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EUA
Trump, o muro e o socialismo
Redação

Os discursos dos presidentes dos Estados Unidos sobre o Estado da União costumam ser entediantes, aparecendo como uma teatralização ritualística do poder político no plenário que, com algumas interrupções, se normalizou desde o início do século XX, acontecendo uma vez ao ano. O discurso de Trump de 2019 não foi uma exceção, ainda que a disputa contra os democratas pelo “shutdown” (fechamento) do governo tenha ocorrido muito recentemente.

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O repertório é conhecido, e por isso, já se sabe ao que se deve prestar atenção para captar o estado da situação do establishment político: o nível de entusiasmo dos congressistas pertencentes ao partido da situação; a coesão da oposição em como se apresentar ante o discurso presidencial (se aplaude, se escolhe fazer nada, ou se se divide entre si) e os sempre presentes cidadãos de pé que o presidente põe como exemplos dos valores americanos, como militares de todas as guerras (desde a Segunda Guerra Mundial às aventuras no Oriente Médio), policiais, crianças, país e irmãos com alguma história de superação pessoal.

No terreno da produção teatral do evento quem marcou presença foram as deputadas democratas, que se vestiram de branco como uma estratégia para visualizar o avanço que conquistaram nas últimas eleições legislativas. As deputadas fizeram sua performance lideradas por Nancy Pelosi (democrata eleita presidente da Câmara dos Representantes no mês passado), que desde as costas de Trump aplaudia políticas imperialistas, como a ingerência nos assuntos internos da Venezuela e a hostilidade contra a China.

Em síntese, não há muito mais o que ressaltar sobre o ritual anual do discurso presidencial. Nada aconteceu fora do que já era esperado. Trump criticou opositores para se referir ao Russiagate (suspeitas que pairam sobre Trump de uma possível conexão entre sua campanha eleitoral com interesses geopolíticos russos), com o que o FBI e os democratas o têm pressionado, e falou de temas caros à sua agenda de campanha: como o muro, a demagogia nacionalista e xenófoba voltada para conquistar a classe trabalhadora, sua cruzada contra o aborto e fazer dos Estados Unidos uma nação grandiosa novamente.

O que fez o discurso de Trump ficar mais surreal é o contraste entre sua visão de um mundo perfeito e a realidade. Ao contrário do que declarou, no plano externo há uma situação internacional em que os EUA atuam como um fator de instabilidade e polarização, enquanto no plano interno, dirige um governo débil e instável que perdeu o controle da Câmara de Representantes e que sofreu uma derrota para o Partido Democrata em relação à construção do muro durante o shutdown, porém, uma derrota reforçada pela greve dos controladores aéreos que se cansaram de não receber seus salários e obrigaram Trump a recuar.

Para encontrar uma analogia compatível, temos que nos remontar ao fim da presidência de Richard Nixon. Os supostos “adultos da sala”, isto é, a ala “realista” em que estão incluídos os militares, havia sido deslocada da Casa Branca. No entanto, personagens como John Bolton (conselheiro de Segurança Nacional) e Mike Pompeo (secretário de Estado) os substituíram e estão muito bem sintonizados com o ideário trumpista. Há muitos cargos chave desocupados ou ocupados por um pessoal inexperiente, e com Elliot Abrams (membro do Conselho de Relações Exteriores para o Oriente Médio) fizeram seu retorno os neoconservadores que foram os arquitetos do último desastre estratégico de grande envergadura para os EUA no Iraque e no Afeganistão.

A maior contradição discursiva de Trump é que quando este disse que os Estados Unidos e seus trabalhadores estão melhores do que nunca, se mostrou alarmado pela crescente simpatia dos norte-americanos pela ideia de socialismo, que as pesquisas de opinião evidenciam, sobretudo entre os mais jovens.

Sabe-se que para a direita norte-americana, e especialmente para suas expressões políticas mais extremas, como o próprio Trump ou o Tea Party, qualquer diretriz governamental minimamente redistributiva de renda é socialismo. Inclusive, essa mesma direita classificava o ex-presidente Barack Obama como “comunista”, que apesar de representar aos olhos da massa uma áurea “progressista”, foi o presidente que resgatou com fundos estatais o grande capital imperialista da crise financeira de 2008, como a bolsa de valores de Wall Street e a General Motors.

Os democratas aplaudiram acaloradamente o renovado juramento de Trump de que os “Estados Unidos nunca será um país socialista” e aproveitaram para pressionar Bernie Sanders, que enfrentou Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata se contrapondo ao establishment político com uma noção vaga de revolução política e de um “socialismo democrático”. No entanto, o problema para as classes dominantes não é Sanders, que não está por fazer nenhuma revolução, mas sim em propor algumas políticas similares ao New Deal, e que se mostrou ser muito valioso para conter a crise do Partido Democrata depois da derrota dos Clinton contra Trump.

A campanha de Sanders não foi mais que uma constatação de um fenômeno político que é candidato a ter dimensões e consequências históricas. Nas condições de crise orgânica derivadas da crise econômica de 2008, surgiu uma nova geração na vida política que está, em termos etários, mais perto da crise capitalista e do esgotamento da hegemonia neoliberal que da queda do Muro de Berlim em 1989 e do triunfo do capitalismo que se seguiu depois deste evento histórico. Muitos destes jovens, que são estudantes, trabalhadores precários, mulheres, negros, latino-americanos, etc., hoje se somam às fileiras do DSA, um partido socialdemocrata reformista que se revitalizou e já possui atualmente mais de 50.000 membros. Muitos deles hoje protagonizam ondas de greves, como as dos professores, dos trabalhadores de fast food, ou a dos controladores de aviões dos aeroportos. Isso tudo são sintomas de uma situação que está mudando, fenômenos novos que não ocorriam desde décadas.

Portanto, seria unilateral tomar este fenômeno como o único. Há também a reação, como os grupos de extrema-direita na Europa, Bolsonaro, os governos de direita latino-americanos e o intento de golpe na Venezuela. Porém, o despertar político desta nova geração é a novidade que vem desde o gigante do Norte e, que se desenvolve, tem o potencial de mudar verdadeiramente a História. E isto é o que une o establishment político burguês, desde Trump até aos democratas “progressistas”.

 
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