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ELEIÇÕES 2018
Após o atentado, o dilúvio? A nova configuração do xadrez eleitoral
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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É ponto pacífico entre todos os analistas que o ataque a Bolsonaro foi um ponto de inflexão nas eleições manipuladas pelo autoritarismo judicial. O candidato do PSL, ao que tudo indica, foi empurrado “à ponta de faca” para o segundo turno.

De acordo com a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, o ataque foi o evento de maior repercussão imediata no Twitter desde as eleições de 2014. O monitoramento calculou impressionantes 3,2 milhões de referências discutindo os procedimentos médicos, referências ao discurso de ódio do candidato, a violência das eleições e, acima de tudo, questionamentos quanto à veracidade do acontecimento. Movimentou todo o espectro político, e fez Bolsonaro conquistar 24h por dia de propaganda eleitoral própria.

De acordo com o monitoramento da DAAP-FGV, no entanto, a facada não fez aumentar o apoio ao candidato, ao menos no primeiro momento.

Apesar disso, é provável que Bolsonaro suba alguns pontos percentuais na próxima pesquisa de intenção de voto, no imediato pelo efeito de empatia que pode causar num espectro do eleitorado que fica além de sua base solidamente estabelecida (ou seja, sua taxa de rejeição, que era de 44%, tende a decair relativamente no imediato pós-atentado).

A estocada parece ter selado sua passagem ao segundo turno das eleições, excetuada uma grande reviravolta.

O principal resultado do episódio de Juiz de Fora aponta a ser que, contrariamente ao que gostaria o “poder real” (a oligarquia judicial, a grande imprensa, as camadas majoritárias da burguesia, os militares) tenham naufragado as últimas possibilidades de fortalecimento do “candidato de centro” – neste caso, Geraldo Alckmin.

Os pólos que se retroalimentam desde o início das eleições – Lula/Haddad e Bolsonaro – é que emergem do episódio como os principais contendores da disputa eleitoral.

Das principais tendências que analisamos abaixo decorre a necessidade de combater o autoritarismo judiciário, em defesa do direito do povo decidir em quem votar, fazendo emergir uma esquerda com independência de classe capaz de batalhar por frações revolucionárias no movimento operário – contra a burocracia sindical – para enfrentar verdadeiramente a direita e os golpistas. Algo que só pode ser feito de maneira completamente independente do PT.

A campanha de Alckmin saiu gravemente ferida depois da facada

O ataque a Bolsonaro não modificou a característica central dessas eleições: ela não está sendo disputada pelo centro, e sim está sendo disputada pelos "polos opostos" do regime. Pelo contrário, acirrou essa característica. A batalha eleitoral é pelejada pelos representantes dos “extremos”, figura da continuidade do que o marxista italiano Antonio Gramsci denominava crise orgânica (ou crise de autoridade estatal, que é econômica, política e social, e se reflete na separação entre setores sociais e suas representações políticas tradicionais).

Alckmin não é o candidato dos “extremos”; apostou desde o início em ir o "mais à direita, dentro do permitido pelo centro", assumindo pontos programáticos de Bolsonaro, como a política escravizadora contra os trabalhadores, com a “responsabilidade de gestão” que o reacionário ex-capitão não tem. A única esperança do tucano até agora era tomar uma porcentagem dos votos de Bolsonaro. Essa transferência de parte dos votos de Bolsonaro para Alckmin, que já estava dificultada pela lealdade da base eleitoral do ex-capitão, depois do acontecimento de quinta-feira é muitíssimo mais improvável, para dizer o mínimo.

De fato, o discurso cinicamente “pacífico” com que Bolsonaro se apresentou em suas redes sociais, ainda no hospital depois da cirurgia, teria mais chance de tomar uma parcela pequena de votos de Alckmin, do que o contrário.

Isso porque, para arrebanhar uma parcela dos votantes de Bolsonaro, o tucano precisava atacá-lo. Agora, todos os observadores reconhecem que Alckmin não poderá usar contra o candidato do PSL as mesmas armas que vinha usando. A partir de segunda-feira, terá de modificar sua estratégia, levando em consideração que tudo o que Bolsonaro disser, acamado no hospital, será ventilado na capa de todos os meios de imprensa, e reverenciado por sua base votante.

A resultante é que a campanha de Alckmin sai gravemente ferida da primeira semana de setembro.

A vantagem do PT na “polarização dos extremos”

O veto autoritário do TSE e a confirmação da inelegibilidade de Lula pelo decano do STF Celso de Mello, foram os movimentos “finais” para excluir Lula das urnas. O ocorrido em Juiz de Fora tirou temporariamente os holofotes da censura a Lula, o que o PT usava para pautar as eleições.

Além disso, agora Bolsonaro também se cacifou como "político perseguido pelo regime", tirando de Lula o monopólio nessa rubrica.

Entretanto, Lula é parte do "polo oposto" que disputa com Bolsonaro. Assim como a solidez do ex-capitão se reafirma, isso tem o efeito de elevar a figura de Lula (ou mais exatamente, de “seu candidato ungido”, Fernando Haddad) como quem pode barrar a possibilidade do ex-capitão chegar ao Planalto.

A nova condição de Bolsonaro não impacta a estratégia do PT como o faz na do PSDB: basta lembrar que, com oportunismo eleitoral característico, o ataque ao reacionarismo da extrema direita não passava pela orientação de campanha do PT, que deixava o trabalho a Alckmin.

Pesquisa da XP Investimentos, divulgada nesta sexta-feira (7/9) – ainda que realizada entre 3 a 5 de setembro, antes do atentado – mostra já indícios dessa tendência de fortalecimento de “Haddad apoiado por Lula”. Já sem Lula, Bolsonaro aparece na liderança com 20% das intenções de voto, seguido por “Haddad apoiado por Lula”, com 14%. Neste cenário, Alckmin aparece com apenas 8%. Quando Haddad é apresentado sem o apoio de Lula, figura com 8%.

Depois da “manipulação contábil” na divulgação da pesquisa Ibope feita em rede televisiva pelo Jornal Nacional, ignorando os números da transmissão de votos de Lula, até mesmo o Estado de S. Paulo – envolvido na pesquisa – foi obrigado a contradizer o que a Globo considerava inconfessável: a parcela que votaria “com certeza” em Haddad subiu nove pontos porcentuais, de 13% para 22%, desde 20 de agosto (quando o Ibope fez pela primeira vez essa pergunta. E os que “poderiam votar” passaram de 14% para 17%.

Esses resultados são tendenciais, e podem mudar ao longo dos dias; mas indicam de alguma forma o curso dos acontecimentos.

Acresça-se a isso o fato de que o PT fará um ato oficial para sacramentar o início da “transmissão de votos” de Lula para Haddad no dia 11/9, que terá repercussão nacional, e recolocará o PT no centro dos holofotes. A máquina partidária petista vai estar a todo vapor. É provável que se reforce a posição do PT nas eleições, podendo amplificar a transferência de votos a Haddad (analistas como Breno Altman consideram que Haddad chegará ao final de setembro com 22-25% das intenções de voto).

Dito em outros termos, de maneira indireta a candidatura do PT, na modalidade “Haddad como encarnação de Lula”, também entra numa nova fase das eleições aproveitando-se tendencialmente do maior atrito entre os “polos opostos” do regime.

As bases eleitorais de ambos os pólos enxergam única e exclusivamente o seu candidato como antídoto para anular o oponente. Isso acaba por exercer uma força gravitacional maior, com capacidade para asfixiar o dito “centro” (em primeiro lugar Alckmin) mas também Ciro Gomes e Marina Silva, que figuram com 11% na referida pesquisa da XP.

Se admitimos a hipótese de Marcos Coimbra, de que o candidato do PSL roubou o lugar do PSDB na disputa entre “petismo e anti-petismo” (com o risco de “o PSDB acabar”) podemos dizer que numa disputa correlata entre “bolsonarismo e anti-bolsonarismo”, o PT – mesmo com sua estratégia de conciliação com as finanças, os empresários e a direita, como enalteceu Haddad em entrevista à Globonews – segue detendo a primazia.

A projeção eleitoral que fazemos se dá no marco das principais tendências atuais, dentro uma eleição manipulada pela oligarquia judicial com o auxílio da mídia. Por isso não podemos descartar outros itinerários, que terminem em outros desenlaces. Dificilmente o governo que surja dessa situação de polarização social escapará de grandes eventos na luta de classes.

Uma disputa no interior do PT?

Como síntese da análise acima, concluímos que: Bolsonaro se fortalece, Alckmin terá enorme dificuldade para retirar votos de Bolsonaro (aposta máxima de campanha para chegar no segundo turno), e o PT vai começar de fato a operação de transferência de voto de Lula para Haddad com a vantagem da "polarização dos extremos".

Entretanto, para além do universo das disputas eleitorais, existe uma batalha “surda” sendo encarada nos bastidores de um dos “pólos” mencionados acima.

Aqui, gostaríamos de deixar apenas indicado, para desenvolver em análise próxima.

Há uma quantidade de opiniões de distintos observadores sobre a razão que explica o atraso na substituição de Lula por Haddad, mesmo com as medidas autoritárias do judiciário deixando claro que não estaria nas urnas.

A maior parte das opiniões converge na idéia de que a manutenção de Lula como candidato do PT até agora tinha por objetivo a transferência de seus eleitores para o sucessor.

O analista Rodrigo de Almeida apresenta um contraponto interessante, à sua maneira: “Na estratégia concebida e executada desde a sua prisão, Lula atuou o tempo inteiro não para viabilizar o sucessor de uma candidatura fadada a ser impugnada, mas para viabilizar a si mesmo, política e criminalmente”.

Desse ponto de vista, o eixo da preocupação não é a candidatura do PT, mas o destino do próprio Lula, o que ordenou suas decisões. Haddad seria convertido em mero “garoto de recados” de Lula, um portavoz completamente manejável que lhe permita preservar boa parte do poder no interior do PT. Esta política de Lula, como é sabido, há muito contraria o “poder real”, que esperneia nos meios de imprensa, nas Cortes (e nas casernas?) para que Lula eleja um substituto com autonomia, que elimine a necessidade de negociação com Lula e asfixie sua figura.

Não é descabido pensar que a delonga em “ungir” Haddad se deu para que o ungido surgisse sem autonomia alguma, com o menor poder possível, e sabendo que todos os seus votos “são votos de Lula”.

Uma advertência silenciosa de um líder de massas que renega perder qualquer gota de poder, e que não mira indulto algum numa eventual presidência Haddad, e sim provar sua inocência, como alegou Haddad à Globonews.

Seria uma nova versão, em um palco histórico distinto, da consigna “Cámpora ao governo, Perón ao poder” (agora, “Haddad ao governo, Lula ao poder”), alentada pelo peronismo na Argentina de meados dos anos 70?

Uma esquerda baseada na luta de classes, socialista e revolucionária

Bolsonaro arrebatou a representação da direita antipetista aos tucanos; Lula está preso e, ainda a contragosto, se deseja ganhar as eleições terá de nomear seu substituto. A crise orgânica a que nos referíamos acima mudou, portanto, a forma tradicional da representação da direita, agora mais selvagem.

Entretanto, no caso da representação tradicional do movimento operário vemos uma “revitalização senil do PT”. Por que senil? Porque desapareceram as condições materiais que permitiam concessões reformistas na década de 2000. Um eventual governo Haddad será uma versão piorada do “Dilma 2”, chocando-se mais ou menos rapidamente com as ilusões alimentadas durante a campanha eleitoral.

O caráter senil que já se desenha nesta revitalização do PT é o fundamento do por quê é preciso preparar, teórica e praticamente, uma esquerda anticapitalista e revolucionária, para quando as massas terminem de fazer sua experiência com o PT. Afinal, como dizia Börne, nada é tão duradouro como a mudança.

Veja aqui: O PT como “mal menor” ajuda a combater o golpismo e a direita?

Nós do MRT que impulsionamos o Esquerda Diário, ao mesmo tempo que defendemos irrestritamente o direito das massas decidirem em quem votar, não apoiamos o voto no PT e criticamos duramente sua estratégia de conciliação de classes que abriu o caminho ao golpe institucional.

Mais que nunca é necessário o fortalecimento de uma esquerda que aposta na luta de classes dos trabalhadores, das mulheres e da juventude, com um programa de independência de classe dos trabalhadores que supere a conciliação petista.

 
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