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EDUCAÇÃO
Escola não é lugar de polícia
Maíra Machado
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Há uma semana atrás nos chocamos com a atrocidade de ver a polícia entrar em uma escola pública de Guarulhos. De arma na mão, apontada para os estudantes, empurrando uma aluna com o cano do fuzil, a polícia foi até lá atendendo ao chamado de um diretor autoritário. Um diretor que apesar de estar à frente de uma instituição de ensino vê seus alunos como bandidos e não permite que se manifestem pelo direito de poderem assistir suas aulas depois de terem trabalhado o dia inteiro.

Sim, a polícia foi chamada para reprimir alunos que se manifestavam pelo direito de poder estudar. Queriam poder entrar nas aulas depois de terem enfrentado o trânsito, o cansaço e o caos de São Paulo para seguir sua longa jornada de trabalho e escola. Em que pese a necessária discussão sobre os limites de horário para que possam entrar na escola, esse não é um debate que deva ser feito de fuzil na mão. Quantos dias se passaram sem que eles pudessem entrar, acumulando faltas e ameaças de perderem o ano? De certo que foram vários, mas para o diretor aquela manifestação era caso de polícia.

É quase um costume em nosso país, que as lutas da juventude e trabalhadores sejam tratadas com a violência do Estado. É democracia, mas se não obedecer calado a polícia estará lá para tentar calar. É notório que a cada dia que passa a máscara da democracia dos ricos cai diante de nossos olhos. Mal pudemos digerir a violência policial contra jovens que lutavam para poder estudar e uma bomba caiu em nossas cabeças, o exército fuzilou um trabalhador que estava com sua família à caminho de um chá de bebê. 80 tiros levaram a vida de Evaldo que passava tranquilo em frente a uma base do exército no Rio de Janeiro. Mas não se pode passar tranquilo, as forças armadas estão lá para cumprir o seu papel: abater sem perguntar, caso sejam pobres e negros!

O que tem em comum entre a violência da polícia paulista e o fuzilamento de uma família no Rio de Janeiro é a crescente violência do Estado contra a população pobre e negra de nosso país. Uma situação que tende a piorar quando vemos que Sérgio Moro apresenta um pacote de medidas que hipocritamente serviriam para “conter o crime e a corrupção”, mas são na verdade uma licença para a polícia matar com mais certeza ainda da impunidade, inclusive porque que cada caso de assassinato pelas mãos do Estado será julgado por tribunais militares e o policial será inocentado se tiver atirado mediante surpresa ou susto.

Frente ao assassinato de Evaldo, Moro afirmou que “é algo que pode acontecer”, Bolsonaro disse que “o exército não matou ninguém”, uma chacota a mais pra quem sabe que ele sempre defendeu ampliar o chamado excludente de ilicitude, isto é, que policiais em serviço possam matar com impunidade, para além do que já acontece com as alegações de "legítima defesa", tantas vezes forjada por policiais assassinos com os conhecidos "autos de resistência".

A polícia brasileira é a mais assassina do mundo e mata jovens e negros todos os dias nas favelas e periferias brasileiras. Se confundem com pacote de pipoca e atiram porque pensam que é droga, se confundem com guarda chuva e atiram porque pensam que é arma, só não se confundem com a cor e a classe social daqueles que estão sujeitos a perderem suas vidas em sua rotina cotidiana.

Se o pacote de Moro já tivesse sido aprovado, o policial que apontou para a valente menina na escola em Guarulhos poderia ter atirado, na certeza de que nada aconteceria a ele. Mas essa certeza vem se consolidando dia a dia e nossos alunos são vítimas certeiras dessa violência estatal. Douglas de 17 anos, perguntou indignado quando levou um tiro no peito enquanto caminhava com seu irmão de 13 anos pelas ruas da Zona Norte de São Paulo: “porque o senhor atirou em mim?” Nem seria preciso dizer, mas o assassino desse jovem estudante, que matou a juventude e os sonhos desse menino, foi inocentado pela justiça paulista.

Maria Eduarda, de apenas 13 anos foi morta por uma bala da polícia no pátio da escola em que estudava em Acari, no Rio de Janeiro. Fabrício tinha 17 anos, Jhonata 16, Lucas tinha 18, Hanry apenas 16. São tantos os casos de jovens vítimas assassinadas pela polícia racista brasileira que causam indignação e revolta, ainda mais porque a justiça nunca será feita pelas mãos desse Estado racista, que quer a cada dia aumentar as tropas de choque contra a população.

Pois bem, vamos voltar no caso da polícia paulista que entrou na escola em Guarulhos, com armas em punho e vontade de reprimir os sonhos da juventude. Desde que estourou esse caso recebemos diversas denúncias de professores em todo o Estado de São Paulo, relatando o crescente autoritarismo de diretores e diretoras da escola, que querem tratar a educação como caso de polícia.

Em muitas escolas, aqueles que deveriam ser responsáveis por zelar pela vida de nossas crianças e adolescentes defendem que os problemas sociais enfrentados por nossos alunos devem ser respondidos com repressão policial. Diretores têm feito reuniões com professores para dizer que a policia vai revistar aluno por aluno, passar de sala em sala, já que alguns tem comportamento estranho, se cortam, se revoltam, não obedecem as ordens, se insubordinam contra as caquéticas normas escolares.

Os problemas psíquicos de uma juventude que encontra os pais desempregados, a falta de expectativa de futuro, a violência doméstica, a fome, a falta de cuidado e carinho com os problemas que passam a viver trazidos pelo início da adolescência e todos os seus conflitos, devem ser tratados pelo medo gerado através da violência policial para alguns diretores e até mesmo mediadores das escolas públicas.

Esses diretores assediam os professores e exigem que acusem os “comportamentos estranhos”, que denunciem os jovens que não se enquadram no padrão precário da escola pública. Nos deparamos com escolas que estão caindo aos pedaços, literalmente. Com salas de aula super lotadas, com a falta de professores e recursos básicos para ensinar e educar. A única denúncia possível de se fazer frente a essa situação é ao Estado que quer acabar com a escola e jogar milhares de jovens numa vida de miséria e frustração.

Querem que nossos alunos aprendam o básico necessário para trabalhar a um custo muito baixo, com um conhecimento restrito e tendo que baixar a cabeça para as medidas de ataques pensadas e promovidas por Dória, Bolsonaro e todas as prefeituras e governos estaduais. Dizem que querem acabar com a violência, mas isso é impossível em um Estado que aumenta dia a dia a desigualdade social.

É tão óbvio que para acabar com os problemas encontrados nas escolas é preciso repensar a educação de conjunto, com medidas básicas e que garantam uma educação de qualidade. Para responder aos problemas psíquicos gerados pela sociedade capitalista, é preciso que em cada escola tenha psicólogos que tratem dos conflitos de nossas crianças e que sejam acompanhados de assistentes sociais que entendam os problemas familiares de cada jovem que recebemos em nossas salas de aula.

É preciso reduzir o número de alunos por sala de aula, permitindo ao professor conhecer profundamente cada um, estabelecendo o máximo de 25 alunos por sala. Além disso, é necessário contratar professores, efetivando imediatamente, sem necessidade de concurso público cada professor que tem contrato precário e que se desdobra para lecionar em 4, 5 escolas se dividindo nos 3 períodos. É urgente aumentar o salário dos professores, que recebem uma miséria e se enchem de aulas em mais de uma escola para poder garantir o mínimo para viver. Junto a essa medida, é necessário reduzir a carga horária dos professores sem rebaixar o salário, para que possamos de fato nos formar permanentemente e garantir qualidade de nosso trabalho.

As escolas precisam ser reformadas e estarem aptas para atender esses milhares de jovens que necessitam da escola pública para estudar (as escolas sofrem com enchentes, goteiras, infiltrações, desabamentos), ao mesmo tempo em que exigimos ter materiais didáticos (tem escola que nem livro didático tem), materiais de higiene (tem escola que não tem papel higiênico e se enfrenta com falta de água). Só nesse caminho poderemos começar a acreditar que é possível combater a violência.

Os alunos de Guarulhos mostram o caminho e a unidade dessa juventude com os professores é o que permitirá um sério combate contra esses governos que não querem melhoria alguma na educação pública, ao contrário, congelam verbas e atacam a educação laica e o tratamento das questões de gênero e sexualidade, como se a escola não tivesse que ser um espaço educativo. Os governos fazem isso porque seu projeto é vender a escola pública ao grande capital, tirando disciplinas essências para a formação de nossa juventude, justamente para que tenhamos jovens que não critiquem e não se revoltem. Em 2015 quando nossos alunos saíram a lutar e nos juntamos a eles pudemos derrotar o governo Alckmin que queria fechar centenas de escolas e poderemos derrotar Dória e sua política privatista. É a serviço dessa política que a Secretaria de Educação defende que a policia esteja nas instituições de ensino.

Não podemos aceitar esse conjunto de ataques e precisamos dizer não à polícia dentro das escolas. Nossos alunos não são bandidos! Os verdadeiros bandidos são os que estão no comando dos postos de governo de nosso país! Mas a certeza que temos é que nunca conseguirão acabar com a revolta e os sonhos da juventude, por isso nós professores temos que nos solidarizar às mazelas enfrentadas por esses jovens que não vêem perspectiva de futuro e junto com eles lutar para construir uma escola que atenda às necessidades da maioria da população.

Com esse artigo, fazemos um chamado para que professores, alunos e funcionários denunciem o autoritarismo das diretorias e a presença da polícia nas escolas. Nesse momento acabo de assumir o cargo de diretora da Apeoesp pela oposição e meu mandato no sindicato será para dar voz e combate à realidade que vivemos em cada escola.

 
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