www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
ESPECIAL 77 ANOS TROTSKY
A vigência do legado de Trotsky para refletir o Oriente Médio
Simone Ishibashi
Rio de Janeiro
Ver online

O assassinato de Leon Trotsky completa nesse ano, no mês de agosto, 75 anos. A mando de Stalin, Ramón Mercarder desferiu os golpes de picareta que encerrariam a vida de Trotsky. A data não foi produto do acaso. Frente à iminência da II Guerra Mundial, Stalin, recordando-se de como a I Guerra Mundial fora a parteira da revolução russa, teme que novos levantes revolucionários ocorram. E que confluam com a nova organização revolucionária internacional que acabara de nascer: a IV Internacional que fora fundada em 3 de setembro de 1938. Decerto, processos revolucionários ocorreriam na Grécia, Itália e Indochina durante a maior guerra da história da humanidade. Em todos eles o stalinismo envolveu-se para impedir que triunfassem.

A clareza estratégica do pensamento de Trotsky fora tão ímpar, que ele pôde antecipar a eclosão da II Guerra Mundial, e as questões fundamentais que se colocariam para a classe trabalhadora mundial frente a ela. A própria fundação da IV Internacional estava intimamente relacionada com esses desafios. A força do legado de Trotsky atravessou os tempos, e mais de meio século após sua morte é indispensável para o entendimento dos principais fenômenos da luta de classes internacional. E não apenas para a compreensão, como também como ferramenta essencial para a elaboração de uma política revolucionária, frente a complexos cenários como são os dos países do mundo árabe.

A teoria da revolução permanente e a época imperialista

A teoria da revolução permanente constitui-se como um dos mais importantes aportes de Trotsky. Elevou-se como uma teoria que concretiza a estratégia e a lógica da revolução, de uma perspectiva global. Ainda que esse termo tenha sido empregado pela primeira vez muito antes, em 1793 pelos jacobinos na Revolução Francesa, e posteriormente tenha sido retomado por Marx para analisar as revoluções de 1848, é Trotsky o responsável por lhe conferir esse novo sentido.

Sua primeira formulação data de 1905 elaborada por Trotsky, quando elabora a tese de que a burguesia liberal russa seria incapaz de dirigir a revolução democrática, cabendo esse papel à classe trabalhadora, que deve arrastar consigo o campesinato. Como seria uma de suas características mais fortes, Trotsky elabora e enriquece sua teoria à luz das experiências revolucionárias. Com a revolução russa de 1917, Trotsky seria aquele que mais firmemente defenderia que a classe trabalhadora deveria realizar as tarefas da revolução democrática, como a libertação da opressão imperialista e a divisão das terras. E que ao fazê-lo, os trabalhadores não se deteriam na etapa democrática da revolução, mas avançariam sobre a propriedade burguesa, e instituiriam um Estado operário, em que exerceriam papel de direção inclusive sobre as massas camponesas.

Mas é com a revolução chinesa de 1925 que Trotsky generaliza a teoria da revolução permanente. Em meio a uma grande polêmica define que as mesmas leis de classe que operaram na Rússia, que demonstravam que a burguesia nacional seria incapaz de levar adiante as tarefas de sua própria revolução, também atuavam sobre a China. E que apenas a classe trabalhadora poderia resolver a imensa tarefa de garantir a unificação e emancipação de seu país frente à dominação imperialista, como se debate aqui.

Isso se deve a própria natureza da época imperialista, vigente até os nossos dias. Lênin definia que uma das características mais fundamentais da época imperialista é a de que os monopólios capitalistas dominam a economia internacional, e que a partilha do mundo pelas potências imperialistas já culminou. Isso tem como resultado o aumento das contradições, que se concretizam em “crises, guerras e revoluções”, pois as nações que querem se alçar como dominantes são obrigadas a questionar aquelas que cumprem esse papel. E que o mundo está dividido entre nações opressoras e oprimidas, isto é, entre nações imperialistas e semicoloniais. No interior dos países de capitalismo atrasado, as burguesias não podem cumprir as tarefas da revolução democrática por serem, desde sua origem, submissas ao imperialismo. Isso se provou absolutamente verdadeiro quando se pensa sobre as vias de emancipação dos trabalhadores e dos povos do Oriente Médio.

A histórica dominação imperialista sobre o Oriente Médio e o norte da África

A dominação imperialista direta sobre o Oriente Médio e norte da África constitui-se como elemento distintivo da região, comparável talvez apenas com a realidade chinesa do início do século XX, quando o país estava ocupado por diversos exércitos imperialistas. O desmembramento do antigo Império Otomano resultou nas fronteiras artificiais fixadas pelos acordos de Sykes-Picot de 1916, que dividia toda a região em protetorados da França e da Inglaterra, as principais potências imperialistas daquele momento. Dessa forma, a Jordânia e o Iraque seriam dominados pela Inglaterra, enquanto a Turquia, Síria e Líbano pela França. A Inglaterra também exerceria um mandato sobre a Palestina a partir de 1922, e a dividiria em duas áreas de influência. Uma sob domínio britânico, a oeste do Rio Jordão, e outra na região da Transjordânia que seria governada pelo clã hashemita do Hejaz. Para garantir essa divisão, os imperialismos patrocinariam as monarquias mais servis e odiadas pelos povos árabes, como a do rei Faissal, último monarca do Iraque.

Com a ascensão dos Estados Unidos à condição de potência imperialista mais importante ao final da II Guerra Mundial se dá o aprofundamento dessa política para o Oriente Médio. Mas agora com a fundação de algo até então inédito na história recente: a formação de um Estado que seria um verdadeiro enclave imperialista na estratégica região. Trata-se do Estado de Israel, fundado pela ONU em 1948, sob o despojo dos palestinos. A partir de então, o povo palestino seria obrigado a viver em campos de refugiados nos países vizinhos, na Cisjordânia, ou na Faixa de Gaza, onde há a maior densidade populacional do mundo. A base dos Partidos Comunistas árabes, que tinham bastante importância na época em países como o Iraque ou a Síria, iniciou uma mobilização para resistir em armas à criação do Estado de Israel. Mas foram desmobilizados pela direção do PC stalinista, que desde Moscou foi na prática o primeiro país, além dos Estados Unidos, a reconhecer formalmente Israel. Com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel ampliou seus territórios e marcou a expressão colonialista e expansionista que jamais deixaria de exercer.

Posteriormente, os Estados Unidos ampliariam cada vez mais sua presença na região. Apesar do discurso de independência dos movimentos nacionalistas árabes durante a década de 1950, dirigidos pelo general Gamal Abdel Nasser do Egito, os Estados Unidos adotaram uma posição de deixá-los desenvolver-se, pois avaliaram que isso seria útil para ampliar sua influência contra os imperialismos francês e britânico, que detinham os mandatos de poder na região, e também como uma barreira contra o avanço dos partidos comunistas. Décadas depois os EUA financiariam a Al Qaeda como via de contenção à URSS, e sustentariam a ditadura egípcia de Hosni Mubarack que ascendeu sobre a derrota do projeto nacionalista de Nasser, e foi responsável pelo acordo de paz assinado entre o Egito e Israel. Bem como sustentou a odiosa monarquia saudita, que até hoje é um de seus principais aliados regionais. Dessa forma, os Estados Unidos combinaram o apoio a esses regimes, com intervenções militares e ocupações diretas, como foi recentemente com o Iraque.

A emancipação nacional dos povos do Oriente Médio e do norte da África do julgo do imperialismo, e do Estado de Israel é, portanto, um ponto essencial. É evidente que a política dos imperialismos, primeiro britânico e francês, e depois norte-americano, só pôde se dar dessa maneira mediante a colaboração das burguesias locais. Por isso, qualquer tentativa de emancipação dos povos árabes deve partir da necessidade imperiosa de ligar a luta contra as classes dominantes locais, com a luta contra a dominação imperialista. A luta pela libertação nacional das nações oprimidas e pela revolução socialista é indissociável, na perspectiva de Trotsky.

Nisso reside talvez uma das grandes debilidades dos processos que compuseram a primavera árabe. Os movimentos que questionaram as ditaduras e monarquias a partir do final do ano de 2010, tendo em seu centro as emblemáticas manifestações da Praça Tahrir, não colocaram claramente a necessidade de combater o imperialismo. Isso permitiu que as burguesias locais opositoras aos regimes até então vigentes, buscassem apoiar-se no imperialismo, para desviar ou mesmo derrotar os levantes populares. Dessa forma, os Estados Unidos, a França, e seus aliados regionais, como a Arábia Saudita, seguiram atuantes. Levaram adiante políticas como a intervenção da OTAN na Líbia, o financiamento de setores opositores burgueses na Síria, inclusive das alas islâmicas radicais, dentre os quais constavam parte do que depois se constituiria como o Estado Islâmico, e permitiram o golpe do exército no Egito. Muitas vezes foram colocados pelas direções burguesas opositoras na Síria, Líbia ou no Egito, como aliados dos que se levantavam contra os odiosos regimes. Algo que, como não poderia deixar de ser, se mostrou profundamente falso.

A primavera árabe e a questão da centralidade da classe trabalhadora

Outra questão fundamental posta pela teoria da revolução permanente¹, cuja ausência colaborou para a derrota da primavera árabe, foi a centralidade da classe trabalhadora como direção dos levantes contra os regimes existentes. Como afirmava Trotsky em 1929: “Enquanto a opinião tradicional considerava que o caminho para a ditadura do proletariado passa por um longo período de democracia, a teoria da revolução permanente proclamava que para os países atrasados, o caminho para a democracia passa a ditadura do proletariado .” Isso transposto para a realidade do Oriente Médio significa que mesmo que os levantes da primavera árabe instaurassem democracias liberais, isso não garantiria que o desemprego, a fome, e a submissão ao imperialismo que sangram essas nações, deixariam de existir. Somente a tomada do poder pelos trabalhadores, adiante de todo o povo oprimido, poderia instaurar uma verdadeira democracia das massas.

Havia um processo de greves importantes ocorrendo no Egito, antes da queda da ditadura de Mubarack, e que persistiu inclusive depois disso. No entanto, ao não terem rompido os limites de reivindicações e lutas sindicais, não tendo tomado a direção do processo, os trabalhadores não puderam abrir espaço para um resultado distinto à ascensão ao governo primeiro da Irmandade Muçulmana, e depois do exército. Como resultante, hoje o regime egípcio assemelha-se à ditadura que há menos de 5 anos atrás levou o povo a lutar para derrubar nas ruas. Na Síria o levante popular ao ser dirigido pela burguesia opositora, com alas tanto laicas como islâmicas, se transformou numa guerra civil, na qual uma ala claramente progressista não se colocou. Já a Líbia está à beira da divisão em clãs e tribos, com dois governos instituídos no país, e uma situação de miséria do povo superior à anterior à primavera árabe.

Isso demonstra que todos os setores da esquerda que interpretaram a primavera árabe como uma “revolução democrática”, que separava um primeiro momento em que a tarefa que estaria posta seria a derrubada dos regimes sob qualquer direção, e sem a centralidade da classe trabalhadora, para só depois levantar a necessidade das tarefas anticapitalistas, estavam completamente equivocados. Reconhecer tais erros, e como consequência a vigência da teoria da revolução permanente e do legado de Trotsky frente aos desafios postos pela primavera árabe, como primeira onda revolucionária em trinta anos, é das necessidades mais urgentes que se colocam para todos os que reivindicam o marxismo revolucionário. E é chave também para decifrar, numa perspectiva não dogmática, mas científica, os caminhos para superar definitivamente a opressão dos povos e dos trabalhadores dos países do Oriente Médio e do norte da África. Povos que deram ao longo de sua história mostras de grande capacidade de resistência, mas que precisam de uma estratégia revolucionária dessa mesma magnitude.

[1] A Revolução Permanente - https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1929/11/rev-perman.htm

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui