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TORTURADOR
Absurdo: TJ-SP reverte condenação de Coronel Ustra pela tortura e morte de Luiz Merlino
Redação

Absurda decisão do judiciário reverte em 2ª instância julgamento do caso Merlino, torturado até a morte por Ustra. Como afirmou Ângela Mendes de Almeida, ex-companheira de Merlino e uma das autoras da ação, “a decisão se coloca dentro dessa onda conservadora e reacionária ligada ao candidato que está em primeiro lugar.”

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Ocorreu hoje, 17 de outubro de 2018, no Palácio da Justiça, na Praça da Sé, processo na área cível por danos morais movido contra o coronel Carlos Brilhante Ustra, responsabilizando-o pela tortura e morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino.

Jornalista brilhante, como o descreveu o advogado que fez sustentação oral do caso, Luiz Eduardo Merlino, ou apenas Merlino, era também militante de esquerda e trotskista. Ingressou no movimento estudantil ainda secundarista, em Santos, cidade onde nasceu. Aos 17 anos, mudou para São Paulo, onde passou a atuar como jornalista, entrou para o Partido Operário Comunista (PCO) e começou a estudar história na Universidade de São Paulo (USP). O centro acadêmico do curso de história leva hoje o seu nome.

Merlino foi preso no dia 15 de julho de 1971. Havia voltado há 5 dias de uma viagem à França, para onde tinha ido a fim de estreitar contatos com a IV Internacional, em nome do POC, e participar do II Congresso da Liga Comunista, quando os policiais do DOI-CODI chegaram na casa da sua mãe, em Santos. Os policiais perguntavam com insistência e agressividade pela companheira de Merlino, Ângela Mendes de Almeida.

Ângela é autora do processo, ao lado da irmã do jornalista, Regina Maria Merlino Dias de Almeida.

Como relatou o advogado em sua exposição, Merlino foi espancado em um pau de arara, contribuição brasileira ao rol dos mais cruéis métodos e instrumentos de tortura. O suplício de Merlino durou 24 horas. Pendurado de cabeça para baixo, recebeu, ainda, um dos “complementos normais” do método de atrocidade: eletrochoques. Abandonado à própria sorte em uma solitária, vítima de maus tratos por parte de médicos e enfermeiros, Merlino morreu em decorrência de uma gangrena causada pelas atrocidades físicas que lhe foram infligidas.

O autor e comandante dessa truculência contra o jovem estudante, jornalista talentoso e atuante também no movimento operário, foi o chefe das torturas na ditadura militar no Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Defendido por Jair Bolsonaro e seus filhos, Ustra é a única pessoa brasileira a ter sido declarada pela Justiça como torturador na ditadura.

Claro que isso diz muito da impunidade do caso brasileiro, especialmente sobre o caráter contraditório da Lei da Anistia; mas diz muito também sobre a atuação de Ustra, os assassinatos que comandou ou que cometeu com suas próprias mãos – “torturar até a morte é homicídio”, definiu Ângela Mendes ao R7.

Historiadora e coordenadora do Observatório de Violências Policias do Centro de Estudos de História da América Latina (CEHAL), da PUC-SP, Ângela resumiu em entrevista ao Esquerda Diário, de outubro de 2015, “Ustra morre impune, Merlino vive em nossos corações”, como ao lado de companheiras e companheiros conseguiram reconstituir o bárbaro homicídio:

“No caso do Luiz Eduardo Merlino, não se trata de um desaparecimento. Nós, familiares, soubemos desde o início que ele foi morto no DOI-CODI de São Paulo, em consequência de torturas continuadas com choques elétricos no “pau-de-arara”, por mais de 24 horas seguidas, e depois pelo abandono completo em uma cela solitária, o que veio a lhe provocar a gangrena nas pernas. Com o auxílio de outros companheiros do POC-Combate e de outras organizações, então presos, cada um depondo sobre um pequeno pedaço da história dessa morte, pudemos reconstituir de que forma a violência, e depois a falta de cuidados médicos levaram à morte de Merlino. Pudemos inclusive saber quem foram os seus torturadores: o ex-comandante do DOI-CODI de São Paulo, coronel reformado Carlos Brilhante Ustra, o delegado aposentado Aparecido Calandra, o “capitão Ubirajara,” e o delegado da Polícia Civil, Dirceu Gravina, o “J.C.” (Jesus Cristo).”

Por isso o teatro a que assistimos hoje revoltou os presentes – familiares, amigos, militantes de todas as idades – que lotaram a imponente sala do Palácio da Justiça; grande, porém com o mínimo espaço reservado para o público. Claramente um lugar onde poucos e “muito importantes” doutores deliberam sobre o que é a “justiça”. Como éramos muitos, assistimos de pé aos três desembargadores (Salles Rossi, relator, Mauro Conti Machado e Milton Carvalho) encerrarem de maneira arbitrária a ação indenizatória.

Como afirmou Ângela após o julgamento, essa decisão da segunda instância representa “um recado público do Tribunal de Justiça de que a tortura está permitida. Pode existir tortura. Tortura é livre”. Ela acrescentou, ainda, que a maneira como agiram os desembargadores não a choca, porque devido “à maneira como juizes e advogados torcem as questões, era previsível”, o que, no entanto, “não deixa de nos entristecer a todos”, e alerta, diante do contexto que o país está vivendo: “a decisão se coloca dentro dessa onda conservadora e reacionária ligada ao candidato que está em primeiro lugar”. Como explicou, o objetivo do processo é deixar público não apenas quem foi Carlos Brilhante Ustra, mas quem são os torturadores, pois “não adianta falar mal de tortura e não punir os torturadores. Nenhum dos desembargadores aí falou: nós apoiamos a tortura. Eles não falaram isso. Eles foram dando voltas, voltas, voltas e pegaram os testemunhos que estavam no processo e torceram no sentido com o que queriam votar.”

Eleonora Menicucci de Oliveira, socióloga, professora e pesquisadora da área de saúde pública, ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo Dilma, esteve presente na audiência. Ela é uma das testemunhas que teve seu depoimento distorcido pelos desembargadores. Como nos contou, esteve na mesma sala que Merlino, foi torturada ao lado dele, a comando de Ustra.

Bruno Gilga, diretor de base do Sindicato dos Trabalhadores da USP, esteve no Palácio de Justiça para prestar solidariedade com outras companheiras e companheiros à Ângela e Regina.

No vídeo de denúncia que fez para a Página no Facebook do Esquerda Diário logo após o julgamento, Gilga explica como se deram as manobras dos desembargadores a que Ângela se refere e como foram usadas as palavras de testemunhas como Eleonora para “dizer que não havia prova da responsabilidade do Ustra sobre a tortura”. Os desembargadores, lembra ele, chegaram a usar o atestado de óbito de Merlino, um atestado forjado pelo próprio regime, que dizia que o jornalista tinha sido atropelado em uma avenida, enquanto foi, na verdade, levado pelos agentes do DOI-CODI e ali foi assassinado, depois de 24 horas de suplício.

“A Comissão da Verdade chegou a recomendar que fosse corrigido esse atestado para colocar que o companheiro morreu por tortura. No momento político em que o país vive, essa decisão é parte de uma onda reacionária que serve pra legitimar as forças armadas, legitimar a ditadura militar, legitimar o avanço da extrema-direita. Junto com todo o papel que o judiciário está cumprindo com as força armadas em ter mais um enorme ativismo político para garantir uma mudança de regime político em nosso país, que garanta atacar ainda mais os direitos dos trabalhadores, dos negros, das mulheres, dos indígenas, de todo o povo pobre”.

Nós, do Esquerda Diário, rechaçamos com uma indignação enorme essa decisão escandalosa. Também nos solidarizamos com as companheiras e os companheiros, com os familiares e amigos e amigas do companheiro Merlino, que estará presente em nossa luta agora e sempre.

As forças armadas e o judiciário vem cumprindo um papel ativo de serem meios para uma mudança de regime político em chave reacionária. Devemos rechaçar fortemente a reversão dessa condenação, isso é um ataque a todos os movimentos de trabalhadores, de esquerda, sociais.
É preciso que as centrais sindicais impulsionem imediatamente comitês de base nos locais de trabalho e de estudo para nos mobilizarmos contra cada passo de avanço do Judiciário, de Bolsonaro e suas políticas desumanas, contra a extrema direita, os golpistas e as reformas.

 
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