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FRANÇA
A luta por uma sociedade democrática: da Comuna de Paris aos gilets jaunes
Joachim Valente

O espectro da Revolução Francesa e da morte aos monarcas paira na França nessas últimas semanas. Mas se a lembrança de 1789 ainda é viva, na realidade os gilets jaunes podem se inserir, ainda que confusamente no momento, numa outra herança, aquela da revolução onde os trabalhadores conquistaram o poder do Estado: a Comuna de Paris de 1871.

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Reivindicar a herança revolucionária da Comuna de Paris

Entre certas reivindicações mais avançadas dos gilets jaunes no seu programa, algumas se inserem na herança pouco conhecida da Comuna de Paris. Ainda mais, reivindicar essa página de nossa história permite dar um horizonte e uma história ao movimento, e ainda ultrapassar certos limites atuais: atacar a propriedade privada, mas também a força garantidora dessa ordem que é a polícia, e as instituições anti-democráticas e não representativas.

Como explica, na verdade, o historiador Gérard Noiriel em uma entrevista ao Le Monde: “ Os “gilets jaunes” que bloqueiam estradas recusando qualquer forma de recuperação, se inserem confusamente no prolongamento do combate dos sans-cullottes em 1792-1794, dos cidadãos combatentes de 1848, dos communards de 1870-1871 e dos anarco-sindicalista da Belle Epoque.”

Pois o momento atual é de ira popular e muitos observadores, e em primeiro lugar, os atores do movimento dos gilets jaunes evocam regularmente maio de 68 ou até 1789. Face a repressão brutal do Estado e sua incapacidade de melhorar de qualquer maneira a vida da população, essas referências revolucionárias florescem por toda a parte nos pontos de bloqueio, nas manifestações e nos grupos de Facebook. Ainda é uma data essencial na história das revoluções pouco conhecidas,
mesmo que ela permita no período atual pensar perspectivas muito pertinentes para as reivindicações democráticas formuladas pelos gilets jaunes: se trata da Comuna de Paris de 1871, quando os trabalhadores parisienses tomaram o poder.

Com efeito, da mesma maneira que o movimento dos gilets jaunes é o resultado de longos anos de ira popular guardada seguida de políticas de austeridade impostas de maneira autoritária pelas classes dominantes, a Comuna de Paris foi uma explosão particularmente poderosa depois de um longo período de agitação popular e de ira. A revolta operária, as greves se fazem cada vez mais prementes contra o regime ditatorial do Segundo Império dirigido por Napoleão III. Quando, após a guerra franco-prussiana, o Império cai, a República é proclamada em Paris. Essa mudança
de nome é apenas formal, pois a grande maioria do pessoal político se mantém sem nenhuma mudança! Face a tentativa do novo governo de desarmar a população parisiense, a revolução irrompe!

A partir de então, os trabalhadores decidem, começando a mudar a organização econômica, compondo seu próprio governo, com a ideia firme de romper definitivamente com as práticas antigas. Eles irão, então, criar um regime entre os mais democráticos que poderiam existir.

Um dos regimes mais democráticos que já existiram

Uma assembleia única de uma só vez legislativa e executiva, com eleitos dispondo de mandatos revogáveis e com um salário que não excede o de um trabalhador, obrigações que são mesmo estendidas ao conjunto dos funcionários de todos os domínios (educação, justiça, ...). E sem contar a abertura da cidadania a todos os estrangeiros e o direito de reunião e de imprensa sem nenhuma restrição. Em uma época onde a legislação trabalhista era inexistente, a Comuna instaura um mecanismo de salário mínimo, proíbe as multas e as deduções do salário. De março de 1871 até a sua repressão pelo exército versallaise no fim de maio de 1871, que fará perto de 30 mil mortos, a Comuna reinventa a política.

Página histórica largamente ocultada, notavelmente nos programas escolares, a Comuna de Paris é rica em ensinamentos para pensar e pôr em prática um regime bem mais democrático que esse que conhecemos. Nessas condições, onde os eleitos devem prestar contas e podem ser revogados, os Macron, Balkany, Sarkozy, Hollande, Le Pen (a lista é mais longa ...) não teriam ido longe na política!

Numerosas medidas que vão nesse sentido se encontram já nas reivindicações dos gilets jaunes. A consigna que cristaliza toda a ira exprimida pelo movimento pode ser resumido hoje “demissão de Macron”. Alguns se perguntam já quem poderá substituí-lo mas na realidade, como o incêndio não está em risco de se apagar com a questão do imposto sobre o combustível, atrás de Macron, é o cargo presidencial que é visado. O Presidente concentra todos os poderes e, face a mobilização da
população, governa a “golpes de 49.3[1]”, por despacho, reprimindo violentamente qualquer contestação. Da mesma maneira, cada vez mais pessoas concordam com a supressão do Senado. Em todos os sistemas de democracia burguesia, o Senado tem um papel conservador. Seus membros são comumente mais velhos e não são mais eleitos pela população: o Senado não representa nada além da elite política!

Ainda mais, a enorme repressão sofrida pelos gilets jaunes continuará, e nenhuma reivindicação fundamental poderá obter êxito sem atacar a instituição de repressão da burguesia garantidora da ordem e da propriedade privada: a polícia. O nível de repressão da manifestação do último sábado é, na realidade, apenas um prelúdio a repressão feroz que a burguesia está pronta para soltar para conservar o poder – Macron ou um outro. Foi isso que pôs a Comuna a atacar não somente a propriedade privada, mas também necessariamente seus guardiões, dissolvendo as forças de polícia do Estado para criar uma milícia popular. Como escreve Engels, no seu prefácio a Guerra Civil (1871), de Karl Marx, que narra a história da Comuna de Paris:

A 30 [de março], a Comuna aboliu o recrutamento e o exército permanente e proclamou a Guarda Nacional, à qual deviam pertencer todos os cidadãos capazes de pegar em armas, como o único poder armado; isentou todos os pagamentos de rendas de casa de Outubro de 1870 até Abril, pôs em conta para o prazo de pagamento seguinte as quantias de arrendamento já pagas[...]

Um governo da classe operária e seus aliados

As reivindicações democráticas contra esse governo dos ricos, mas também contra as instituições da 5ª República são um elemento central para que esse movimento obtenha avanços reais de maneira durável, também nas outras reivindicações (aumento dos salários, um fisco justo que taxe os mais ricos, reinvestimentos em serviços públicos, ...) Por que o primeiro obstáculo, é certamente esta casta política, “gordamente” paga, nos ministérios e nos bancos da Assembleia Nacional (quantos
dentre eles são trabalhadores?), que busca conservar seus privilégios. Mas,
sobretudo, esse regime anti democrático está a serviço do grande patronato francês para fazer passar suas contra reformas largamente impopulares e cortar sempre mais nossas condições de vida.

Assim, é também um dos maiores ensinamentos da Comuna de Paris que, entre outros, pôs em prática a requisição das habitações vazias, que instaurou um estatuto de igualdade entre homens e mulheres, a educação gratuita: todas medidas sociais que hoje são mais do que nunca necessárias não serão jamais aceitáveis para a burguesia. Somente uma democracia onde a maioria da população, os trabalhadores, que governem poderá estabelecer uma sociedade realmente justa que responda as aspirações da população.

[1] Golpes de 49.3 se refere ao artigo 49.3 da Constituição francesa que diz, basicamente, que o conselho de ministros pode decidir pela adoção de uma lei sem passar pelo parlamento, ainda que existam restrições para isso.

Traduzido de Revolution Permanente.

 
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