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MINAS GERAIS
Para onde vai Minas Gerais após o crime da Vale em Brumadinho?
Flavia Valle
Professora, Minas Gerais

O estado de Minas Gerais, atravessado pela crise econômica, política e social do país, já tinha também grandes problemas específicos, como a situação fiscal, com parcelamento e atraso dos salários do funcionalismo. O rio de lama que arrasou Brumadinho gera um novo fator de instabilidade, e promete ser decisivo para o futuro do estado nos próximos meses.

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Brumadinho. Foto: Bruno Correia/Nitro/AP.

Já são centenas de mortos e desaparecidos vítimas do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, de propriedade da Vale. A reincidência do crime, pouco mais de três anos após outra ruptura de barragem ter destruído o Rio Doce e matado 19 pessoas em Mariana, escancarou para milhões de pessoas o desprezo da empresa pelas vidas dos trabalhadores, da população e pelo meio ambiente. Grande parte da população apontou a sede de lucro dos capitalistas como a causa do desastre, e lembrou com clareza a cumplicidade da justiça e dos governos ao longo de décadas, já que a empresa saiu impune pelo crime de Mariana enquanto continuou lucrando bilhões.

A Vale, por sua vez, já anunciou que irá interromper atividades em 10 minas para desativar barragens. Minas Gerais, que tem a mineração como sua principal atividade econômica, representando quase 10% do PIB do estado, sofrerá um forte impacto econômico caso a empresa reduza as atividades no estado, com possibilidade de uma brusca queda na arrecadação de centenas de cidades dependentes da mineração e aumento do desemprego – e consequentemente diminuição no consumo. Além disso, populações continuarão sofrendo com os riscos e alertas de novas rupturas em barragens, como em Barão de Cocais, Itatiaiuçu e Macacos na última semana, onde sirenes foram acionadas para evacuação de áreas da cidade.

Em um estado que já vive uma prolongada crise fiscal (desde 2016 foi decretada calamidade financeira), o impacto da queda na arrecadação (que já é pouca) e nos empregos pode representar a ruína de pequenas cidades e muita água no moinho da crise social e politica. Enquanto os capitalistas da Vale lucram com a exploração dos recursos naturais e da força de trabalho dos mineiros e recebem do Estado isenções fiscais (e ilegalmente sonegam impostos) deixam somente duas opções para os trabalhadores da Vale e moradores das comunidades próximas a barragens: o desemprego e talvez a fome, ou esperar o próximo mar de lama, enquanto a empresa destrói o meio ambiente e se beneficia da economia mineira totalmente dependente da exportação de commodities. Essa dependência das commodities ganha ainda mais importância frente à guerra comercial entre China e Estados Unidos, pois Minas Gerais e sua economia ficam extremamente vulneráveis a medidas protetivas, como a taxação do aço no ano passado imposta por Trump.

Romeu Zema, o empresário do Partido Novo que se elegeu governador surfando na onda bolsonarista (e citado também no escândalo de fraude eleitoral via disparos de WhatsApp), mal chegou no governo e tem que lidar com a imensa crise social agravada pela tragédia capitalista de Brumadinho. Depois de ter dito que "só encontrariam corpos" nos primeiros dias do resgate, mostrando a brutalidade do gestor da rede de varejo, posou para as câmeras como governador empenhado no resgate nos dias seguintes, chegando a trazer uma caravana do Estado genocida de Israel (em uma ação que mais pareceu uma jogada de marketing coordenada com Bolsonaro) enquanto ajudava a Vale a controlar todo o processo do resgate, buscando desarticular as redes de solidariedade que se formaram espontaneamente logo após a tragédia, que continham um potencial de unir a população e os trabalhadores contra a empresa. Não bastasse, o governador recentemente saiu em defesa da empresa e chamou o crime de "incidente".

Foto: Omar Freire/Imprensa MG.

Mas o crime que aconteceu em Brumadinho pode trazer problemas ainda maiores para o governo Zema: o seu programa ultra neoliberal para a economia se vê questionado pelo ódio da população e dos trabalhadores à ganância da Vale. Como será possível propor a privatização da CEMIG? Será fácil colocar a empresa nas mãos de empresários assassinos como os da Vale, privatizada por FHC (PSDB) em 1997? Já não era um plano fácil antes de Brumadinho: o governo Zema teve que recuar de sua tentativa de privatizar a UAI BH logo no primeiro mês de seu governo, após greve dos trabalhadores contra a ameaça de privatização da empresa. Agora, após Brumadinho, esse empreendimento do governador paladino da privatização torna-se ainda mais difícil. E escancara uma crise estratégica para o governo, que precisa atender aos capitalistas que anseiam pelos ataques que Zema e Bolsonaro prometeram.

Os ataques e privatizações não são somente pela afinidade do novo governador com os capitalistas. A situação fiscal do estado é caótica e o plano de Zema é vender Minas Gerais para pagar a dívida do estado e entrar no Regime de Recuperação Fiscal oferecido pelo governo federal (com a condição que seja implementado um plano de ajustes e privatizações). Além dos atrasos e parcelamento de salários que vêm desde 2016, Zema sancionou um orçamento para 2019 com déficit de R$ 11,4 bilhões, e dias depois disse na imprensa que o déficit de MG é superior, na verdade de R$ 30 bilhões. O estado também deve R$ 12,6 bilhões aos municípios, em repasses atrasados, segundo a AMM, Associação Mineira de Municípios. E deve R$ 84,7 bilhões à União. Além das dívidas, segundo os dados divulgados na grande mídia a previdência mineira é deficitária em R$ 16 bilhões, e o fundo previdenciário que existia foi extinto por Anastasia em dezembro de 2013.

O plano de Zema e de Bolsonaro – que chegou ao cúmulo de afirmar que "ser patrão é horrível" no Brasil que mata centenas de operários em "acidentes" de trabalho – de servir aos empresários, aprofundar a exploração e dar rédea solta aos lucros desenfreados, encontra uma pedra no caminho. Minas Gerais passa a ser o único estado do país onde um setor massivo da população passou a ter ódio da maior empresa do estado, por identificar na sede de lucro a causa das mortes evitáveis de Brumadinho.

Brumadinho. Foto: Rodney Costa/Getty Images

O impasse que Brumadinho coloca ao governo Zema se soma aos problemas de um governo que prometeu a "nova política", mas já tem o PSDB em importantes secretarias e na base aliada na ALMG, além também de um ex-secretário do governo petista. Zema manteve em seu governo ninguém menos que o Secretário do Meio Ambiente que foi responsável por reduzir etapas do licenciamento ambiental nos anos de governo de Pimentel (PT). O partido do corrupto Aécio Neves, Anastasia e de Renata Vilhena, que destruíram direitos da educação em Minas Gerais e que foram os garantidores dos interesses dos capitalistas da mineração, nada tem de nova política, e a confluência é somente por governabilidade e acordo no plano de ataques, privatizações e corte na aposentadoria dos trabalhadores mineiros. Com a profunda crise fiscal do estado, o governador atrasou novamente o repasse orçamentário às cidades, chegando a impedir com a polícia a entrada de prefeitos que o cobravam na cidade administrativa, além de ter anunciado o parcelamento do 13º de 2018 do funcionalismo em 11 vezes, o que já foi respondido com protesto pelos servidores.

Em tempos de uma profunda crise política, econômica e social como a que vivemos, a fortaleza que Zema parecia ter no período eleitoral ao se mostrar como a "nova política" (conseguindo se eleger mesmo defendendo um programa profundamente neoliberal e antipopular) pode rapidamente se fragmentar ao se chocar com a realidade de um governo que tem que negociar com os velhos partidos do regime mineiro e se aliar até com o desgastado PSDB para implementar, agora de fato e não em palavras, um pacote de ataques que vai significar piora nas condições de vida dos trabalhadores e do povo. Nessas fraquezas que o governo Zema – e também o de Bolsonaro – apresenta é possível emergir uma esquerda revolucionária e anticapitalista que dê uma resposta na raiz aos problemas do estado e do país.

Zema e Bolsonaro. Foto: Presidência da República.

A oposição ao governo Zema – especialmente o PT e sua política de desgaste de Bolsonaro e da extrema direita para tentar uma volta ao poder em 2022 – segue inerte no terreno da luta de classes. Enquanto 65% dos brasileiros querem que a Vale perca a sua licença ambiental a CUT, central sindical dirigida pelo PT, que está à frente dos principais sindicatos do estado (como professores, metalúrgicos, eletricitários, petroleiros, bancários) continua em trégua com o governo Zema, enquanto o governador fala de privatizar a CEMIG, atacar a previdência e segue parcelando e atrasando os salários.

O PT, que faz demagogia sobre a necessidade de reverter a privatização da Vale – demagogia porque em 13 anos de governo com Lula e Dilma jamais o fez, pelo contrário, foram garantidores dos lucros astronômicos da Vale; e em quatro anos de governo Pimentel deu isenções fiscais e flexibilizou o controle ambiental das mineradoras, sendo co-responsáveis pelo crime do rompimentos da barragens em Mariana – tem como sua grande campanha em relação a Brumadinho a proposta de uma CPI, retirando o protagonismo dos trabalhadores em uma política meramente parlamentar, uma vez que é o mesmo partido que impõe uma paralisia nos sindicatos, e que não pode fazer frente à gigante mineradora que continuou lucrando bilhões após arrasar o distrito de Bento Rodrigues em 2015.

Para punir a empresa não podemos esperar apenas abertura de CPIs nem contar com o judiciário, que além de ter sido peça chave do golpe institucional e sua continuidade (desde o Impeachment de Dilma até a prisão de Lula, com as crescentes arbitrariedades contra direitos democráticos) sempre protegeu a mineradora. As centrais sindicais, sobretudo a CUT e a CTB, que são dirigidas pelo PT e PCdoB, respectivamente, devem abandonar a trégua com Zema e convocar um plano de lutas para canalizar a potência transformadora do ódio à Vale e aos lucros em luta de classes, para que os capitalistas paguem pela crise. A classe trabalhadora precisa se mobilizar junto dos estudantes e da população, com assembleias e comitês de base nos locais de trabalho, estudo e nos bairros, e lutar pelo confisco de todos os bens e recursos da Vale e da Samarco, para usá-los na reparação aos familiares e vítimas dos crimes das mineradoras, e na reparação ambiental e social a todos afetados.

Para que não aconteçam mais crimes como esse, é preciso lutar pela estatização da Vale sob gestão dos trabalhadores e controle popular, com representantes do povo e ambientalistas, eleitos nas universidades, nos locais de trabalho, estudo e comunidades, para enfrentar a mineração predatória e a contaminação do meio ambiente, arrancando das mãos dos capitalistas a empresa e expropriando seus bens, sem indenização, fazendo com que o minério de ferro e as riquezas do nosso solo e rios atendam aos interesses da população e não dos grandes empresários.

É preciso libertar Minas Gerais da dependência da exportação de ferro e aço com baixo valor agregado, erguendo a necessidade de obras públicas para a complexificação da indústria e ampliação da produção agrícola e agropecuária de acordo com as necessidades da população, com a planificação em base a um plano operário e popular de saída para a crise, com a estatização de toda a mineração e o não pagamento da dívida pública que estrangula as finanças públicas, um plano econômico que só pode se concretizar sob um governo dos trabalhadores em ruptura com o capitalismo. Essa é a única saída possível para combater de fato os planos de Zema e Bolsonaro, de vender de forma ainda mais violenta nossos recursos naturais e transformar o Brasil, e em especial Minas Gerais, numa economia ainda mais dependente para atender aos interesses imperialistas.

No impasse que o estado vive, será decisivo se os trabalhadores entram em cena contra os ataques de Zema e por uma saída para a crise de Brumadinho. Zema e Bolsonaro querem descarregar a crise capitalista sobre os trabalhadores com um pacote de ataques, e somente com greves, paralisações coordenadas e manifestações é possível enfrentá-los. Os sindicatos dirigidos pela esquerda e as parlamentares do PSOL, tanto as vereadoras de Belo Horizonte quanto as deputadas eleitas para a ALMG e para a Câmara dos Deputados em Brasília, precisam colocar seus mandatos a serviço de organizar essa força dos trabalhadores junto às mulheres, à juventude, negros, indígenas, LGBTs, e junto às populações atingidas pelas barragens, fortalecendo a exigência para que a CUT e as grandes centrais chamem um plano de lutas e paralisações contra todos esses ataques.

Os governos petistas, como o de Fernando Pimentel no estado de Minas Gerais, mostraram que seu projeto de conciliação de classes e alianças com a direita termina penalizando os trabalhadores e abrindo espaço para o avanço da direita, como vimos com o golpe em 2016 e com a vitória de Bolsonaro e Zema no ano passado. A luta por uma saída anticapitalista dos trabalhadores e do povo frente à crise que o crime da Vale abriu em Brumadinho deve ser parte da nossa batalha contra a Reforma da Previdência e contra todos avanços do autoritarismo a nível nacional, batalhando para que os capitalistas paguem pela crise que criaram e que avancemos para um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo.

Leia também: Pela re-estatização da Vale sob gestão dos trabalhadores e controle popular, para enfrentar a mineração predatória

 
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