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IDEIAS DE ESQUERDA
Haddad: "pequenas diferenças" com a burguesia, grandes diferenças com a independência de classes
Isabel Inês
São Paulo

Na ultima segunda-feira o Salão do Livro político na PUC-SP realizou o debate “Governo Bolsonaro – como o Brasil pode superar essa encruzilhada”, com Fernando Haddad (PT), Flavio Dino (PCdoB), Erica Malunguinho (PSOL) e Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do PT. Em meio a críticas a Bolsonaro, reivindicações dos atos pela educação e preparativos para as eleições de 2020, nada se falou sobre a reforma da previdência, e, obviamente, como preparar um plano de luta unificado da juventude e dos trabalhadores. Pelo contrario, muito se falou da construção de uma “frente ampla”, tema do qual vamos debater nesse artigo.

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Imagem - Juan Chirioca

A abertura da mesa, com saudações e homenagens, primou por um clima de resistência a extrema direita, enfatizando a importância da leitura e do conhecimento, um valor oposto pelo vértice ao obscurantismo ideológico e dos costumes pregado pelo bolsonarimo e olavismo. Paulo Freire foi um dos homenageados mais citado, e defendido dos ignorantes ataques que o teórico vem recebendo da extrema direita.

Demarcada a importância do espaço como resistência à extrema direita. Queremos aqui debater com o tema da mesa: “como pode o Brasil superar essa encruzilhada”, a partir da intervenção dos debatedores. Flávio Dino e Haddad levantaram a necessidade de uma frente ampla onde, segundo Haddad “não vamos deixar pequenas diferenças nos dividir”. Frase curiosa, pensando que o petismo e outras forças políticas – incluindo o PSOL – compuseram uma reunião de “unidade pelos direitos” na última semana com setores do PSDB, um partido da direita golpista historicamente inimigo dos trabalhadores. Mas, como diz Haddad, “pequenas diferenças”...

Se, até mesmo pensando sob a ótica eleitoral petista essa “unidade” já soa estranha, quanto mais quando nos pautarmos pela necessidade da unidade dos trabalhadores e da juventude na ação, para objetivos comuns da luta de classes (em termos marxistas, a tática da “frente única operária”, tal como elaborada no III Congresso da Internacional Comunista em 1921 e que mantém absoluta vigência). Para o êxito de uma política dessa natureza, é necessário a mais absoluta independência de classe frente a qualquer variante patronal, algo que o PT nunca se colocou como perspectiva. Uma “frente” tão ampla a ponto de caber até o PSDB de FHC, Alckmin, Doria – para não mencionar os partidos burgueses da centro-esquerda, como o PSB – já demonstra cabalmente que em nada tem de defesa das demandas populares, da juventude e dos trabalhadores.

O que torna possível essa frente é justamente o próprio sentimento que o petismo criou por anos, e principalmente após o golpe, do “menos pior” contra a direita. Aproveitando do genuíno sentimento popular de ódio a direita, para depositar todas as esperanças numa possível mudança eleitoral, a contenção, desarticulação e traições das direções petistas no movimento operário e de juventude, têm como objetivo evitar ao máximo que esse ódio popular se “resolva” na luta de classes, buscando sempre mantê-lo no terreno parlamentar eleitoral, dentro dos limites permitidos pelo regime capitalista.

Assim, essa frente ampla não busca a unidade dos setores que realmente querem lutar contra a direita e os ajustes impostos pelos capitalistas, mas sim busca colocar na prática os trabalhadores subordinados ao programa de frações da classe dominante, e é a receita para manter divididos e fragmentadas as lutas dos trabalhadores e jovens. A unidade com burgueses, golpistas, defensores da reforma da previdência, é a garantia da divisão dos trabalhadores, e sua exclusão do terreno da luta de classes.

Com a crise do regime de 88, o país polarizado e sob os choques entre as forças de poder – bolsonaristas e olavistas contra o “centrão” e o STF – a chamada frente ampla é na realidade uma política do PT para aglutinar sob si os aparatos políticos reformistas de oposição e da própria burguesia mais tradicional (como o PSDB, que derrotado nas últimas eleições não tem força de impor uma agenda própria), com a intenção de recompor o regime e o sustentar. Enquanto o bolsonarismo é justamente a expressão à direita do desgaste de massas com a política tradicional e do stabelichment, o petismo busca recompor o regime e a política tradicional. No Brasil também se repete a definição de Perry Anderson, onde a direita é mais radical (nos objetivos dela) do que essa esquerda.

O objetivo de sustentação do regime se torna ainda mais óbvio pelo fato de que nenhuma das falas sequer mencionou a necessidade de combater a reforma da previdência. Justamente pelo fato de que uma força política disposta a sustentar o regime não pode dar qualquer sinal que se indisponha com os interesses e exigências do mercado financeiro e todo o imperialismo. Não pode colocar duvida que vai religiosamente pagar a divida pública.

Flavio Dino também argumentou a favor dessa frente, sob o raciocínio da necessidade de cindir a base bolsonarista, reganhar a classe média que foi a base social dos atos do dia 26 de maio. Segundo sua analise desde 2013 o “sinal história se inverteu” e a direita passou para a ofensiva porque “cindiram a base petista”, e agora é necessário reconquistar hegemonia e reganhar essa classe média que foi a direita.

Para isso, o governador do PCdoB (partido de origem stalinista), recorre ao Lênin, usurpando a tradição revolucionária, segundo ele, Lênin não escreveu “Viva o Socialismo’ ou ‘revolução já’. Ele escreveu ‘Paz, Pão e Terra’, conseguindo galvanizar amplas correntes”. Nesse sentido, para ele a ideia da frente ampla “deve ir além dos partidos tradicionais de esquerda. Frente ampla não é retórica – é desafio. E só é possível fazer isso com quem não é igual a nós. Falar com iguais é mais cômodo, mas não é conseqüente”. Além da estupenda capacidade de comparar o incomparável: como quem espera que uma girafa voe porque pinguim tem asas. É uma forma muito pouco sofisticada de invocar Lênin para defender uma idéia absolutamente anti-leninista.

Lênin foi junto a Trotsky o máximo dirigente da Revolução Russa, defendia uma política de hegemonia operária, onde os trabalhadores conquistassem a direção dos setores explorados e oprimidos com um programa de independência de classe e de superação do capitalismo, impondo o fim da propriedade privada e construindo uma sociedade de produtores livremente associados. Que isso tem a ver com Flávio Dino? Nada.

De fato o PT perdeu sua base desde 2013, justamente porque assimilou todos os métodos de corrupção e conchavos do regime, governou para os capitalistas abrindo espaço para a direita, compactuando com pautas reacionárias, como os obstáculos legalização do aborto em função de acordos com as cúpulas evangélicas, e atacando os direitos sociais. Se hoje dizem muito sobre a luta da educação, não se pode esquecer que foi na “pátria educadora“ do governo Dilma se iniciou os cortes à educação. A crise econômica somada à crise de representatividade com os partidos tradicionais, fez com que a população buscasse saídas radicais, e enquanto o petismo traía e fragmentava as lutas – como as greves de 2017 – esse espaço anti sistêmico foi sendo ocupado pela extrema direita atribuindo a corrupção, que é própria do capitalismo, apenas ao PT e se construindo ideologicamente em cima de pautas reacionários nos costumes.

A intenção petista de influenciar essa classe média, que foi à direita, não tem nada de hegemonia, como conhecemos na tradição revolucionária: é sim uma orientação eleitoral de reconquistar espaço dentro do regime. Esse é o sentido estratégico da frente ampla petista, construir uma força política que ganhe espaço eleitoral sobre setores que conformaram a base social do golpismo e inclusive do bolsonarismo. Flávio Dino disse claramente que uma das tarefas dessa frente é conquistar espaço nas eleições de 2020. Para isso querem desviar a mobilização da juventude pela educação para o ideal do “mal-menor”, e agora junto dos aliados direitistas, que foram parte do golpe institucional de 2016 e suas conseqüências.

Ao final de sua fala, Haddad disse que o PT plantou a semente da educação e no dia seguinte postou em sua conta no Instagran: “não vamos deixar pequenas diferenças nos separar do grande objetivo, acalentado por professores e estudantes, de construir uma grande nação”. Como vivemos momentos de crise orgânica, muito das disputas levam a definições de forças, o petismo busca desviar a força das marchas pela educação e usá-la como uma alavanca para seu projeto político, com essa mesma lógica constroem a greve do dia 14 de junho, buscando descomprimir o descontentamento popular nas bases e como forma de desgastar o governo Bolsonáro em prol dos objetivos parlamentares e de conchavos do PT.

Enquanto cumprem um duplo papel, para fragmentar a luta real, não só não chamam uma luta unificada da juventude e dos trabalhadores, como foi a recusa da CUT em chamar uma paralisação nesse dia 30, como há uma divisão de tarefas entre as figuras políticas parlamentares e as sindicais, enquanto essa última fala contra a reforma da previdência, no discurso. Os governadores do PT no nordeste defendem a necessidade da reforma, de acabar com a aposentadoria.

Frente única operaria e a hegemonia “além dos limites permitidos”

O caráter conciliador dessa “Frente Ampla” proposta pelo petismo tem como objetivo estratégico a sustentação do regime e do PT como principal força política de oposição.

A tática da Frente Única Operária, que busca unificar os trabalhadores, independente de suas divisões, para atuar em comum contra os capitalistas na luta de classes, tem um objetivo estratégico diametralmente oposto, e em choque com os objetivos da frente ampla, ou seja: estender a influencia das idéias revolucionárias na classe trabalhadora a partir das experiências com as suas direções tradicionais traidoras, ou reformistas. Nesse caso, preparar o caminho para "destronar" o PT e construir forças materiais de um partido revolucionário no Brasil.

Como bem definiu Leon Trotski no seu texto“Sobre a frente única”: “Nós, pelo contrário, estamos interessados, acima de qualquer outra consideração, em obrigar os reformistas a sair de seus esconderijos e em situar-los a nosso lado e em frente das massas em luta. Com uma boa tática isto só pode acontecer em nosso benefício [...] isto significa (se nossa tática é boa) uma ampliação da nossa influencia dentro de novos ambientes operários”.

A frente única pressupõe a completa independência política das frações de classe burguesa que buscam subordinar as lutas aos seus interesses, assim não é a unidade parlamentar ou de aparato, como o petismo constrói chamando de “unidade”.

“a questão da frente única, tanto por sua origem como por sua essência, não é em absoluto uma questão sobre as relações entre as frações parlamentares comunistas e socialistas, entre os comitês centrais de um partido e outro, entre a Humanité e o Populaire [Ndt: L’Humanité era o jornal do Partido Comunista Francês e Le Populaire o do Partido Socialista.]. O problema da frente única – apesar da divisão inevitável nessa época entre as diversas organizações políticas que se fundamentam na classe operária – surge da necessidade urgente de assegurar à classe operária a possibilidade de uma frente única na luta contra o capital.” (Leon Trotski, “Sobre a frente única”)

Assim essa frente é parte fundamental para construir uma força política independente dos trabalhadores, que levante um programa anticapitalista e revolucionário para dar uma resposta radical contra a crise capitalista.

Essa possibilidade só vai ocorrer com maiores embates da luta de classes e experiências com as direções tradicionais do movimento operário. A separação da juventude da classe trabalhadora, é parte de impedir que ambos setores se influenciem e expandam a luta para fora dos limites e da rotina sindical, que justamente trabalham contra a lógica de Frente Única Operária. Quando Guilherme Boulos discursa no ato do dia 30 em São Paulo, elogiando a UNE e a UBES, nada faz mais que corroborar com o papel dessas entidades em manter essa separação e a contenção do movimento estudantil dentro dos limites do “possível”.

Como Matias Maiello e Emilio Albamonte bem retomam a reflexão de Lênin, no livro Estratégia socialista e a arte militar: “ Clausewitz assinala [...] ‘meio só há um: o combate’. Algo similar poderíamos dizer a respeito da luta pela hegemonia no sentido que colocava Lênin: para além dos objetivos concretos em cada situação determinada, o único meio para superar os ‘limites permitidos’ é o combate”. (pg. 552)

Ou seja, organizar correntes militantes-revolucionárias no seio das organizações de massas, dos sindicatos e entidades, que sejam parte de superar os freios e objetivos das burocracias sindicais e organizações reformistas de subordinação a alguma agenda burguesa, rompendo os limites permitidos. De forma a colocar a luta dos trabalhadores como tribunos de toda a população pobre e descrente, propagandeando e expondo os objetivos de classes e socialista no combate contra o capitalismo.

 
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