarão suas próprias alternativas de aposentadoria e;

2) com a economia de R$1 trilhão (em base ao empobrecimento sistemático das massas), as contas nacionais ficam mais atrativas para as aves de rapina do capital financeiro, que podem ficar mais “entusiasmadas” em investir com programas financeiros como a capitalização, isso porque quanto mais miséria no país, maior a chance de lucrarem com os juros da dívida pública e com a insegurança das massas.

Esse resultado explicita a traição dessa suposta “oposição” encabeçada pelo PT e PCdoB, que tinha como único objetivo negociar melhores condições para os sindicatos e formas de “fechar as contas” (com ataques) nos estados em que são governadores, como foi o caso da sanha dos governadores do PT do nordeste, que fizeram de tudo para poder entrar na reforma porque, segundo eles, algum tipo de economia era necessária.

PT e PCdoB reafirmaram seu papel de controle social das massas, garantindo que a greve geral do dia 14 de junho não expressasse a real revolta que existe nos locais de trabalho e estudo contra a reforma. Não convocaram assembleias, aceitaram as traições das burocracias golpistas da UGT e Força Sindical sem qualquer denúncia – como quando eles cancelaram a participação dos rodoviários da greve, isolando o metroviários de SP – e se recusaram a dar uma enorme demonstração de forças na capital do país, que apesar de uma forte paralisação de rodoviários, universidades e escolas, não teve nenhum ato que pudesse concentrar os lutadores e fazer os coxinhas de 26 de maio passarem vergonha.

Como um presente à sua traição, conseguiram que suas reuniões com Maia e o Centrão levassem a que a MP 873 (que impedia o recolhimento de contribuições sindicais em folha) fosse caducada sem renovação pelo Congresso. Na sua nota, dizem que “Após negociações entre partidos e Congresso, a Medida Provisória (MP 873), que dificultava o financiamento sindical, proibindo os descontos das contribuições sindicais voluntárias na folha de pagamento, perdeu a validade e a Constituição Federal volta a ser cumprida, garantindo a autonomia sindical.” A nota coletiva das centrais não faz qualquer menção à reforma da Previdência, como se esse ataque simplesmente não existisse.

Vale lembrar também do papel criminoso do PDT de Ciro Gomes e Tabata Amaral, que em diferentes momentos dessa narrativa, cumpriram o papel de amarrar setores da juventude à ilusão de que “algum tipo de reforma é necessária”. A hipocrisia da deputada foi tamanha que chegou a dizer que sentia “uma tristeza muito grande” ao ver setores se oporem à reforma, se perguntando, nas palavras dela, porque que “quem é progressista, quem tem a luta social como algo do sangue mesmo, como que essas pessoas não se posicionam contra a desigualdade que é perpetuada pela Previdência?”. Esqueceu de dizer que essa reforma não combate privilégio algum, pelo contrário. Presenteia as Forças Armadas e repressivas, destrói os sonhos da juventude, vende o país ainda mais ao capital estrangeiro e nos faz, na prática, trabalhar até morrer.

As contas não fecham por causa da dívida pública, das trocas de favores e da estrutura de um regime que só existe para favorecer o capital

Um dos maiores erros dessa oposição reside justamente no fato de “aceitarem” o discurso de que é necessário ajustar as contas do país. Se vemos que grande parte dos recursos nacionais do PIB são gastos com juros e financiamento da dívida pública, entendemos que é esse problema que deve ser atacado, e não os míseros valores que garantem a sobrevivência do trabalhador idoso.

A reforma da Previdência nunca foi uma forma de ajudar o país a avançar, mas uma maneira de atrair o capital financeiro para investir num país onde se gasta pouco com o trabalhador, onde se pode explorar uma classe trabalhadora por muito mais tempo de sua vida e onde se sabe que, no final das contas, o PIB não estará comprometido com direitos sociais, mas com mais e mais juros e financiamento da dívida pública, essa algema que existe em todo país semi colonial e colonial, que garante que ele seja um escravo das vontades das grandes potências imperialistas.

A reforma, entretanto, ainda não foi aprovada. É possível que, caso a UNE, CUT e CTB garantam milhares de ônibus por todo o país, o ato do dia 12 de julho, convocado em meio ao CONUNE, em Brasília, seja uma forte demonstração de forças de uma juventude que sabe que esse ataque é um golpe contra seu futuro, que sabe que a reforma da Previdência, junto com a reforma trabalhista, é a forma de fazer com nossos jovens trabalhem até morrer. Os parlamentares e jovens do PSOL também podem cumprir o papel de denunciar as traições das burocracias sindicais e estudantis, um recado que certamente seria ouvido pelos milhares que dedicaram seus votos a esse partido, que infelizmente, até agora, não demonstrou uma política e um modo de lutar que extrapolasse os limites impostos pelo próprio PT.

Também é preciso associar a essa batalha a luta pelo fim do pagamento da dívida pública ilegal, ilegítima e fraudulenta, e por uma Constituinte Livre e Soberana que paralise a constituinte da direita que está em andamento com tantas PECs, MPs e leis antipopulares, e que mude não apenas os atores, mas também as regras desse jogo no qual só ganham os ricos, poderosos e seus cães de guarda. Precisamos fazer com que os capitalistas paguem pela crise, porque nossas vidas valem mais que os lucros deles.

 
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