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ECONOMIA
O mundo é maior que o Brasil: a reforma da previdência não tirará o país da crise
Eugênio Okazaki
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O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil publicou no início da semana passada a ata de sua 220ª reunião, a primeira de 2019, que decidiu unanimemente pela manutenção da taxa básica de juros, a Selic, a 6,5% a.a. A ata, assim como todos os demais porta vozes do governo e a mídia burguesa, insiste enfadonhamente na necessidade daquela que é mãe de todas as reformas, à qual a esmagadora maioria dos brasileiros é contrária, inclusive entre os eleitores de Bolsonaro, e que o carnaval de 2018 rechaçou latentemente apesar da traição das centrais sindicais às greves gerais de 2017 e o imobilismo em que persistem até hoje: a reforma da previdência.

Esse ataque é o ponto fulcral do golpismo institucional, do qual dependerá em grande medida a estabilidade do governo Bolsonaro, mas nem por isso é uma particularidade do Brasil ou da América Latina, onde também a Argentina testemunhou importantes lutas operárias contra a tentativa, por parte do neoliberal Mauricio Macri, de aprovar reformas trabalhistas e previdenciárias semelhantes às daqui. A necessidade que têm os capitalistas de todo o mundo de prolongar as jornadas de trabalho diárias e semanais, e até mesmo quanto tempo se trabalha durante uma vida nesse mundo em que o desenvolvimento tecnológico supostamente traria consigo o fim do trabalho, é um discurso anti-utópico que se difundiu pelo mundo junto à crise capitalista mundial cujo epicentro foi quebra do Lehman Brothers em 2008.

Situada nesse panorama internacional, tornam-se mais que duvidosas as alegações de que a reforma da previdência e as demais medidas de “diminuição do Estado”, como as privatizações, reconquistarão a confiança dos investidores no país e, por isso, ajudará o país a sair da crise, gerando empregos, etc. Mesmo entre os analistas burgueses, já existe consenso em relação à desaceleração da economia mundial, que deu as caras no terceiro trimestre de 2018 e pode ou não aprofundar a recessão ou resultar numa crise ainda mais disruptiva. As tendências que, em janeiro de 2018, prognosticava a economista Paula Bach, dirigente do PTS, organização-irmã do MRT na Argentina, foram essencialmente confirmadas, como se lê nesse texto, de um autor cuja matriz teórica é essencialmente distinta: o prof. do Instituto de Economia da Unicamp, Ricardo Carneiro.

Que a crise que completará este ano o seu 11º aniversário não é conjuntural ou cíclica é quase uma obviedade. Em toda a etapa neoliberal, a instabilidade foi uma constante, e as bolhas e as crises foram recorrentes. Mas, em 2007-2008, a fase descendente do ciclo de negócios abrirá uma primeira rachadura no equilíbrio capitalista do pós-crise dos anos 1970. No início da década de 1920, Trotsky explicava que, enquanto os movimentos cíclicos de curta duração da economia são comparáveis aos batimentos cardíacos ou à inspiração e expiração do capital, a categoria de equilíbrio capitalista diz respeito a algo mais:

“O equilíbrio capitalista é um fenômeno complicado; o regime capitalista constrói esse equilíbrio, rompe com ele, reconstrói e rompe de novo, ampliando, no processo, os limites do seu domínio. Na esfera econômica, estas constantes rupturas e recuperações do equilíbrio tomam a forma de crises e booms. Na esfera das relações entre classes, a ruptura do equilíbrio consiste em greves, lock-outs, em luta revolucionária. Na esfera das relações entre Estados, a ruptura do equilíbrio é a guerra, ou, mais surdamente, a guerra das tarifas aduaneiras, a guerra econômica ou bloqueio. O capitalismo possui então um equilíbrio dinâmico, o qual está sempre em processo de ruptura ou restauração. Ao mesmo tempo, semelhante equilíbrio possui grande força de resistência: a prova melhor que temos disso é que o mundo capitalista ainda existe” (citado por Dantas, G. Breve introdução à economia mundial contemporânea. Brasília: Ed. do autor, 2012; p. 54)

Isaac Joshua, autor de um relevante livro sobre a crise de 1929 publicado pelas Edições IPS, também ressalta que, hoje, os salários compõem a maior das frações em que é dividida a renda dos países. Isso se deve ao fato de que, no século XXI, a população urbana e assalariada é mundialmente majoritária pela primeira vez na história, mas também porque, depois de 1929, a burguesia aprendeu que a chamada “demanda agregada” e, portanto, o consumo é uma determinação fundamental do nível de acumulação. Na década de 1980, a queda tendencial da taxa de lucro, causa primordial da crise que a antecedeu, foi contra-arrestada pelo aumento da taxa de exploração vis-à-vis a financeirização e a desregulamentação do mercado. Mas, ainda que as condições de vida dos trabalhadores tenham sido duramente prejudicadas, o nível de consumo foi preservado por meio do crédito.

Em 2008, o risco de uma depressão foi estendido adiante através do resgate dos bancos e da injeção de uma dose cavalar de oferta monetária nos EUA: a flexibilização quantitativa (QE, do inglês Quantitative Easing). Mas as taxas de juros desse país já eram baixas antes da crise, e a política monetária não-convencional foi até a beira do limite da armadilha de liquidez. Em retrospecto, o resultado da política monetária estadunidense foi a criação de uma bolha especulativa, de maneira que o Federal Reserve agora precisa aumentar as taxas de juros gradativamente e, inclusive, pretendia ter aumentado mais, mas foi obrigado a recuar da intenção por conta das reações negativas dos mercados internacionais aos sucessivos aumentos em 2018. Paradoxalmente, a fortaleza que outrora permitiu ao capitalismo uma fuga adiante da crise agora transforma-se numa âncora que paralisa a sua recuperação.

De modo semelhante à Paula Bach, Carneiro refere-se a uma escolha de Sofia: aumentar os juros e correr o risco de uma desaceleração brusca da economia mundial, ou manter os juros e correr o também crescente risco de que a bolha estoure. O endividamento das famílias estadunidenses encontra-se próximo aos 80% do PIB, e os níveis de alavancagem são tão elevados que 80% do crédito adquirido em 2018 é de alto risco. Mesmo assim, há quem parece já ter feito sua opção pelo segundo. Em janeiro deste ano, o Financial Times publicouum artigo de opinião intitulado “Devemos nos preparar para uma provável recessão”, no qual o ex-secretário do Tesouro e famoso propositor da tese do estancamento secular, Larry Summers, argumenta que o excesso de austeridade é mais perigoso que a extravagância ou desregramento fiscal.

A recuperação experimentada no biênio 2017-2018, a mais internacionalmente sincrônica desde a quebra do Lehman, não ultrapassou os 2,5% a.a. do PIB nas economias avançadas. Esse índice teria sido ainda pior se a China não tivesse sustentado uma taxa de crescimento superior a 6% a.a., em que pese a sua própria desaceleração, em parte, causada pelo enfraquecimento do comércio internacional, mas também pelas dificuldades relacionadas ao giro Made in China 2025 e, ainda mais, pela retaliação comercial do trumpismo às novas pretensões da potência rival. O comércio mundial, segundo Paula Bach, é o principal indicador do estado de saúde da globalização neoliberal e, enquanto, no período pré-2008, seu crescimento geralmente duplicava o crescimento do PIB, agora, dificilmente o supera em um ponto percentual.

Os danos colaterais que a guerra comercial EUA-China provocaria são especialmente ruinosos para uma semicolônia como o Brasil, que não tem a autonomia necessária para alinhar-se unilateralmente a nenhum dos dois campos beligerantes, mas também prejudicam a União Europeia, cujas exportações respondem por metade de seu crescimento. “As dificuldades para engrenar um modelo mais atrelado à demanda doméstica”, escreve Carneiro, “passa [sic] pelos sucessivos ajustes fiscais, sobretudo na periferia da região.” Na média da OCDE, o nível de investimento tem sido 15% inferior ao necessário para que o estoque de capital produtivo líquido aumente no mesmo ritmo anual que no período 1990-2007. Enquanto a recuperação estadunidense dá lugar às operações de fusão e aquisição e à recompra de ações e distribuição de dividendos, alarga-se o abismo entre desenvolvimento tecnológico, por um lado, e uma produtividade do trabalho que tem aumentado cada vez menos desde antes da crise, por outro.

A conformação de uma bolha no mercado financeiro estadunidense é a consequência mais explicita do impasse em que se encontra o capital: a taxa de lucro atual não é suficiente para estimular o investimento produtivo, ao mesmo tempo que a diminuição dos salários reduz o consumo e, por isso, também desencoraja o investimento. A reforma da previdência evidentemente não poderá tirar o Brasil desse impasse que se dá em escala mundial. E apesar de todo bombardeio ideológico que realiza na mídia, a burguesia sabe disso, não à toa o último boletim Focus divulgado pelo Banco Central com as perspectivas do mercado revisa para baixo as perspectivas de crescimento do Brasil em 2019. Mesmo com a sua aprovação não estão garantidos novos investimentos, devido ao elevado nível de desemprego e endividamento no país. A reforma também não é garantia para a situação imediata fiscal do estado, uma vez que seus efeitos fiscais virão no longo prazo. E, principalmente, como expusemos, o prognóstico da economia mundial é determinante e poderá colocar em xeque qualquer perspectiva de recuperação numa semicolônia como o país.

 
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