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INTERNACIONAL
40 anos da Constituição espanhola: um cadeado que a juventude quer quebrar
Redação

A Constituição cumpre 40 anos em meio a uma crise de regime que não se fecha.

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Hoje faz 40 anos que o “compromisso histórico” alcançado entre os restos da Ditadura, da Monarquia, das direções operárias reformistas, em especial do PCE, o PSOE, as cúpulas da CCOO e UGT, e das direções políticas do conservadorismo catalão “fecharam o cadeado”. Era então aprovada a constituição de 1978, um texto ainda presidido pela “águia” da Ditadura e que consagrou em Lei Suprema o “amarrado e bem amarrado” que em seu dia entoaria Franco em seu crepúsculo.

A Chefia do Estado recairia na Casa Real, restaurado o trono do herdeiro do caudilho desde 1975. O título sobre a unidade da Espanha, que nega toda a possibilidade do exercício do direito à autodeterminação, foi redatado por um punhado de generais ex-combatentes da guerra civil. Outras leis fundamentais já haviam sido aprovadas e referendadas em Cortes, como a da Anistia que garantia a impunidade dos crimes franquistas, ou a eleitoral que garantia um modelo majoritário e não proporcional.
Assim começava um novo regime baseado em uma democracia representativa, que manteria na câmara um poder arbitrário como é o Rei para momentos de crise - veja seu último papel no 3 de Outubro (3-O), sobretudo uma continuidade direta no aparato judicial, policial, militar. Franco estava morto, mas o franquismo podia estar tranquilo. Mais do que isso, podiam estar tranquilos os bancos, as grandes empresas e fortunas. Igual na ditadura, a nascente democracia ia ser para sua classe.

De fato seu ato inaugural seria o maior ajuste levando adiante contra a classe trabalhadora desde o final da guerra civil. O desemprego subiu nos anos seguintes para mais de 20%; no começo dos anos 1980 houve as contra-reformas trabalhistas - a maioria obra do governo de Felipe González - e os parágrafos constitucionais sobre direitos sociais ou as promessas de desenvolvimento do Estado de Bem-Estar e dos Pactos da Moeda iriam sendo entregues pouco a pouco aos interesses dos capitalistas e de seus grandes negócios. Por isso quando deixaram de fazê-los, o que se deu com a mão esquerda ao longo de 20 anos, se tirou com a direita e de uma só vez por Zapatero e Rajoy de 2010 em diante.

No dia 6 de dezembro de 1978 a tentativa de evitar que a queda da Ditadura (que não ocorreu no dia 20 de novembro de 1975) se produzisse pela via da mobilização operária e popular, desatou na inusitada força de janeiro de 1976. As direções reformistas trabalharam para bloquear e boicotar toda dinâmica nesse sentido, se colocando como inimigas da auto-organização e até de qualquer mobilização que “desestabilizasse”, em especial a partir de 1977. Se houvesse acontecido uma mobilização assim, não só poderia haver levado adiante o programa de “ruptura democrática”, mas também impor um programa para resolver os grandes problemas sociais sobre os privilégios dos capitalistas.

Entretanto, o franquismo e a monarquia, através de seu homem Adolgo Suárez, aceitaram integrar à mesa os líderes da oposição. Muitos deles acabariam em menos de uma década engrossando as filas da “beautifull people” da época de González, outros em retiros laureados e dourados como Santiago Carrillo. Ao mesmo tempo aceitaram submeter sua reforma da “lei à lei” a eleições e plebiscito, contando sempre com apoio para ganhar, fosse com a ajuda da polícia, da TVE, da lei eleitoral ou dos petrodólares sauditas para a campanha da UCD (União de Centro Democrático).

Nascia assim o chamado consenso de 1978. Um consenso edificado sobre a traição e o desvio da luta de milhares de operários, estudantes, mulheres, do anti-franquismo. Sobre o desemprego de milhares, sobre a reconversão industrial que arruinou regiões inteiras e a praga da heroína na juventude. Sobre a repressão estatal a tudo o que saía do consenso, com montagens policiais, como o caso Scala em Barcelona, com terrorismo de Estado contra a esquerda abertzale (nacionalistas bascos) e o mantimento da tortura e dos maus tratos. Sobre a negação do direito da auto-determinação, a inviolabilidade do rei e a impunidade absoluta dos crimes da ditadura.

Um consenso que se assemelhava ao conceito da “pax romana”. Com a eclosão da crise capitalista começou a nascer uma profunda crise de regime que segue completamente vigente. O 15M e a crise de representação do “não nos representam”, foi sua primeira grande manifestação, o movimento democrático catalão e o 1-O foi o momento mais crítico. Hoje parece estar acontecendo já o profundo questionamento da casta judicial e da própria Monarquia, como expressam as manifestações contra o Supremo ou o movimento dos referendum sobre a monarquia.

Nesse marco quiseram comemorar esta semana, no Palácio do Pardo - curiosamente antiga residência de Franco - e no Congresso tão distinguida data. A Casa Real quis até aproveitar a ocasião para reabilitar o Rei emérito, que buscou espaço na sua agenda repleta de saraus e encontros casuais com “democratas de toda a vida” como príncipe saudita, Mohamed Bin Salman.

Propostas de saída para esta crise existem para todos os gostos. Primeiro Felipe VI, junto com o bloco monárquico e o Judiciário, propuseram a receita 155: aproveitar a ocasião da repressão ao movimento catalão para redefinir em chave repressiva e centralizadora o Regime de 1978. Prometiam felizes e exitosos com milhares de sacadas enfeitadas com a bandeira da Espanha para conquistar o apoio à operação.

Mas de repente, se toparam com um 8M histórico, em que a greve de mulheres, junto às marés de aposentados ou novas manifestações na Catalunha, demonstraram que o mal-estar social e político não engolia tais propostas.

O PSOE e Unidos Podemos propuseram então uma regeneração com uma cara mais progressista, o projeto da moção de censura. Mas este também não saiu. Nem o PSOE quer dar para trás com a proposta anterior da que foi parte, o 155, em especial na Catalunha. Enquanto Sua Majestade e o Judiciário insistem em voltar ao plano que se apresentou em sociedade no discurso do 3-O e que neste mesmo 6-D Felipe VI voltou a defender em sua aposta para que cumpram as leis.

Como ala mais consequente da restauração conservadora, emerge Vox, que compete eleitoralmente com o PP e Cs. Pode ser que apoie para que seu projeto acabe se cristalizando em algum governo bonapartista de direita como os que já povoam vários países da Europa, América Latina e o próprio Estados Unidos.
E entretanto, onde estão Podemos e IU? Surpreendentemente hoje se somaram aos atos de comemoração do 40º aniversário. No caso de IU volta a este evento depois de uma longa ausência de 7 anos. Fizeram uma oposição crítica ao estilo das “leais oposições a Sua Majestade”, incluindo receber de pé, como todo leal súdito, a Sua Majestade em sua entrada na câmara. Fizeram gestos que demonstravam acordo com o eixo de seus discursos hoje. Em todo momento reconheceram os êxitos daquele consenso e de sua aposta por reconstruí-lo ou modernizá-lo.

Pablo Iglesias, em uma vídeo-entrevista para El País, apontou três grandes assuntos a serem tratados em uma possível reforma constitucional. O primeiro seria converter o Senado em uma câmara territorial, uma reforma que já foi proposta nesta mesma semana pelo próprio Felipe González como contrapartida a não aceitar “jamais” o direito a decidir. Em segundo, uma reforma da lei eleitoral, que amplie a circunscrição de província à comunidade autônoma. E por último, abrir o debate sobre a utilidade da Monarquia, algo que já adiantou em um artigo recente e que deixa a porta aberta a que Felipe VI possa demonstrar sua “utilidade”.

Além do caráter limitado da crítica e das propostas do neorreformismo, é de chamar atenção que em nenhum caso se fale de promover um processo constituinte, mesmo um que não seja totalmente livre e soberano - ou seja sem limite de agenda nem de poderes tutelares -, não se fala sequer de um processo constituinte como o de 1977-78. A proposta é uma mera reforma, de agenda previamente pactuada e que o povo soberano, como no 6-D de 1978, só será convidado a referenda-la ou não.

Uma proposta que é perfeitamente coerente com sua reivindicação do consenso de 1978 e o modelo de Suárez e Juan Carlos I, totalmente aceito por González e Carrillo, de ir da “lei à lei” e desativando toda mobilização, em especial da classe trabalhadora.

A “mudança” da “esquerda da mudança” está cada vez mais difícil distinguir. Algo que explica como diversos setores sociais estão insatisfeitos como o regime e inclusive os tais partidos da “esquerda da mudança”, é através da expressão eleitoral, em especial dos mais jovens, em que há um crescimento na abstenção. Esse exemplo e outros demais demonstram como discurso de Podemos e de IU deixou faz tempo de ousar impugnar o Regime de 1978.

Tudo isso contrasta, entretanto, com outros fenômenos que começam a se desenvolver por baixo, como o movimento das consultas sobre a monarquia que já se estende a 33 universidades. Estes jovens de 18, 19 e 20 anos estão declarando que querem se consultados sobre a forma de Estado, mas também exigem poder questionar a própria Constituição, sua origem mítica em uma Transição cujo relato oficial não acreditam, e no caso de várias universidades, ligam estas demandas à luta por abrir processos constitucionais totais, livres e soberanos, onde não só possam debater o que fazer com o Senado ou com a Lei Eleitoral, mas também reconhecer o direito da auto-determinação, decidir se deve ou não ser paga a dívida, como acabar com a precarização, com a especulação urbanística ou se deve nacionalizar os bancos e as empresas estratégicas.

Enquanto Iglesias e Garzón faziam este discurso no Congresso e se curvavam à Sua Majestade, em suas portas se celebrava uma manifestação contra a Coroa e a Constituição de 1978, na qual pela primeira vez um nutrido cortejo de universitários fazia ato de presença encarnando este questionamento.

Como declaramos na última declaração da CRT (organização irmã do MRT do Brasil), nós “lutamos para acabar com a monarquia e o corrupto regime herdeiro do franquismo para conquistar uma democracia muito superior à mais democrática das repúblicas burguesas. Em um estado plurinacional como o espanhol, lutamos por uma federação de repúblicas baseadas em conselhos operários eleitos democraticamente”. Ainda assim “somos conscientes que ainda somos uma minoria que defende esta perspectiva, enquanto que a maioria do povo trabalhador ainda tem ilusões nos mecanismos do sufrágio universal como via para conquistar uma democracia mais generosa”.

É por isso que “defendemos a luta junto à classe trabalhadora, ao movimento estudantil, de mulheres, aos sindicatos e organizações do movimento de massas, para impor a instituição mais democrática possível dentro da democracia representativa: assembleias constituintes livres e soberanas em todo o Estado”.
Uma demanda que começa a ser tomada por setores da juventude e de movimentos democráticos, como o catalão, e que é preciso que se transforme em um grande movimento, empalmado por outros como o das mulheres, impactando na classe trabalhadora. Despertar essa grande força social para lutar por esta perspectiva é a única maneira de poder contestar todas as receitas de restauração ou regeneração deste regime, incluídas as que saem pela extrema direita, e dar uma saída às grandes aspirações democráticas e sociais pendentes.

 
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