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FUTEBOL E POLÍTICA
Futebol e política: Libertadores, futebol moderno e neo-liberalismo
Rafael Barros
Pedro Cheuiche

River Plate se sagrou campeão no domingo do que deveria ser a maior final de todos os tempos, mas se tornou a mais vergonhosa. Podemos tratar desse jogo emblemático como o começo do fim da Libertadores da América em face ao avanço do futebol moderno na América do Sul?

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Imagem: EFE/ El Sol

Futebol e Brasil são como carne e osso. O futebol historicamente preencheu de conteúdo a forma de estado-nação que o Brasil precisava para ser Brasil. Para entender a história política do Brasil é preciso passar pelo futebol, e para entender do futebol é preciso entender o que ele oculta, ou melhor, o que o tornou possível, a política. Como afirma Hobsbawn, no entre-guerrras:

“A imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com nome. O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação.” (HOBSBAWM, 2004, p.171, Apud, Carvalho, 2012)

Na Argentina, a importância do futebol para a criação de uma identidade nacional é similar ao que ocorreu no Brasil, se criando inclusive, uma rivalidade em campo que, fomentada pela mídia e a burguesia, muitas vezes se transmuta em xenofobia entre os países vizinhos, inclusive na política externa.

A história da diplomacia entre os dois países é permeada pelo futebol, segundo a autora Beatriz Carvalho: “A criação de um “outro” argentino, o inimigo do Brasil, ajudou a consolidar a própria identidade brasileira. Assim o futebol fez mais do que fomentar rivalidades esportivas, mas reproduziu e alimentou rivalidades políticas entre Brasil e Argentina.” O futebol serviu como catalisador das identidades nacionais na América do Sul.

Nada mais icônico do que, no contexto da ditadura militar brasileira, as guerrilhas armadas guevaristas sendo duramente perseguidas enquanto o Brasil se tornava Tricampeão mundial em 1970. Um erro de leitura e uma estratégia equivocada, que eram derrotadas tanto na política, com a economia que subia aos saltos nesse momento quanto na ideologia, pela força nacional e nacionalista que significou a vitória brasileira no México, coroando Pelé, o monarca brasileiro nomeado pelos ditadores. Como destaca Ribeiro (2003): "Ninguém segura esse país" era a palavra de ordem que impulsionava o regime militar. Depois da conquista de 70 - a última participação de Pelé no selecionado -, éramos considerados imbatíveis pois, "todos juntos" levaríamos o país "pra frente". Não por coincidência o início nos anos setenta foi um das fases mais violentas da repressão militar.”

Futebol e política tiveram o momento de mãos dadas com mais firmeza certamente na década seguinte, os anos 80 e o avanço do neoliberalismo internacionalmente. Com o símbolo dos hooligans, Margareth Thatcher performou uma verdadeira guerra contra as torcidas operárias, dando início ao movimento de remoção das arquibancadas nos estádios ingleses, implementação de cadeiras, e encarecimento e elitização dos jogos. O Relatório Taylor, elaborado pela ex-primeira ministra do Reino Unido, pavimentou o caminho da formação da Premier League, a liga do Reino Unido que hoje é a mais lucrativa de todas as ligas nacionais, a menina dos sonhos da FIFA e das redes de televisão, dos grandes investidores e sheikes que compram e investem bilhões de euros nas equipes. Thatcher foi a grande agente do início e consolidação na Europa do “futebol moderno”, que hoje vemos em uma ofensiva já mais avançada contra o futebol da América Latina. Em uma entrevista, Antony King, uma das maiores autoridades do assunto afirmou: “O fim da zona do peão (geral) e afirmação de uma classe operária cada vez mais heterogênea, com novas estratificações e com fronteiras menos definidas, são realidades que coincidem” (Neves, Domingos, Etnográfica, Vol. IX, 2005, Pag. 347-351).

Torcida do Liverpool da Inglaterra protesta: "deixe-me contar a história de um garoto pobre"/ Imagem: EatFootball

As imposições de Margareth Thatcher mudaram o futebol europeu por completo, da mesma forma que as imposições da FIFA e da CONMEBOL fazem há anos, de formas diferentes, mas com pretextos e discursos muito similares: o de combate à violência, a necessidade do “Padrão FIFA” e leis que regulamentam uma “nova forma de torcer”, para transformar por completo o futebol sul-americano.
As organizadas brasileiras e os hooligans na Inglaterra são historicamente constituídos por redes mafiosas, e, principalmente na Argentina com os barras bravas constituem poderosos grupos que influem com seus tentáculos desde a venda de bebida ao redor do estádio, ingressos, e até influencia interna aos clubes.

O estado frequentemente tem dificuldades em lidar com as torcidas organizadas, que cresceram de maneira abissal nos anos 90 no Brasil (Felipe Tavares Paes Lopes* & Mariana Prioli Cordeiro, 2010). No entanto, muito longe do fim da festa nos estádios e o avanço do neo-liberalismo sob o futebol servir para conter tais grupos, na verdade, estes servem como escudos ideológicos para que se implemente as medidas de adaptação do esporte ao poder econômico dominante.

Torcida do Flamengo protesta contra o alto preço dos ingressos/ Imagem: Cris Dissat / Fim de Jogo

Se olharmos para os últimos anos no futebol sul-americano, fica fácil encontrar os elementos e políticas de elitização do esporte mais popular do continente. O exemplo mais marcante definitivamente é fruto da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Brasil. Os estádios, conhecidos por todos e cheios de décadas de histórias, tiveram suas arquibancadas (o grande símbolo das torcidas e do caráter operário do futebol hoje) demolidas junto com estádios inteiros, dando lugar às “Arenas”, superfaturadas em gastos públicos, e com acentos acolchoados e lugares marcados, impondo desde cima a “maneira europeia de torcer” que foi bem ensinada pela repressão de Margareth Thatcher. Junto com as Arenas, uma ofensiva brutal contra as torcidas organizadas, algumas delas inclusive passaram a se posicionar politicamente, ainda que incipientemente frente à expressividade das torcidas organizadas tradicionais. Às federações estaduais, junto com a CBF definiram a proibição de baterias, remetente alguns estados, como em SP, proibição de faixas nos estádios, com uma atenção especial para faixas de conteúdo político, como costumam aparecer alguma contra a Globo, contra o golpe e a CBF.

Junto dessa repressão política, veio a repressão policial e estatal à maneira de se torcer da classe trabalhadora, com a festa, na geral e nas arquibancadas, a preços populares. Sinalizadores e rojões passaram a ser proibidos, com repressão policial nos estádios e pressão nas federações para punições aos clubes.

As Arenas da Copa e das Olimpíadas deixaram sim um legado ao princípio polo do futebol sul-americano: O legado da elitização dos estádios, a criação de programas de “sócios torcedores” que privilegiam aqueles que podem pagar mensalidades além dos ingressos dos jogos, o aumento vertiginoso dos preços de ingressos, e a transformação das partidas nos estádios em grandes espetáculos midiáticos e feitos em prol de arrecadar investimentos milionários paras os clubes. Em suma: em nome dos milhões e bilhões, a classe trabalhadora foi expulsa de dentro dos estádios.

E se entre os sucessos das novas rendas de bilheterias milionárias e os fracassos das quedas de médias de públicos e jogos de estádios vazios, a política de elitização do futebol brasileiro se consolidou fortemente no Brasil nos últimos 5 anos, o avanço da FIFA e da CONMEBOL agora é de tornar consolidado esse projeto para todo o futebol da América Latina. O impasse entre River e Boca na final da Libertadores da América desse ano, que foi jogada em Madrid, no Santiago Bernabeu, estádio do Real Madrid (a última no formato de final com dois jogos), expressa bastante tanto as justificativas quando as ações práticas das federações e confederações para roubar o futebol sul-americano das nossas mãos e nossas terras, e inseri-los de forma mais bruta e avassaladora nos grandes números e espetáculos lucrativos do futebol internacional.

Por mais que haja uma parcela de torcedores do River Plate que de fato tenham agido de forma bastante condenável horas antes da partida River x Boca no Monumental de Nuñez, atirando pedras e gás lacrimogênio no ônibus dos jogadores do Boca Juniors, as ações e medidas da CONMEBOL mostram a imensa distância entre as confederações e aqueles que fazem acontecer a magia do futebol: os torcedores.

A repressão policial descabida no dia do jogo decisivo da Libertadores que foi adiado, veio junto com um despreparo da segurança inteira da partida. Semanas antes das finais, a CONMEBOL alterou as datas por conta da reunião do G-20 na Argentina, que iria receber as figuras mais nefastas dos chefes de estado de potencias imperialistas. Patricia Bullrich, Ministra de Segurança do governo de Maurício Macri, já havia dado uma infeliz declaração, dizendo que os argentinos iriam “receber um G-20. Acham mesmo que não conseguimos lidar com River-Boca?”. Pois bem, língua queimada, e diversas falhas do plano de segurança da partida. A primeira delas, trocar a rua de entrada do ônibus do time visitante (o Boca Jrs.), e permitir a entrada do ônibus num local onde haveria contato com torcedores do River Plate. Prato cheio para confusão, e para que internacionalmente a Ministra fosse ridicularizada pela imprensa, e para que a imagem do futebol sul-americano fosse mais uma vez desacreditada por discursos elitistas e que visam claramente a inserção da “maneira europeia” de torcer também na Argentina e em toda a América do Sul. Vale um curto parêntese de que as torcidas argentinas estão dentre as mais politizadas internacionalmente, desde os questionamentos à própria elitização do futebol, como também às politicas nacionais, hoje do governo de Macri. Um canto bastante comum nas torcidas é o famoso “Mauricio Macri a la puta que te pario”. Não à toa, a consequência dos fatos ocorridos no dia da segunda final seriam (e foram) diretamente para todos os torcedores, e não para os devidos responsáveis, em primeiro lugar a Ministra Patricia Bullrich, e aos clubes, mas principalmente ao River Plate.

Torcida do Corinthians se posiciona contra a Rede Globo, a Federação Paulista e a alta nos ingressos em 2016/ Imagem: DCM

Como resposta da CONMEBOL, o jogo foi retirado da Argentina. Foram cerca de cinco dias de especulação, entre quem sediaria a grande final. Chile, Brasil, Paraguai? Ou então sacar o jogo do seu continente, e justificar isso por conta da “segurança”, e leva-lo para Miami. Nenhuma dessas. A grande final da história da Libertadores, entre dois dos seus maiores times, e num clássico argentino, foi levado para a casa dos ex-colonizadores. A decisão levou a partida deste domingo (09) para o Santiago Bernabeu, estádio do Real Madrid.

Se no dia do jogo adiado, o desrespeito ao torcedor foi absurdo, os deixando mais de 5 horas dentro do estádio até que se anunciasse que a partida estava adiada, a mudança de país já configurava um ataque ainda maior a esses torcedores. Alguns que esperaram a vida inteira para um clássico como esse numa final de Libertadores. Alguns que se locomoveram de outros países para ver o jogo. Claro, o mais absurdo de todos é tirar o jogo do nosso continente. Afinal, é da Libertadores da América que estamos falando, e não da “Colonizadores da América”. Impossível dizer que o torneio mais importante do continente é e sempre foi repleto de uma carga política, de resistência ao imperialismo, se não de maneira explicita, principalmente por sua “mística” e maneira de jogar, com jogos disputados na raça, na batalha dentro de campo, no espirito de lutadores. Um passo largo para consolidar as mudanças que a CONMEBOL prepara para o próximo ano e os seguintes. A partir de 2019 a libertadores deixa de ter as finais com dois jogos, um na casa de cada equipe, e passa a adotar o método europeu da Champions League, de jogo único em estádio neutro. A final de 2019 já tem lugar marcado. O Chile. Mas a de 2020, já está nas mãos das disputas entre os investidores imperialistas, para leva-la para Miami, e roubar a cena, a história e a tradição da principal competição da América Latina. O futebol sul-americano se afasta cada vez mais do seu sujeito criador, a classe trabalhadora. Tudo pela sede das grandes empresas e investidores, que transformam o futebol em uma das maiores máquinas de lucros e investimentos do mundo.

 
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