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SIMPÓSIO EDUCAÇÃO, MARXISMO E SOCIALISMO
"É preciso debater estratégia no movimento de mulheres", diz Diana Assunção na UFMG
Redação

Diana Assunção, dirigente nacional do MRT e fundadora do grupo de mulheres Pão e Rosas esteve no Simpósio Educação, Marxismo e Socialismo na Universidade Federal de Minas Gerais no último dia 20 de setembro. Na mesa "Exploração e opressões: feminismo, sexualidade e a luta pelo socialismo", com mediação de Luciana Praxedes, Diana dividiu a mesa com a professora Mirla Cisne, do Rio Grande do Norte. Leia na íntegra intervenção de Diana Assunção e veja o video.

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Foto: Diego Lara.

Veja o debate completo: https://www.youtube.com/channel/UCo65oQbbEVr51b2-_PfD3cQ?app=desktop

Fala de Diana Assunção:

Queria agradecer ao convite pra participar do Simpósio, e a Luciana que garantiu tudo.

Também queria começar denunciando o golpe institucional que vivemos hoje em nosso país e a situação de repressão que nos retirou Marielle: não esquecemos, não perdoamos e exigimos investigação independente. Também queria denunciar todo o processo de perseguição e proscrição contra a candidatura de Lula. Eu não defendo voto no PT e não concordo com a política e estratégia do PT, que na minha opinião abriu caminho ao golpe institucional quando governou com a direita, mas fui intransigente na defesa do direito do povo decidir em quem votar. Por isso acho absurdo que o TSE, o STF e as Forças Armadas definam em quem a população pode votar quando Lula vinha liderando as pesquisas. Esta discussão é muito importante num momento em que as mulheres começam a se levantar contra a cara mais reacionária da extrema-direita que é o Bolsonaro e dizem “ele não” mas é preciso discutir pra qual projeto vamos dizer sim, se para algum outro projeto de manutenção dessa sociedade capitalista que pode recompor o regime golpista como mal menor ou se vamos confiar na força das mulheres e da classe trabalhadora. Isso diz respeito a que estratégia ter no movimento de mulheres.

O movimento de mulheres veio avançando de forma avassaladora nos últimos anos. Com as marchas de mulheres contra Trump, com o movimento Nem Uma a Menos na Argentina, com a luta pela legalização do aborto na Polônia, e agora mais recentemente a maré verde na Argentina, na luta pela legalização do aborto. Aquilo foi inclusive um retrato da sociedade que vivemos: milhões de mulheres lutando nas ruas e quem define é um senado, com maioria de homens, sobre o corpo das mulheres – mas inclusive algumas senadoras votaram pela legalização do aborto mas também foram favoráveis ao plano de ajustes de Mauricio Macri que retira direitos principalmente das mulheres trabalhadoras na área da saúde por exemplo. Por isso, é preciso uma estratégia.

A relação entre patriarcado e capitalismo vem sendo retomada por este movimento de mulheres a nível internacional, seja para negá-lo, seja pra defender as ideologias pós-modernas ou radicais, seja pra retomar a tese do marxismo revolucionário de que não há libertação para as mulheres dentro deste sistema capitalista. E ainda que a opressão seja anterior ao modo de produção capitalista, a diferença é que patriarcado e capitalismo estabeleceram uma relação nova e superior nesse sistema capitalista do que anteriormente nas outras sociedades, criando um incremento da opressão na exploração. Rosa Luxemburgo fez uma definição que explica isso ao dizer que “o capitalismo é um sistema de discriminação na exploração, ao mesmo tempo em que é de exploração sistemática de toda forma de discriminação”.

Trabalhei o conceito de “nó” de Heleieth Saffiotti e é interessante o debate com a interseccionalidade como conceito abrangente contra um feminismo burguês branco mas que termina diluindo o conceito de classe e portanto a raiz da sociedade.
Sobre esse incremento da opressão na exploração, Marx utilizou um conceito que ele chamava de cheap labour, que significa trabalho barato. Como, no desenvolvimento do capitalismo, é possível utilizar desses grupos socialmente subordinados pelo gênero, pela raça etc, para conseguir explorar mais, rebaixar o salário desses setores e por essa via rebaixar o salário do conjunto da classe? É o que aconteceu historicamente com as mulheres, também com as crianças num período anterior, e é o que a gente vê acontecendo hoje, por exemplo, em relação à precarização do trabalho. A entrada da mulher no mercado de trabalho ocorreu de um ponto de vista que combinava o elemento da precarização, porque além de tudo criava a dupla jornada de trabalho com o trabalho doméstico não remunerado. É uma feminização do mundo do trabalho acompanhado da sua precarização, e que no nosso país em particular tem de mulher, tem rosto de mulher negra, de mulher imigrante. Agora no Brasil isso se aprofundou muito com a lei da terceirização irrestrita.

Quando vemos que a precarização tem rosto de mulher, também vemos que os avanços tecnológicos nas últimas décadas converteram ao alcance das mãos a socialização das tarefas domésticas. Entretanto tudo isso ocorreu sempre carregado de uma contradição. O capitalismo empurrou as mulheres pra produção, mas fez isso com salários menores do que o dos homens pra dessa forma conseguir pressionar a redução do salário no conjunto da classe trabalhadora, ou seja, empregar mais mulheres com salários menores e por essa via ameaçar e mostrar ao conjunto dos homens trabalhadores de que existiria uma suposta “segunda linha” da classe trabalhadora que supostamente aceitaria trabalhos mais precarizados e salários mais baixos por sua condição de opressão, então isso contribuiria pra avançar num rebaixamento salarial do conjunto da classe explorando ainda mais as mulheres trabalhadoras.

A utilização da opressão pelo capitalismo é muito lucrativa desse ponto de vista porque leva a incutir essa ideia de que é natural que as mulheres tenham de cuidar da comida, da lavagem da roupa, do cuidado das crianças e também do cuidado dos idosos e das pessoas que têm alguma doença na família. Sempre termina recaindo como uma situação para as mulheres responderem, e isso leva a uma questão concreta porque, para a classe dominante poder garantir a exploração da força de trabalho, ela precisa que essa força de trabalho tenha condições de trabalhar. Pra isso as pessoas têm que se alimentar, têm que ter um uniforme minimamente limpo pra conseguir estar no trabalho etc, e utilizando da opressão os patrões não precisam pagar um salário um pouco maior pra garantir que a pessoa possa comer num restaurante, lavar as roupas numa lavanderia. Eles não pagam simplesmente nada porque a mulher vai fazer e vai fazer de graça em casa, vai fazer a comida dela, do marido, dos filhos que vão ser a nova geração proletária pra continuar produzindo e continuar sendo explorados, e não vai receber absolutamente nada por esses serviços socialmente necessários pra reprodução da força de trabalho. E tudo isso bem bater cartão e com jornadas intermináveis. Esse é um dos elementos bastante nevrálgicos sobre a relação entre opressão e exploração. Isso faz com que o Estado se beneficie de um trabalho não remunerado, com que os capitalistas e as empresas não tenham de aumentar os salários e exime o Estado de garantir socialmente de forma pública esses serviços, que seriam lavanderias, restaurantes, creches, ou seja, todo o serviço que deveria ser público porque é socialmente necessário e não deveria estar a cargo das mulheres.

Então estamos diante de um movimento feminista que avança como nunca, de avanços tecnológicos que poderiam facilitar muito a vida das pessoas mas também de uma situação onde o feminicidio, a precarização, o trabalho doméstico não remunerado e a pobreza continuam avançando e atingindo principalmente as mulheres negras. Essa é a principal controvérsia entre feminismo e marxismo, porque direitos a gente pode conquistar mas isso muda a opressão?
Por isso, eu queria dialogar com algumas correntes teóricas do feminismo pra avançar na reflexão de estratégias. Nancy Fraser, do feminismo dos 99% (que é um feminismo bastante de esquerda e anticapitalista em geral mas não coloca claramente qual estratégia tem) levantou uma tese muito interessante, ela diz o seguinte: “a capacidade relativa do movimento feminista para transformar a cultura contrasta de maneira aguda com a sua incapacidade para transformar as instituições”.

Ela está dizendo que o movimento feminista pode conseguir direitos, conseguir, talvez, uma autoconscientização em alguns setores, e conseguiu isso de um ponto de vista, inclusive com muitas contribuições. Mas se mostrou incapaz de transformar a sociedade pela raiz. Isso, mais do que uma tese, é um balanço de como pensar o movimento feminista historicamente e de qual estratégia seguir. A partir desse balanço ela lança uma nova hipótese: "as mudanças culturais impulsionadas pela segunda onda do feminismo saudáveis em si mesmas serviram para legitimar uma transformação estrutural da sociedade capitalista que avança diretamente contra as visões feministas de uma sociedade justa". As transformações que aconteceram no sistema capitalista, que se apropriou de demandas do movimento feminista, na verdade não foram a favor de transformar radicalmente a sociedade para libertar o conjunto dos oprimidos e explorados, foram no sentido de perpetuar as formas de dominação que hoje existem. Em última instância, o que ela está dizendo coloca uma dúvida sobre se o feminismo e o neoliberalismo não se tornaram afinados um ao outro, questionando a cooptação do feminismo e sua subordinação em relação à agenda do Banco Mundial e do neoliberalismo historicamente.

Andrea D’Atri, fundadora do Pão e Rosas e dirigente do PTS na Argentina, também nos apresentou uma reflexão profunda sobre isso. Ao longo da história da humanidade, a resistência foi um traço marcante em todos os povos. O filosofo Daniel Bensaid dizia que a resistência é um ato de insubordinação, mas também de conservação. Ou seja, é uma ação para conservar e manter o que já temos, não há grandes aspirações no máximo uma ampliação de direitos que podem ser retirados a qualquer momento com as crises econômicas internacionais. Deste ato de resistência, louvável em si mesmo, vemos então o desprezo por uma estratégia já que não é necessário vencer, trazendo também um espírito de época vitimista. Trata-se, na realidade, de um ceticismo profundo com a humanidade e a possibilidade de transformação radical. Todos os tipos de ideologia surgem pra justificar uma derrota antecipada.

Para tratar disso, a gente precisa se remeter a todo o processo de contraofensiva imperialista, do neoliberalismo como resposta ao que foi o extenso processo de radicalização que deu lugar a processos de massas, revoltas, processos revolucionários, onde também se originou a segunda onda do movimento feminista. Essa contraofensiva significa uma grande derrota das massas, principalmente com uma enorme fragmentação da classe operária, entre homens e mulheres, negros e brancos etc, e uma derrota moral do ponto de vista de que a ideia da revolução saía do horizonte. O modelo do livre mercado e o pensamento único foram centrais nesse período de restauração, que buscava canalizar o ascenso anterior, as revoltas anteriores das massas através do crescimento dos regimes democráticos capitalistas, que em seguida vão se mostrar como verdadeiras democracias degradadas. Ou seja, canalizar todos os questionamentos que existiam e as revoltas populares e da classe operária para renovar a democracia frente ao que tinha sido o chamado socialismo real no leste europeu e na URSS como uma saída “democrática” que o capitalismo apresentava pra conseguir responder a esses anseios.

Nesse momento, o “fim da História”, “fim da classe operária”, exaltação do indivíduo, sua realização no consumo pelo consumismo foram bases muito importantes para esse novo pacto social. Enquanto alguns setores da classe trabalhadora e das massas conseguiam ter alguns direitos a mais desse processo, a grande maioria da população pobre era lançada à miséria, ao desemprego, à marginalidade, a serem obrigadas a morar nas favelas etc. E é o momento onde a cultura de massas é bastante permeada pelo individualismo, e pra fazer tudo isso foi necessário incorporar, sempre rebaixando, na agenda política desses governos e desses Estados muitas das demandas dos movimentos sociais, incluindo o movimento feminista.

Um pouco da conclusão dessa ideia é que a radicalidade do movimento feminista da segunda onda terminou sendo engolida pelo sistema. O movimento feminista que surgiu trazendo uma série de elementos que foram grandes aportes para a luta das mulheres e que tinha uma radicalidade enorme foram da insubordinação à institucionalização, ou seja, várias demandas passaram a ser parte da agenda neoliberal. E o sistema capitalista precisava fazer isso porque precisava esvaziar de conteúdo subversivo e revolucionário a pauta das mulheres, dar algumas concessões mantendo a sociedade de classe, como se alguns direitos a mais pudessem garantir uma mudança efetiva na vida da grande maioria das mulheres que mundialmente compõem 70% da população miserável.

O que fica desse debate é como a conquista e ampliação dos nossos direitos ainda dentro do sistema capitalista pode não se transformar em integração ao sistema e ao Estado capitalistas? E como podem ser ponto de apoio para luta revolucionária contra esse sistema de exploração para verdadeiramente conseguir emancipar o conjunto das massas femininas e o conjunto da classe trabalhadora, o conjunto da humanidade?

Esse elemento é importante porque essa cooptação e essa incorporação na agenda dos governos e do capitalismo é muito visível. Vai se expressar em muitos debates que colocam a necessidade de ter mais chefes mulheres nas empresas com todo o debate do “teto de cristal”. Como as mulheres nas empresas conseguem romper com o teto de cristal pra poder estar em uma localização tão igual quanto um homem empresário pôde estar.

Do ponto de vista substancial da igualdade em última instância, obviamente defendemos a igualdade em todos os âmbitos, que as mulheres possam ter as mesmas condições do conjunto dos homens, mas essa reivindicação está bastante por fora de uma definição de classe, porque as mulheres empresárias querem igualdade pra poder explorar nas empresas. Não é um conteúdo imune do conceito de classe. O que essas mulheres estão fazendo como empresárias? Elas estão explorando outras mulheres, inclusive. Muitas dessas ideologias radicais foram cooptadas pelo Estado “democrático de direitos”, buscando uma ampliação do Estado a serviço de fortalecer o capitalismo, muitos dos movimentos de setores oprimidos se institucionalizaram passando a fazer parte da “agenda” estatal em colaboração com os governos. Estamos vendo a luta por representatividade ser transformada em instrumento de dominação e estamos vendo a luta por igualdade ser transformada em igualdade para melhor explorar .Por exemplo diante dos 8 milionários do mundo inteiro, deveríamos reivindicar que fosse metade mulheres quando as mulheres são 70% da população pobre de todo o mundo? Muitas vezes querem transformar a luta das mulheres em resignação e não como mulheres que podem ser junto a sua classe sujeito da transformação da sociedade.

Você liga a televisão e vê o Itau dizer “lute como uma menina”. É o Itau, parte do capital financeiro no país, querendo dizer como devemos lutar. Isso é expressão distorcida da força das mulheres, porque ainda existem muitas propagandas que reproduzem o patriarcado e o racismo. Precisam fazer isso frente a pressão por novos valores, mas o faz de forma a cooptar as demandas corretas da luta das mulheres, contra a violência, pela igualdade, contra o machismo invisível cotidiano que todas as mulheres vivem, e transformar isso em produto pra lucrar mais. Ou seja, trata o feminismo como nicho de mercado.

No âmbito político também tem esse debate. O parlamento brasileiro é um dos que menos mulheres tem, como reflexo da opressão na sociedade. Mas a reivindicação de mais mulheres na política também não é possível de se dar por fora do conteúdo de classe. Existem nos principais países imperialistas do mundo inteiro exemplos de mulheres que são chefes de Estado desses países, e ser chefe de Estado desse país não está por fora desse conteúdo.

Têm exemplos que deixam bastante gráfico o elemento da relação entre exploração e opressão. Por exemplo, Angela Merkel na Alemanha me faz lembrar de uma cena emblemática. Angela Merkel, uma mulher chefiando a Alemanha, e uma menina palestina. A Angela Merkel diz para a menina palestina que ela não pode ficar na Alemanha, que ela vai ter que ir embora. Que feminismo responderia aos anseios da menina palestina ao mesmo tempo dos anseios da Angela Merkel? É conciliável o que a Angela Merkel faz exterminando o conjunto dos imigrantes e o que a menina palestina queria que era somente poder viver? É inconciliável. É o paradoxo central de que não é possível considerar um movimento feminista policlassista porque quando chegam os problemas de classe os interesses se confrontam, porque são inconciliáveis.

A eleição nos EUA mostra um paradoxo muito grande, porque Hillary pediu que votem nela por ser mulher. Trump ganhou. Mas o movimento feminista teria coragem de comemorar a vitória da Hillary quando caísse a primeira bomba na Síria e morressem milhares de meninas, mulheres e homens que sofrem com a guerra que o seu país imperialista leva adiante? Não existe um feminismo que responda à vida dessas meninas que sofrem tanto e a vida dessas mulheres que estão no poder, que estão na política pra representar os interesses de uma classe que quer explorar e melhorar a forma como utiliza a opressão de gênero, de raça, pela orientação sexual para conseguir melhor explorar. E por isso coloca mulheres para governar os seus países. Por isso as empresas capitalistas utilizam das bandeiras que a gente levanta no 8 de março e nas nossas manifestações pra parecer que são empresas feministas. E por isso esses setores querem cooptar nossa luta, como o Partido Democrata tentou fazer nas marchas de mulheres contra Trump impedindo que houvesse qualquer tipo de radicalização e ligação com o movimento operário, domesticando nossa luta pra que não saísse do controle das burocracias. Lição importante para nossas marchas no dia 29 contra Bolsonaro.

Do ponto de vista das mulheres no poder, na América Latina a gente também teve casos, diferente do caso do imperialismo, de mulheres, que representavam os governos pós-neoliberais. No caso na Argentina com Cristina Kirchner, aqui no Brasil com Dilma Rousseff, com governos mais populistas, que colocavam o tema da inclusão social mas que não significavam uma ruptura com o capitalismo. No caso do Brasil, o PT sofreu um golpe institucional contra o qual lutamos fortemente, contra essa direita reacionária, mas sem deixar de colocar o papel concreto que o PT cumpriu nesse processo todo ao governar com a direita e também com o plano de ajustes no governo Dilma. Além disso não legalizaram o aborto, Dilma chegou a fazer uma carta ao povo de Deus garantindo que não ia legalizar o aborto e abriu espaço a gente do calibre de Marco Feliciano.

Neste momento que estamos podemos citar nas eleições também Marina Silva que apoiou o golpe institucional então não tem como defender as mulheres. E Kátia Abreu conhecida como a motosserra de ouro, amiga do agronegócio. Além da Ana Amélia vice do Alckmin.

Quero fazer um parênteses porque todo este debate serve pra atualidade. Eu que lutei contra o golpe institucional, a prisão arbitrária de Lula, o veto à candidatura de Lula e mesmo sem votar em Lula defendi o direito do povo decidir em quem votar, me sinto na autoridade de criticar duramente o caminho entreguista do PT em busca de um pacto de governabilidade com golpistas. São vários os acenos de Haddad após sua subida meteórica nas pesquisas. Isso volta ao caminho de abrir espaço aos golpistas como Dilma fez em 2015 já atacando os trabalhadores. Temos que ter claro que não haverá emancipação nem das mãos dos golpistas nem do mercado financeiro. A única forma de lutar contra o golpe institucional é defendendo uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana exigindo que os sindicatos e movimentos populares imponham essa assembleia pra defendermos o não pagamento da dívida pública, a revogação de todas as reformas, a estatização da vale do Rio Doce sob controle operário pra evitar as tragédias capitalistas como de Mariana, a eleição direta de juízes, com revogabilidade e ganhando o mesmo salário que uma professora, que todos os casos de corrupção sejam julgados por júri popular, legalizar o aborto. Ou seja, medidas para que sejam os capitalistas que paguem pela crise.

Defendo essa Assembleia a partir da perspectiva de lutar por um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo, mas apresentamos essa proposta de emergência pra enfrentar os golpistas e Bolsonaro, sem cair na conciliação petista. Tenho ódio de Bolsonaro e toda essa extrema-direita mas também me dá raiva que queiram mais uma vez cooptar a luta das mulheres e reduzir a um voto a Haddad. No capitalismo não existe mal menor para as mulheres, e o único que conseguem é impedir o surgimento de uma alternativa revolucionária de fato.

Por isso não dá pra apostar em nenhuma estratégia que não seja de vincular a luta contra a opressão às mulheres, a luta anticapitalista que exige construir um verdadeiro partido revolucionário pra levar adiante uma revolução operária e socialista. A primeira coisa que é preciso pensar é que se existe uma sociedade que é baseada na exploração, não tem forma de libertar nenhum ser humano, independente da opressão que ele sofra, se não for terminando com essa desigualdade pela raiz. E para terminar com essa desigualdade pela raiz, é necessário ter uma revolução operária e socialista, porque é a classe trabalhadora que pode expropriar os meios de produção e ser a classe revolucionária da nossa época. Só que a classe operária precisa levar adiante a demanda do conjunto dos setores oprimidos, mostrar que ela pode levar adiante, como dirigente de uma revolução e ao lado destes setores, a luta em defesa das mulheres, a luta em defesa dos negros, a luta em defesa dos LGBTs.

Isso significa uma luta, inclusive, dentro do movimento operário. Porque no movimento operário, no sindicato em todos os lugares tem machismo. Ou seja, é uma batalha, mas é uma batalha sabendo quem são os nossos inimigos, e os nossos inimigos não são os homens. Os nossos inimigos são os capitalistas e os governos que sustentam essa sociedade. Agora, é necessário enfrentar a violência e a opressão que estão dentro da classe trabalhadora porque a classe dominante se utiliza da opressão, não somente pra explorar, mas pra incentivar essa divisão dentro da classe trabalhadora. Cada mulher que é agredida, que é violentada, faz a classe dominante dar um passo adiante porque enfraquece a classe trabalhadora como sujeito revolucionário.

Um dos grandes debates que ocorreram na Revolução Russa era a impossibilidade de alcançar a libertação e igualdade das mulheres sem ter uma planificação da economia. Porque as mulheres trabalhadoras vinham com salários mais baixos, tinham menos acúmulo cultural pra conseguir empregos melhores por causa da opressão anterior, ainda mais no caso da Rússia, dependiam muito dos maridos por causa da situação de opressão, da configuração da família como era organizada, dependiam das pensões quando se separavam, ou seja, uma série de relações imbricadas pela questão econômica que sempre transformavam as mulheres em um objeto de opressão e que não permitiam que as mulheres tivessem uma condição de fato igual.

Por isso não é possível que um sistema baseado na exploração de uma pequena classe de parasitas sobre a grande massa de trabalhadores assalariados do mundo inteiro atenda às demandas dos setores oprimidos. Ainda que tentem nos fazer acreditar nisso. Por isso ficam incentivando o movimento feminista a se empoderar pra tentar manter essa sociedade como está, e não pra gente subverter toda a ordem social.

Entretanto, o “feitiço pode se voltar contra o feiticeiro” ou o “tiro sair pela culatra”. O impulso do neoliberalismo em cooptar os movimentos sociais, em especial o de gênero, alentando o “empoderamento” feminino como forma de extensão do estado capitalista pra melhor dominar, pode estar saindo do “controle” seja do “script da agenda neoliberal” seja do controle das burocracias. O que eles querem dividir em lutas separadas, se une através da “luta de classes”. Um fenômeno eletrizante que coloca com tanta ênfase um sentimento de poder para metade da população de todo o mundo que durante séculos é tratada como sujeito subordinado na sociedade tem consequências explosivas. Este sentimento de empoderamento se tomada pelas amplas camadas femininas da classe trabalhadora, cada vez mais feminina e negra em nosso país, com uma estratégia que conduza estas lutas parciais a uma luta contra o estado capitalista pode fazer com que o plano neoliberal de neutralizar a luta das mulheres a faça explodir justamente desde seu extrato mais oprimido e explorado: o batalhão de mulheres trabalhadoras em todo o mundo.

São imigrantes, mulheres negras, trabalhadoras do campo, indígenas, operárias, nos hospitais, professoras (e que batalhão!), empregadas domésticas. A classe trabalhadora no Brasil e no mundo cada vez mais tem rosto de mulher, muito diferente da situação da classe operária por exemplo no início do século XX frente as revoluções, incluindo a Revolução Russa, onde era majoritariamente masculino. Isso pode nos fazer levantar a hipótese de que a revolução do século XXI seja proletária mas tenha rosto de mulher, que o sujeito revolucionário, a classe operária, seja predominantemente feminino. Que frente a este impulso do movimento de mulheres internacional, no qual se disputam distintas estratégias, o impacto que tenha na classe operária seja de uma luta cada vez mais subversiva contra o estado capitalista que não se permite cair no conto de fadas da luta pra quebrar o teto de cristal – quando as mulheres do imperialismo americano de Trump “não se preocupam” com a vida das meninas imigrantes, incluindo Hilary Clinton - ou acreditar que a mera ampliação de direitos pode garantir a nós nossa emancipação ou que sejamos “nenhuma a menos” no estreito horizonte desta sociedade capitalista que nos arranca tantas mulheres, como arrancou também Marielle.

Por isso tudo isso ainda que nas últimas décadas a força do movimento feminista tenha arrancada direitos fundamentais não podemos ignorar que isso ocorreu ao mesmo tempo que aumentou a precarização do trabalho, e particularmente num país onde as mulheres negras continuam recebendo 60% a menos do que os homens brancos. Portanto, queremos um feminismo socialista de classe para ecoar a voz das milhões de mulheres e meninas que compõem, ainda hoje, 70% da população pobre de todo o mundo e que são, justamente, as maiores vítimas da violência estatal. Para enfrentar esse Estado poderoso, precisamos da força das mulheres, da força da nossa classe.

Por isso é urgente resgatar um feminismo marxista, incendiário, onde a opressão cotidiana é transformada em ódio de classe e combustível para o despertar de centenas e milhares de grandes personalidades femininas da história sabendo que a condição de “classe” não é uma “somatória” a mais senão a raiz de toda esta sociedade colocando portanto sobre os ombros das mulheres trabalhadoras um grande objetivo. Lutar por cada um dos nossos direitos, luta pelo direito ao aborto legal seguro e gratuito mas lutar pela nossa sexualidade como o direito ao gozo e o prazer feminino, que as cúpulas da Igreja e os setores conservadores querem condenar. Mas entender que a cada crise nos retiram direitos. Por isso não adianta somente lutar contra ele reeditando a construção de um buraco sem saída de “mal menor” em “mal menor”, e sim lutar por uma outra sociedade.

Então, no século XXI talvez tenhamos a possibilidade de fazer concreta a consigna de Trotsky de que “pra ser um revolucionário é preciso enxergar a vida com o olhar das mulheres” não somente porque este seja nosso programa, cravado nas páginas da fundação da IV Internacional, que propunha “abrir passagem à mulher trabalhadora”, mas porque o trotskismo nos permite enxergar hoje que não se trata somente de “abrir passagem” porque a luta das mulheres é imparável. Muito provavelmente Trotsky diria hoje “companheiros não se trata de abrir passagem para as mulheres, elas vão assumir a vanguarda, camaradas mulheres passem por cima!” e façam da revolução proletária uma revolução com rosto de mulher, o que no Brasil significa rosto de mulher negra.

 
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