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DEBATE
Polêmica com MES/PSOL: Sergio Moro no governo comprova o caráter institucional do golpe
Guilherme Costa

De “viva a Lava-Jato” em 2016 à “Moro se revela como político” em 2018, as mudanças na análise e na política da corrente de Luciana Genro, Sâmia Bonfim e Fernanda Melchionna vêm reduzindo paulatinamente a exaltação à República de Curitiba, mas sua confiança na justiça segue. Escrevemos esse texto a fim de polemizar com suas concepções e abrir à vanguarda de esquerda nacional problemas que julgamos fundamentais para se pensar em uma organização revolucionária e socialista no Brasil.

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Não é de hoje que o MES (Movimento Esquerda Socialista) se move por entre zigue-zagues em suas análises sobre a crise política nacional e se adapta ao judiciário. Em 2016 a corrente de Luciana Genro ficou conhecida entre a esquerda por apoiar a deposição de Dilma e, aos 48 do segundo tempo, se posicionar contra o impeachment e apenas defini-lo como "golpe parlamentar" meses depois. A função dessa definição era extrair o judiciário, verdadeiro pilar do autoritarismo golpista, da responsabilidade pelo impeachment da direita, preservando assim seu respeito pela Lava Jato, Sérgio Moro e o STF. Por isso, manteve o apoio à Lava-Jato durante um bom tempo, como ficou patente durante a campanha à prefeitura de Porto Alegre.

Certamente a recusa do golpe e o entusiasmo com Sergio Moro, combinado à defesa da terceirização e de mais polícia na rua, a ajudou a impulsionar uma campanha com entusiasmo reduzido a zero. Agora, após a consolidação da eleição mais manipulada das últimas décadas, tendo o principal candidato sido retirado por manobras autoritárias e antidemocráticas do poder judiciário, o MES segue depositando grandes confianças na justiça e criando fórmulas que mais ajudam o PT a seguir sua hegemonia entre setores da classe trabalhadora do que a emergir uma alternativa de esquerda independente no cenário político nacional.

Antes de polemizar com as recentes declarações do MES, vale retomar o percurso que os levou até aqui. Até 2017 eles diziam que “golpe” ajudava o discurso do PT. Em 2016 Luciana Genro chegou a declarar que a subida de Temer ao poder não era uma ameaça à democracia: “Os líderes do PT estão tentando convencer de que há uma ameaça à democracia, ao estado democrático de direito. Mas na realidade não é isso”. Sua campanha em 2016 ficou marcada pelo forte apelo à operação Mãos Limpas, a Lava-Jato à italiana que serviu para fortalecer elementos bonapartistas no regime italiano e fonte de inspiração à Sergio Moro. Era uma época em que as figuras do MES defendiam a “Lava-Jato até o final”. Mesmo depois de reconhecer o golpe enquanto tal, restringiram sua definição ao caráter meramente “parlamentar”, se negando a entender o processo como um golpe “institucional” onde o judiciário cumprira um papel fundamental.

Como viemos afirmando desde o início da operação Lava-Jato, os interesses de Sergio Moro se alinham aos interesses imperialistas de rapinar o patrimônio público nacional, em especial a Petrobrás, bem como desenvolver elementos de um novo regime onde o poder judiciário alça poderes de tipo “moderadores”, bem afeitos aos interesses do grande capital estrangeiro, da reforma da previdência e da escalada autoritária. O fato de parte da República de Curitiba ter sido treinada pelo Departamento de Estado Norte-Americano, como atesta documento vazado pelo WikiLeaks de 2009, não é mero detalhe. Desde o início da crise política, portanto, o MES segue o caminho de confiar na Lava-Jato como árbitro democratizante ou algo que o valha. Foi necessário Sergio Moro aceitar o convite de Bolsonaro a integrar o superministério da justiça para concluírem que agora “com sua decisão Moro se revela como político”. As aspas são de novembro de 2018, de texto de Roberto Robaina da Revista Movimento. Apenas em novembro Moro se revela como político? Em mesmo texto o vereador de Porto Alegre continua dizendo que “a escolha de Moro irá abrir novas contradições que podem enfraquecer o governo”, e que representa um “sinal de fraqueza de Bolsonaro”. Não podemos dizer que abrirá os olhos crédulos do MES, sempre disposto a fazer vistas grossas ao judiciário pró-imperialista e autoritário.

Esse movimento de ir secando a exaltação a Sergio Moro - de “viva a Lava-Jato” e “Lava-Jato até o final” até “irá abrir novas contradições” e “se revela como político” - representa o silencioso movimento do MES de alterar seu discurso em função de interesses pragmáticos, sem mudar em nada sua crença no judiciário golpista. Quantos votos a menos teriam Sâmia ou Melchionna se continuassem defendendo Sergio Moro ou a Lava-Jato em pleno 2018? Entretanto, em que lugar nas elaborações do MES há uma crítica aberta e categórica à Lava Jato, ao STF, e ao novo superministro da Justiça de Bolsonaro? Diante do crescente ódio dos que enxergam os arroubos autoritários e entreguistas de Moro, a direção do MES e suas figuras públicas foram paulatinamente fazendo malabarismos em seu discurso sob pena de perder quadros e base com um giro muito brusco, bem como suas alianças parlamentares com PT, PCdoB, PDT e PSB - como se demonstra na frente ampla que o PSOL vem tentando costurar. Não podiam passar do entusiasmo à denúncia brutal de um dia para outro. Abriria muita crise.

Ao mesmo tempo segue impresso no DNA morenista do MES a adaptação a sujeitos quaisquer que não a classe operária, no caso o próprio judiciário. A tese é curta: na medida em que a classe trabalhadora não se alça como sujeito político capaz de avançar contra a crise, busquemos outros para que num próximo momento estejamos melhor preparados. O problema é que o “outro”, para o MES, é o judiciário, novo sujeito histórico para aquelas correntes com quem o MES compartilha o legado de Nahuel Moreno (como o PSTU). O mesmo que atua como peça crucial do golpe, da vitória de Bolsonaro e das medidas neoliberais em vista. O mesmo que vem se alçando como uma espécie de “poder moderador” no sentido histórico do termo, de D. Pedro I, que controlava o Estado com mãos de ferro. O mesmo poder judiciário que vem conformando um tipo de bonapartismo que manda e desmanda no país, podendo até mesmo prender o primeiro colocado nas intenções de pesquisa das eleições, fazer vistas grossas ao escândalo de whatsapp, ignorar solenemente as barbaridades proferidas pelo presidente, encabeçar a campanha pela reforma da previdência (cortesia de Dias Toffoli) e finalmente colaborar ativamente para a vitória de Jair Bolsonaro.

E mesmo reconhecendo em novembro de 2018 que Sergio Moro atua como um político, a confiança no judiciário como ator político segue. Exemplo disso é o recente editorial do MES, de 8 de novembro, cujas únicas duas menções ao STF são de elogios e confiança. Nenhuma menção às manipulações nas eleições, à prisão de Lula ou ao papel protagonista que o poder judiciário vem cumprindo desde pelo menos 2016. Em determinado momento o editorial diz com todas as letras que “teremos de estar atentos e vigilantes na defesa de medidas constitucionais. O papel de instituições como STF pode arbitrar a favor de medidas populares e contra violações legais. Esse parâmetro vai levar-nos a compor unidades amplas para tais defesas.”

Tratam o STF quase como um ator republicano em meio à barbárie bolsonarista. E eles justificam o silêncio diante da prisão do Lula afirmando que isso imporia ao conjunto do movimento a hegemonia do PT. O problema é que defender a liberdade de Lula tem a ver com resistir aos engendros desse bonapartismo judiciário que atua como peça chave desse novo arranjo neoliberal que se desenha, por maiores que sejam nossas diferenças com Lula e o PT. Ao escantear a luta contra o judiciário, o MES acaba separando o econômico do democrático, abrindo espaço para o PT poder se embandeirar da denúncia contra o autoritarismo judicial. Ainda que o PT siga com enorme confiança no judiciário e não organizando uma luta séria pela liberdade de Lula, é preciso unir as pautas econômicas (contra a reforma da previdência e demais ataques) com as democráticas contra o autoritarismo judicial.

Escrevemos essa polêmica a fim de abrir um debate entre a vanguarda de esquerda nacional. Na organização da luta contra os ataques de Bolsonaro, contra as políticas entreguistas de Moro e Paulo Guedes, contra a escalada autoritária de retirada de liberdades democráticas do judiciário e dos militares e contra o alinhamento ao anti-globalismo trumpista de Ernesto Araújo e o filho de Bolsonaro, a tarefa das organizações socialistas e revolucionárias passa necessariamente por unificar as pautas que possam engrossar o caldo da mobilização dos trabalhadores contra esse “quadrunvirato” violento, confiando apenas em suas forças. A frente-única, que para além do caráter tático também pode apresentar um aspecto estratégico, deve servir para colocar em movimento o conjunto da classe trabalhadora visando a defesa e ampliar a influência dos revolucionários sobre os setores estratégicos da classe operária.

E isso é possível apenas desmascarando as direções conciliadoras do petismo. O PSOL, na medida em que se nega a denunciar o PT e o papel traidor da CUT e CTB, dificulta o caminho para o surgimento de uma alternativa revolucionária e socialista. Do contrário, prefere seguir na estratégia parlamentar e institucional da “frente ampla” buscando outros partidos burgueses, como PDT, PSB e até mesmo da “esquerda tucana”. Dessa forma o MES acaba operando uma dupla capitulação: primeiro ao judiciário bonapartista e segundo ao próprio PT.

A unidade necessária deve ser do conjunto da classe trabalhadora contra o conjunto dos ataques. E nesse processo defender um programa classista que construa um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo baseado em organismos de democracia direta das massas. Nós do MRT, que escrevemos um Manifesto recente, através do qual submetemos à consideração dos setores que querem lutar contra Bolsonaro nossas propostas, depositamos nossas forças nessa perspectiva.

 
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