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EDUCAÇÃO
Por que Bolsonaro precisa atacar os professores para impor seu projeto autoritário e ajustador?
Mauro Sala
Campinas
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Uma ofensiva contra as Universidades e os professores

Os últimos 15 dias foram marcados por duas importantes ofensivas contra a educação pública no país. Ainda antes das eleições, diversos juízes eleitorais autorizaram diligências policiais de busca e apreensão em diversas Universidades pelo país. Se escudando na lei eleitoral, esses juízes promoveram um movimento de censura política nas Universidades, caçando o direito de manifestação dos estudantes e trabalhadores. Essa ação teve o claro intuito de beneficiar Jair Bolsonaro nas eleições, já que perseguiram, exclusivamente, movimentos críticos ao então candidato. Nem bem saiu o resultado eleitoral, e Jair Bolsonaro gravou um vídeo orientando os alunos a filmarem seus professores e para expô-los nas redes sociais. O recém-eleito presidente da república garantiu que nada iria acontecer com quem o fizesse.

Se por um lado houve uma intervenção com as forças do Estado contra a organização e o direito de manifestação no interior das Universidades, por outro, busca-se mobilizar setores da sociedade contra os professores da educação básica. Essas duas ofensivas deixam claro a forma que o governo Bolsonaro e a extrema direita tratarão a educação e os professores.

Ainda eufóricos com a vitória eleitoral, a bancada reacionária na Câmara dos Deputados se adiantou e quis colocar ainda para esse ano a votação do parecer do PL 867/2015, ou seja, o projeto de lei conhecido como “Escola sem Partido” e fazer modificações na chamada Lei Anti-terrorismo, dando à ela uma redação na qual poderiam enquadrar, inclusive, movimentos sociais por terra, moradia e, por que não, educação.

O “Escola sem Partido” nunca se tratou apenas de um projeto de lei para estabelecer os direitos dos estudantes e protegê-los de uma pretensa doutrinação por parte dos professores: ele é, antes, um movimento concreto de assédio contra os professores das escolas públicas que busca articular formas legais e ilegais de violência moral e censura. Por isso Bolsonaro não precisou esperar a aprovação do PL para incentivar o método de perseguição e exposição de professores a fim de constrangê-los e impor uma perseguição e censura “extraoficial”.

A ofensiva contra as Universidades e o assédio contra os professores da educação básica tem por objetivo – além do silenciamento direto das oposições e seus interiores – gerar certa desconfiança da sociedade contra esses setores. Não é à toa que essas ofensivas vieram acompanhadas de um discurso de que as Universidades públicas seriam uma espécie de “incubadora de comunistas” e que “os professores esquerdistas” promoveriam uma espécie de “doutrinação ideológica” nas escolas públicas pelo país.

Se aproveitando de certo conservadorismo popular e geracional em relação aos costumes, a extrema direita mobilizou um discurso que pretende fazer dos professores não apenas “doutrinadores esquerdistas”, mas, também, responsáveis por todo o tipo de imoralidade.

A extrema direita foi preparando esse discurso pacientemente. Desde a histeria com o falacioso “kit gay” até todo o debate sobre a assim chamada “ideologia de gênero”, todos os passos dados por ela foram no sentido de mobilizar os sentimentos conservadores da sociedade para se criar um clima de desconfiança em relação à escola e, sobretudo, aos seus professores.

A inversão completa da realidade como política da extrema-direita

Mesmo que a escola tenha como uma de suas características uma função conservadora - a socialização do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade -, ela acaba por ter uma dinâmica que aponta para os processos ainda embrionários de mudança social, sobretudo, das mudanças nos modos de vida tomados de uma perspectiva geracional. É na escola, muitas vezes, que a juventude pode experimentar, ensaiar e constituir seus novos modos de vida. Os professores e professoras, que mantém o contato cotidiano com essa diversidade e essa dinâmica, acabam por ser bastantes sensíveis às demandas das “novas gerações”.

Assim, é certo – e não foi casual - que foi na educação escolar que primeiro repercutiu as angústias dos jovens que não se encontravam nos papéis de gênero e nas formas de sexualidades socialmente constituídos. Os professores e professoras, por vivenciarem essas angústias e por terem que conviver nesse ambiente de diversidade, tiveram que tematizar essa questão. Assim, as discussões sobre as formas de constituição social da identidade de gênero e da diversidade de expressão da sexualidade não foi para os professores apenas uma opção de conteúdos, mas foi uma imposição da própria realidade.

Os professores não doutrinaram os estudantes nessas questões. Eles antes ajudaram a vocalizar e amplificar demandas já contidas na vivência e no modo de vida de uma parcela expressiva da juventude. Os professores serviram antes como tribunos para ajudar que essas demandas pudessem ser socialmente reconhecidas e, dentro das escolas, eles precisavam reconhecer a diversidade das vivências e para fazer valer a vivência das diversidades. A questão era apenas de reconhecimento e direitos.

Professores como intelectuais orgânicos da classe trabalhadora

Entretanto, não é apenas na questão de gênero e das outras opressões que os professores se solidarizam com as demandas da juventude. Os professores e professoras das escolas públicas, seja pelo seu contato cotidiano com a juventude trabalhadora, seja pela própria condição de vida que os baixos salários impõem, acaba por ser um setor muito sensível também às demandas dos trabalhadores.

Por desempenhar uma função intelectual no seio da sociedade, os professores podem ser capazes de sistematizar e dar conteúdo universal para as demandas particulares que os alunos, as famílias e eles próprios têm. O desemprego, o subemprego e a exploração do trabalho, as divisões de gênero e os preconceitos raciais que são sentidos pelos alunos e seus familiares também são sentidos pelos professores, e por isso eles também precisam buscar uma saída.

Assim, seria errado atribuir apenas a certo corporativismo docente o número de greves e conflitos trabalhistas que a categoria protagoniza. Embora a valorização salarial e a melhoria das condições para o trabalho educativo seja um eixo forte da mobilização - e que a burocracia sindical tenta absolutizar -, as professoras e professores também deram inúmeros exemplos de atuação em questões que transcendiam seus interesses corporativos, como a forte apoio às ocupações estudantis, a resistência contra o golpe, a participação massiva nos 8 de março, além de ser uma das maiores categorias organizadas que esteve na linha de frente nas grandes paralizações nacionais de 2017.

Esses e outros acontecimentos apontam uma subjetividade particular nos professores: de ter sido a categoria que melhor compreendeu - e reagiu - a dinâmica política que se desenvolve no país desde o golpe institucional, e que teve como um de seus subprodutos o Jair Bolsonaro.

A aliança com as demandas da juventude e com as demandas gerais dos trabalhadores é um traço marcante na história do movimento de professores das redes públicas no país. Promover essa ruptura é o que busca a extrema direita e Bolsonaro quando difundem, a partir de mentiras e calúnias, a desconfiança contra os professores e professoras.

Assim, Bolsonaro e a extrema direita precisam atacar os professores e as universidades também como caminho para a destruição da oposição, da esquerda e, principalmente, evitar que a classe operária entre em movimento.

Nenhum governo autoritário consegue se colocar em pé firmemente se não desarticular a resistência nas Universidades e dos professores da educação básica. Seja pelo potencial de auto-organização da própria categoria, seja pelo papel de intelectual orgânico dos trabalhadores e da influência social que ainda têm, atacar e destruir a auto-organização e diminuir a influência desses setores é fundamental para o projeto autoritário de Jair Bolsonaro e da extrema-direita. Isso porque o futuro governo e a burguesia que o sustenta sabem que as grandes batalhas ainda estão por vir, e que nessas batalhas as escolas e as Universidades poderão ser pólos ativos e influentes de organização e luta que, historicamente, tenderam à esquerda.

Um ataque democrático articulado com o ataque econômico

Desde o início da Lava-Jato, passando pelo golpe institucional e pelas eleições mais manipuladas da história recente do país, vemos se articular, por trás dos ataques democráticos, interesses econômicos. Temer não assumiu para acabar com a corrupção dos anos de governo do PT: ele assumiu para fazer os ajustes reacionários na economia que a burguesia demandava: a Emenda do teto, a reforma das leis trabalhistas, a ampliação da terceirização, a privatização do pré-sal e a reforma da previdência.

Embora os trabalhadores tenham sido em grande parte derrotados nesses ataques, o governo Temer encontrou tanta oposição à reforma da previdência que teve que recuar. Mas esse ataque deverá ser posto novamente num período de tempo mais ou menos curto.

Toda manipulação eleitoral e todos os ataques e censura contra as universidades e as escolas tiveram esse objetivo. Se não era Bolsonaro o primeiro nome da burguesia para fazer esse serviço, pouco importa. O importante é que ele se comprometeu em fazer a reforma da previdência e as privatizações, apontando, inclusive, para uma reforma ainda mais dura e privatizações ainda mais amplas que a de Temer. Se necessário, Bolsonaro o fará com os coturnos militares.

O “Escola sem Partido” e a ação sobre as Universidades (para mostrar que um e outro são “incubadores de esquerdistas que querem destruir a moral e a família”) são, então, manobras preparatórias para minar a resistência e o potencial de aliança com setores mais amplos da sociedade na grande batalha que será a Reforma da Previdência e o plano de privatizações irrestritas. Esses ataques articulados com o ataque ao funcionalismo público em geral é uma forma de se criar um caldo de cultura favorável tanto às privatizações quanto a reforma da previdência, já que apresenta o funcionalismo - professores e estudantes inclusos - como um grupo privilegiado e que usa seus privilégio para promover doutrinação e baderna. É a representação clara do “dividir para conquistar”.

Há alguma esperança na justiça burguesa?

Depois do movimento que os tribunais eleitorais promoveram contra as Universidades, o STF se posicionou contra esse acontecimento, dizendo que a censura fere tanto o princípio da autonomia Universitária quanto a própria Constituição. Um dos ministros sugeriu até que a proibição da censura se estendesse para a educação básica, se posicionando contra o “Escola sem Partido”. Esse movimento do STF criou certa ilusão de que o judiciário pudesse controlar os excessos do governo Bolsonaro.

Embora seja certo que o STF não esteja plenamente articulado com Bolsonaro, temos quer ter claro que ambos tem um objetivo comum: promover os ajustes e as reformas que atacarão os trabalhadores. Trata-se muito mais de nuances, caminhos e chantagem do STF do que esse querer estabelecer um freio ou mesmo um limite claro para a atuação de Bolsonaro frente ao executivo federal.

Devemos lembrar que o STF teve participação direta nos caminhos do golpe institucional, mantendo, inclusive, o Lula preso e incomunicável, e que as últimas decisões sobre a educação foram desfavoráveis tanto aos professores quanto aos princípios de laicidade e gratuidade das instituições de ensino públicas. O STF relativizou a obrigatoriedade da implementação da jornada da Lei do Piso dos profissionais do magistério público no país, autorizou desconto salarial em uma greve de professores do Rio de Janeiro, foi favorável ao ensino religioso confessional nas escolas da rede pública e aprovou a cobrança de mensalidades nos cursos lato senso,nas especializações e extensões oferecidas nas Universidades públicas.

É certo que o STF buscará ser um mediador dos conflitos mais duros, mas todos os passos dados até aqui nos mostram que ele não estará do lado da educação pública, dos trabalhadores da educação e nem da juventude.

A incapacidade da Frente (ampla) Democrática

Diante da ascensão de Bolsonaro à presidência, alguns setores da sociedade - PT à frente, mas também PDT, PCdob, PSB e setores do PSOL - vêm defendendo uma frente exclusivamente parlamentar para resistir ao autoritarismo de Bolsonaro. É claro que o governo Bolsonaro coloca em risco até mesmo a democracia degradada e manipulada que vivemos. Também é certo que devemos nos opor e lutar contra todos os retrocessos democráticos no país. Sabemos que há uma enorme diferença entre a democracia burguesa e a ditadura. Na medida em que os trabalhadores seguem confiando e tendo ilusões na democracia burguesa, temos que estar dispostos a defendê-la junto com eles contra o perigo do autoritarismo e da ditadura. Mas, mesmo a defesa de elementos democráticos básicos, como o sufrágio universal, só poderão ser defendidos com os métodos da luta de classes e da democracia operária.

O que está em jogo não é apenas de concepção de democracia, mas da articulação real entre os ataques democráticos e os ataques econômicos.

Nenhum setor burguês - por mais democrático que possa parecer - abrirá mão dos ataques econômicos, reforma da previdência e privatizações à frente. A ilusão de que uma frente ampla democrática possa salvar o país da ditadura, é não compreender profundamente o sentido do golpismo e do projeto que Bolsonaro representa.

Bolsonaro não representa apenas o autoritarismo. Ele representa o autoritarismo à serviço dos ajustes econômicos ultra neoliberal de Paulo Guedes. No plano da luta que articule os ataques democráticos aos ataques econômicos, lutando contra as formas de degradação de nossa democracia e os ataques e ajustes contra os trabalhadores, os setores democráticos burgueses ficarão pelo caminho. Alguns desses podem até preferir, por hora, a democracia burguesa, mas o que eles precisam mesmo é do aumento da exploração do trabalho, da reforma da previdência e de um plano de privatização que auxiliem seus negócios. Um setor democrático da burguesia pode até se opor ao "Escola sem Partido” ou defender a liberdade e a autonomia das Universitárias, mas será incapaz de defender o direito de aposentadoria e melhores condições de ensino, estudo e permanência nessas instituições.

Como defende o PT, não será esperando até 2022, com uma posição domesticada e passiva, que enfrentaremos o conjunto dos ataques que estão anunciados.

O potencial dos professores para ser vanguarda da classe operária brasileira

Diante desse cenário, nós, professores, não podemos cair no canto da sereia da frente democrática. Temos que ter claro que a censura e a campanha de desconfiança contra os professores está a serviço de promover profundos ataques contra as condições de trabalho e vida dos professores e dos trabalhadores. Temos que ter claro que o “Escola sem Partido” e a intervenção nas Universidades são, ao mesmo tempo, as continuações autoritárias do golpismo e a preparação para as contrarreformas e privatizações já anunciadas por Bolsonaro e sua equipe.

Assim, precisamos levantar a consigna que articule a denúncia de Bolsonaro como continuidade do golpismo, contra o “Escola sem Partido” e toda forma de assédio e censura contra os professores, contra as intervenções do judiciário e da polícia nas Universidades (demanda democrática) com a intensão clara de Bolsonaro atacar a previdência, os trabalhadores, os serviços e o patrimônio público (demanda econômica). Dar peso apenas à primeira, acaba por desarmar os trabalhadores pelas batalhas decisivas que se darão no plano da luta econômica e pelas condições de trabalho e vida. Dar peso apenas para a segunda, é cair num sindicalismo economicista incapaz de dar uma saída política para os professores e o conjunto dos trabalhadores, já que separa o significado do golpe institucional - e de Bolsonaro e suas políticas repressivas como a continuação violenta do golpe - das consequências econômicas, como os planos de ajustes, a reforma da previdência e as privatizações.

Essa perspectiva é fundamental para conformar uma Frente Única de trabalhadores capaz de articular a defesa contra o autoritarismo e os recuos democráticos com a luta contra os ajustes econômicos que serão descarregados nas costas dos trabalhadores e da juventude.

Até o momento, as grandes centrais não estão apontando nenhuma medida de mobilização. A covardia de seus dirigentes só poderá ser superada com um grande movimento conectado às bases das principais categorias de trabalhadores e da juventude.

Para isso, precisamos exigir das grandes centrais sindicais, e das principais organizações estudantis, que convoquem assembleias e conformem comitês de luta por todo o país para que possamos, a partir da nossa auto-organização, botar em pé um movimento massivo e construído democraticamente nas bases de trabalhadores e da juventude.

Pela relação orgânica que os professores estabelecem com a sociedade, dando aulas para os filhos e jovens da classe trabalhadora, podemos iniciar um movimento que seja catalisador e contamine outros gigantescos batalhões da classe como metalúrgicos, petroleiros e trabalhadores do transporte.

Nós, professores, precisamos superar as divisões que o neoliberalismo e a reforma do Estado impuseram à nossa categoria, dispersando-a em milhares de redes independentes, com condições de trabalho e de remuneração distintas, e, no interior de cada rede, distinguindo entre efetivos e temporários. Precisamos fortalecer a mais sólida unidade de nossas fileiras para podermos resistir aos ataques que querem nos vitimar. Assim, a CNTE - dirigida pelo PT - precisa cumprir seu papel de organizar e articular as lutas, em plano nacional, não aceitando passivamente as divisões que nos impuseram. A política de frente única dos trabalhadores da educação, em conjunto com os demais trabalhadores e a juventude, é certamente a melhor arma contra os ataques que a educação e os professores vêm sofrendo e que atingirá o conjunto dos trabalhadores e da juventude.

 
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